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Bione: bota a “Braba” no palco, que ela só sobe com pedrada

Poeta, rapper e inspiração de um dos megamurais que tomaram conta no centro do Recife, Julia Bione  toma cada vez espaços na cena cultural pernambucana

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Letícia Barbosa

24 de Julho de 2024

Mulher preta, lésbica e periférica, Bione transborda em suas letras e em sua atuação no meio cultural a vivência dos grupos sociais que integra, além de questionar a desigualdade de oportunidades local e nacionalmente. É neste cenário que a artista propõe a criação da própria cena, como canta na música "Quem é Ela?".

 "Vocês querem vomitar o eixo?

Pra mim, pô?!

Eu sou o eixo.

Eu sou minha própria cena, tá ligado?!

Essa que vocês conhecem

pouco me importa."

 

Bione - Quem é ela?

 

De forma semelhante, "Pensei em Parar" também aborda a segregação que pessoas como ela enfrentam para que seu trabalho tenha visibilidade.

 

“Não me vem com essa pala de espacinho

É tudo nosso e não vai reverter

Me intitula "trap feminino"

Pra não assumir que não sabe fazer”

 

“Eu sou preta

num mundo racista

estrela

num mundo de artista”


 

Bione - Pensei em parar

 

Nas últimas semanas, Recife não teve como fechar os olhos e ouvidos para Bione. A artista ocupou o Teatro do Parque como uma das atrações do primeiro “O Eixo é Nois” e foi homenageada com o megamural “Ritmo e Poesia”, de autoria da crew feminina Pixe Girls. Com a carreira iniciada aos 14 anos de idade, a artista já carrega, nestes sete anos de trabalho, a representação de Pernambuco na final da batalha nacional de poesia falada Slam de 2018 e a vitória no Pré-Amp de 2020. Além disso, a poeta e rapper já colocou na rua a mixtape “Sai da Frente”, o livro “Furtiva” e seu primeiro disco “Ego”, composto por 10 músicas autorais.


 

Ritmo e Poesia

 

 

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                                                                                                  (Imagem: Raquel Suspira/ Divulgação)

As ruas do centro do Recife têm sido coloridas por grafiteiros e grafiteiras que assinam os megamurais espalhados pela região central da capital pernambucana. A iniciativa é da Secretaria Executiva de Inovação Urbana Municipal e acontece por meio de editais nos quais os artistas podem se inscrever. Ao todo, 24 projetos foram classificados, e 9 já podem ser apreciados nas ruas. A partir de agosto, a ação ganha uma nova etapa: todas as terças-feiras, o público poderá assistir a um documentário sobre cada processo de construção dos murais urbanos, no Teatro do Parque.

Entre ícones da música pernambucana, como Reginaldo Rossi e Naná Vasconcelos, bem como manifestações da cultura popular, como o frevo, o coco e o maracatu, está Bione, representando o hip hop e a juventude negra pernambucana.

"Ritmo e Poesia" é assinado pela crew Pixe Girls, composta exclusivamente por mulheres, que celebra uma década de trajetória em 2024. Segundo Tab, uma das integrantes, a ideia surgiu do desejo de homenagear uma pessoa em vida que representasse o rap no Recife. “Achamos que Bione seria a pessoa ideal para fazer com que os olhares fossem voltados para esse lugar”, explica. “Estamos celebrando dez anos de crew, e toda a nossa trajetória, resistência e luta ao longo dessa década se combinam com as letras dela e com o que ela traz em suas músicas”, completa a grafiteira.

Tab e Bubu são as responsáveis pela criação da arte. Somam-se a elas Iara Souza, com técnicas de pintura, Inay Victoria, Lalesca Verti e Tab Brüxä na execução do mural nas alturas para concluir o projeto de 275m², localizado no Edifício Garagem Central, na Rua da Saudade, na Boa Vista.

 

                                                                                                  (Imagem: Raquel Suspira/ Divulgação)

 

Tab deu seu toque especial na representação de Bione. Na imagem, a rapper se assemelha a uma alienígena, um traço comum nas obras da grafiteira. Ela explica que seu intuito é provocar uma reflexão sobre a inclusão das múltiplas identidades e formas de existência na sociedade. “Tenho estudado a simbiose entre a minha personagem e personalidades que eu enxergo como dissidentes, e dentro desse contexto, eu entendi que Bione seria esse corpo que conversaria com o que a gente se propôs a comunicar”, afirma Tab.


 

O Eixo é nois 

 

O evento, realizado pela Aqualtune Produções e pela Bola1Produção, tem o objetivo de enaltecer a criatividade artística nordestina e, principalmente, de Pernambuco. Assumindo o lugar de “eixo” em referência à música “Quem é Ela?” de Bione, a proposta questiona a carência de espaços para alguns artistas, principalmente mulheres e pessoas negras periféricas, além de subverter a lógica do Sudeste como capital de oportunidades quando o assunto é produção cultural.

Era uma noite de quinta-feira (11/7) quando Bione subiu ao palco após as estrondosas apresentações de Okado Canal e Bell Puã, respectivamente. Unidos em um mesmo festival, cada artista levou para a live session sua identidade, expressa nas letras, presença de palco e até no cenário, adaptado para cada show.

Bione faz questão de destacar, na sua vez, a importância do evento por levar ao teatro pessoas que talvez nunca imaginassem pisar lá, seja na plateia, como cantores ou na equipe envolvida no evento. Entregando letras potentes, ritmo envolvente e muita dança, a apresentação da rapper teve cenário assinado pela crew Pixe Girls. Tomaram o palco ainda um conjunto de mulheres negras e artistas: Larissa Pêssoa, Artia Lauandah e Larry na coreografia; Larissa Oliveira como DJ; a fadinha do violino, Julia Paulino; e Ana Nunes, a Preta, com participação especial.

 

O show começa com Bione parcialmente nas sombras, apesar das luzes coloridas que atravessam o palco em feixes. Vem, então, a pergunta: “Quantos raps de mina tu sabe de cor?”. É com o poema “Pernambuco” que a cantora abre sua apresentação. Em um questionamento ferrenho à cena pernambucana, incluindo também o próprio público que, por vezes, paga caro em grandes festivais, mas não se dispõe a incentivar o trabalho de artistas independentes. E, é claro, se esta artista é mulher e preta, a condição é ainda mais desafiadora, como termina o poema: “Quantas rappers você segue do Nordeste?”.

 

Bione recita "Pernambuco" em O Eixo é Nois

 

Em seguida, Bione contagia a plateia com os sucessos “Bione”, “Sai da Frente”, “Amuleto”, “Segunda Conjugação”, “Toda Tua”, “Ego”, “Delas” e “Deixa as Garota Brincar”, esta última com direito a uma roda de mulheres que costuma se formar ao som de uma das músicas mais conhecidas da rapper. “Rap de Mina”, “Aprendendo com o Desenvolver” e “Quem é Ela?” completaram a noite na versão recitada.

Recife foi tomada pela força criativa de Bione, sem sombra de dúvida. O que a poeta e rapper trará a seguir é um mistério que aguça nossa curiosidade. Enquanto aguardamos a próxima pedrada, aproveite para conferir Ego. Este trabalho fez de Bione a primeira mulher pernambucana a lançar um álbum visual, conforme ela revelou em entrevista ao Brasil de Fato.


 

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