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Tracunhaém: a panela de formiga agora é de barro e tecnológica 

  Tecnologia como aliada dos artesãos e o Governo como prometedora de projetos

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Leandro Lopes

13 de agosto de 2023- 17:08

       Sessenta anos de história, esquecimento e desvalorização do artesanato. No ano de 2023, o município de Tracunhaém celebra 60 anos de seu processo de emancipação da cidade de Nazaré da Mata. Estima-se que a cidade tenha mais de 13 mil habitantes, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Localizada no estado de Pernambuco e na mesorregião da Zona da Mata, a “panela de formiga”, como historicamente é conhecida através do Tupi-guarani, dá nome à cidade de Tracunhaém.

     A capital do artesanato em cerâmica, título que recebeu em 2015 da Assembleia Legislativa de Pernambuco, deveria tornar Tracunhaém ainda mais valorizada. Porém, o que se visualiza é um grande esquecimento de uma cidade histórica e importante para a economia do estado por parte dos governantes. Esta reportagem mostrará como os impactos da pandemia modificaram a forma de comercialização do artesanato local e como as políticas públicas estão sendo tomadas para a retomada da cidade após uma maior flexibilização da Covid-19.

         A panela de formiga agora é de barro e tecnológica. A cidade se mantém, majoritariamente, por conta do artesanato e precisou se adaptar rapidamente às mudanças impostas pela pandemia. Isso porque a economia, além de vir da arte, também chegava por meio do turismo. Mas depois das restrições e regras impostas pelo vírus, os artesãos tiveram que mudar a rota e utilizar mais a tecnologia para realizar as vendas pela internet, e essa vem se tornando uma forma de crescimento econômico importante para a cidade. Porém, nem todos os profissionais do barro tiveram a oportunidade de comercializar pela internet ou as instruções necessárias para se adaptar a esse meio.

 

       O tracunhaense e artesão Ivanildo dos Bocejos produz há 23 anos e é conhecido pelos bocejos, porque se inspirou no quadro “O Grito” de Edvard Munch, transformando essa ideia em sua identidade. Ele comenta: "Senti a pandemia. De um modo geral, todos sentiram, alguns menos e outros mais. Sobre vender na internet, já vinha trabalhando nas redes sociais, porém muita gente começou durante o lockdown (confinamento) e percebeu o quanto dá certo. Por incrível que pareça, a Covid-19 trouxe uma nova visão para os artesãos, quebrando um ciclo de anos que era apenas: ele produzir, participar de feiras e voltar para o ateliê." Nas redes sociais, Ivanildo se torna @ivanildodetracunhaem, ele utiliza esse nome porque entende que as pessoas, quando procuram artesanato, inicialmente pesquisam pelo nome de Tracunhaém, gerando assim ainda mais clientes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

         Outro artesão que enxerga a tecnologia como sua aliada no aumento das vendas é o Mestre Ivo Diodato. Ele trabalha com o barro há 48 anos e nunca passou por uma situação como a da pandemia, em que teve que mudar totalmente sua forma de vender. “A pandemia foi surpreendente, principalmente para a gente que lida com artesanato. Foram várias interrogações: ‘O que vai ser da gente?’ Manter o mínimo de contato ficou aquela interrogação. Mas a gente foi surpreendido. Em meio à pandemia, nunca se vendeu tanto artesanato. 60% das minhas vendas são online. A pandemia abriu portas em meio ao sofrimento para muitos, mas para o artesão foi uma oportunidade incrível", comentou o Mestre Ivo. O artesão carrega o seu nome para as redes sociais, com o @ivodiodato. Lá ele compartilha suas peças, que têm como inspiração a obra “Abaporu” de Tarsila do Amaral.

 

Centro de produção artesanal e, também, de tecnologia. 

       A tecnologia está se tornando cada vez mais aliada da população e no caso de Tracunhaém, dos artesãos também. Porém nem todos os profissionais do barro e da cerâmica tiveram a oportunidade de vender através da internet como Ivanildo e Mestre Ivo.  Na capital do Artesanato, existe um Centro de produção artesanal e neste local se concentra obras de diversos artesãos que estão presentes na cidade, uma maneira de reunir, praticamente, todas as artes do município em um único local. 

 

       Durante a pandemia, o responsável pelo centro, que é o artesão Jônatas Freitas, comentou formas de driblar os limites impostos pela pandemia e ajudar todos os artesãos a venderem pela internet. “A gente tem um instagram, na época todos os artesãos faziam parte para divulgar, ajudamos uns aos outros, quem não tinha instagram a gente divulgava, virou uma rede de auto ajuda”, comentou Jônatas. Além do instagram chamado @centro_de_arte_tracunhaem, o organizador do centro tentou outros meios como plataformas de vendas onlines,  o Mercado Livre, por exemplo, adquirindo mais clientes para as peças. “Nas redes sociais todo dia tinha alguém, perguntando ou comprando e uma curiosidade é que diversos artesãos surgiram e outros retornaram às atividades e divulgamos sempre”, ele comenta que por conta dessa ação do centro, mais pessoas começaram a produzir, tornando ainda mais interessante e importante esse projeto. 

