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A onça selvagem: Yannara e a música como reflexo da cultura do Agreste

Cantora, compositora, dançarina e até costureira, a artista traz misturas que resultam em um pop autêntico e criativo

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Guilherme dos Santos

02 de Maio de 2024

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–Aló, ¿quién habla?

–It’s me, Yannara, the wild jaguar

 

(Alô, quem fala?)

(Sou eu, Yannara, a onça selvagem)

 

É com uma saudação à Iansã, Shiva, Ganesha, Iracema e Iemanjá que ela se apresenta para a cena da música pernambucana. “Mulher nordestina, com o calor do sol correndo em suas veias”, Yannara, 31 anos, integra o pop independente pernambucano com muita autenticidade e um estilo único. 

 

Nas canções, ela brinca com os idiomas, e o “pernambuquês” agrestino é misturado com o francês, inglês e espanhol. No figurino, Yannara troca o microfone pela agulha, e a ousadia e exuberância são estampadas em suas roupas. Nas letras, as vivências da dançarina, cantora e compositora ganham foco. Tudo isso se junta e forma uma musicalidade gostosa, colorida, criativa e, sobretudo, nova, ao passo que a identidade do Agreste, nada tímida, aparece.

                                                                                       (Imagens: LIV | @livmeabeat)

 

Nascida na cidade de Surubim, localizada no Agreste pernambucano, Yannara se aproximou da música logo na infância, quando já sonhava em ser cantora. Foi o caminho da dança, no entanto, que a artista seguiu, e desde os 13 anos, mesmo ainda aprendendo, ela já dava aulas na comunidade em que morava. Se formou em Educação Física em 2014, por indicação de pessoas que diziam que seria fácil para ela arrumar um emprego com o curso. “Eu vim de infância pobre. Como aquilo era vendido como certeza de trabalho, fui fazer”, conta a artista, que, há 10 anos formada, nunca trabalhou na área, exceto pela dança.

 

Foi em 2019, após anos de dedicação como dançarina, que Yannara decidiu olhar novamente para o sonho de criança. Através da revisitação a seus textos antigos, nasceram as primeiras composições, e, em fevereiro de 2020, Yannara lançou sua primeira canção, intitulada “Saudação”. 

 

Em 2021, surgiu o álbum Força Motriz, composto por oito faixas autobiográficas que falam sobre suas vivências. Seu último trabalho é o EP Não Dá Pra Amar Você, que conta com quatro músicas lançadas no final de 2023. Desse projeto já vieram dois clipes. “Não Dá Pra Amar Você” é ambientado em um cenário boêmio e misterioso, e conta com a participação de outros artistas independentes de Surubim, como Luanda Luá, Lado do Fim do Mundo e Gilberto Ribeiro. Já Me Dá Teu Amor traz uma crítica às práticas de coaching e exploração financeira dentro da religião, e foi possível graças ao financiamento da Lei Paulo Gustavo.

 

Ela reluz audácia

 

Algo que é destaque nas produções da artista, desde “Saudação”, é o visual.  Vestidos coloridos e acessórios protagonizam as cenas de seus clipes e são figurinhas carimbadas nas performances. No entanto, diante da falta de recursos para custear a confecção das roupas, a solução para Yannara foi colocar a mão na massa: na máquina de costura da mãe, ela começou desmanchando e refazendo  seus figurinos de dança. “Perdi muita coisa”, conta, ao explicar que foi aprendendo a costurar através da internet. “Não foi fácil, mas me lembro que todo o processo foi muito prazeroso. Eu estava fazendo algo que era o meu sonho”

 

 

     Primeiro figurino feito por Yannara. O tecido utilizado foi o lençol da própria cama dela.

(Imagem: Reprodução  do clipe de Saudação)

 

Com relação à música, Yannara traz referências da cultura popular de Pernambuco e da cultura pop num geral. Fã de Beyoncé, Madonna e Britney Spears, ela diz que a música lhe trouxe o poder da palavra, algo que faltava na dança. “Eu já tinha essa coisa de me comunicar com o figurino, com o movimento, com a musicalidade, mas  eu não tinha a força da minha voz”, diz. 

 

Sua voz, de fato, ficou ainda mais ampla e diversa. Mesmo não sendo fluente em outros idiomas, ela até costuma brincar os misturando em suas canções. Para ela é mais uma maneira de agregar outras culturas que tem como referência.

 

Sobre seu estilo sonoro e visual, Yannara define: “É o Agreste em si”. A cantora conta que experienciou a zona rural, a periferia e o centro do município surubinense, e isso influencia diretamente as suas composições. “Surubim é muito rico. É a terra de Chacrinha e de Capiba, e, fora eles dois, temos Hanagorik. A cidade é a terra da vaquejada, mas é a terra do Rock também. É muita gente boa de várias linguagens diferentes. Comemos de todo mundo, e regurgitamos algo que é só nosso”.

 

 “O agreste não tem uma cultura específica só  deles. A gente bebe do Sertão, a gente bebe da RMR. Somos um misto. Eu acho que o grande quê do meu trabalho é isso: o mundo é minha fonte”.

 

Com 64 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Surubim desenvolve há anos um movimento cultural que atravessa vários ritmos e gêneros. Entre outros artistas independentes do Rock, do Pop, do Hip Hop e diversas outras manifestações, há uma troca e criação de algo novo. Yannara, por sua vez, enxerga isso de forma única: “Na cultura surubinense, a onça é a vilã, porque matou o boi Surubim. A gente (artistas surubinenses) vê o patriarcado na figura do boi. A onça é o povo que luta e que tenta resistir”, diz, e se posiciona: “Como artista periférica, a onça sou eu. It's me, Yannara, the Wild Jaguar! (Sou eu, Yannara, a onça selvagem)”

 

Mon petit espoir de changement

(Minha pequena esperança de mudança)

 

Guilherme dos Santos: Yannara, o que te motiva a continuar com a música?

 

Yannara: A música é uma linguagem incrível. Ela conecta o mundo inteiro. Saber que independente se as outras pessoas vão entender o meu idioma ou não, essa conexão geral que a música traz é incrível. Por isso eu me sinto extremamente feliz em saber que eu faço música.

 

Guilherme dos Santos: E como você vê a Yannara do futuro? O que espera daqui pra frente?

 

Yannara: Eu quero alcançar o máximo de pessoas que eu conseguir e viver bem financeiramente, obviamente. Eu não falo sobre fama, falo sobre conseguir manter uma vida bacana. Queria poder fazer com que minha mãe não precisasse mais trabalhar, sabe? 

 

[Para isso] é importante ter mais portas abertas, porque é uma coisa muito difícil para quem é artista independente. A gente só ganha a grana se a gente fizer show, porque aprovar projeto é uma coisa que não é fácil, principalmente para quem é do interior. 

 

E eu amo estar no palco. Eu amo fazer shows. Acho que é quando eu sou 100% eu, quando eu boto para fora a verdadeira Yannara. [Por isso] eu espero que as pessoas consigam enxergar essa potência não só minha, mas de tantas outros artistas independentes.

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