 

Em meio a ascensão da tecnologia, os artesão estão sendo esquecidos 

 

      Mesmo com a ajuda do Centro de Artesanato, ou ações individuais. Durante as entrevistas para a construção dessa reportagem, enxergou-se um descontentamento por parte de alguns artesãos sobre o esquecimento dos governantes para com  os profissionais que tornaram a cidade o que é hoje. “ O que Tracunhaém é  não deve a político nenhum, foram os artesãos que deram o nome a cidade, o município tem um título de capital do artesanato, mas não faz nenhuma diferença, porque até agora não fomos abraçados. O artesão não pode ser tratado com migalhas ou sermos esquecidos”, comentou o Mestre Ivo Diodato.

 

 

 

   

 

    Em entrevista, o artesão Rafael Raimund que iniciou em 2019 suas atividades, mostrou um descontentamento e um esquecimento. “Nunca recebi nenhuma ajuda, desde que entrei no ramo do artesanato,  nada de nenhuma prefeitura nem do governo estadual”, conta Rafael. O profissional começou a pouco tempo nas suas atividades com a arte em barro e cerâmica, porém nas redes sociais o @rafaelraimund produz peças autorais como seu abacaxi e leva para diversos estados. Porém, dentro da cidade ele enxerga esse apagamento dos artesãos pela prefeitura, principalmente, no momento que eles mais precisavam, que foi o da pandemia. Todos os artesãos presentes nessa reportagem foram perguntados se tiveram alguma ajuda tecnológica do governo municipal porém, alguns não quiseram responder e outros afirmaram que não tiveram. 

 

Três anos de mandato e planejamentos ainda estão sendo feitos 

 

       A Secretaria de Cultura e Turismo do município foi procurada para serem discutidos temas como a falta de amparo que a gestão deu aos munícipes durantes os anos pandêmicos e entender quais são as estratégias para a retomada no ano de 2023 depois de uma maior flexibilização da Covid-19.  O secretário Rodrigo de Paula, assumiu o mandato em julho de 2022, então ele tratará sobre sua atual gestão e também comentará sobre o antecessor. “ A antiga gestão de governo que se encerrou no final de 2020, acabou muito com a cultura que a cidade tem, durante a pandemia o artesão foi muito massacrado, recebiam uma cesta básica e ela era dividida em três, foi algo até desumano, principalmente, porque os artesãos não tiveram amparo da gestão anterior”, disse o secretário.

       Rodrigo de Paula foi perguntado sobre quantos artesãos estão efetivamente ativos na cidade, porém ele não sabe essas informações precisamente, mas estima que mais de 500 pessoas trabalhem diretamente com o barro.  A capital do artesanato em cerâmica não possui uma organização necessária para entender a tamanha importância que esses artesãos têm no estado, sobre o assunto, o secretário comenta, “depois que passar a festa do padroeiro a gente vai fazer um cadastro mais organizado e digital, para termos mais informações dos artesãos”. A carência de políticas públicas voltadas para os artesãos é grande e enxergada até pelos governantes, ações estão sendo planejadas, mas sem data específica para início da execução. Importante frisar que antes de entrar na pasta de Cultura e Turismo, Rodrigo era Chefe de Gabinete do atual Prefeito Aluizio Xavier do Partido Liberal, que está no poder a quase três anos

      Sobre a contribuição da tecnologia para a cidade, ele visualiza como algo bastante positivo e fundamental “Desde que entrei no mandado venha trabalhando para que ações sejam feitas rapidamente, uma delas é a retomada da estruturação de um site em parceria com o  Sebrae para acontecer a comercialização do artesanato de Tracunhaém”, expõe Rodrigo. Ideias de cadastrar o artesão no Google Maps para quando o turista chegar ele conseguir localizar o profissional e também um aplicativo detalhando os pontos turísticos, gastronômicos e a divisão do artesanato em utilitário, decorativo, religioso entre outros temas, são propostas de Rodrigo, mas a execução ainda não foram iniciada e ele não detalhou quando tempo será necessário para que essas ações se iniciem. 

       As realidades de Ivanildo de Tracunhaém, do Mestre Ivo e de Rodrigo Raimund, são singularidades de uma cidade com um tesouro marrom que carrega uma história de luta e bastante suor para ser o que é hoje. A carência de políticas públicas elucida a ineficiência de um governo que está comandando a capital do artesanato em cerâmica,  melhores qualidades do trabalho deveriam ser prioridade para quem dá nome e significado a cidade. Durante a pandemia foi visualizado a necessidade e importância da tecnologia, os relatos dos artesãos  validam o quanto esse artifício é fundamento para fazerem as vendas crescerem exponencialmente novamente. Mas antes disso melhores condições trabalhistas precisam ser priorizadas na cidade do barro. 

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