Rádio Paulo Freire: vida longa ao sonho paulofreiriano de comunicação
Uma perspectiva dos 60 anos de um dos principais veículos de comunicação de Pernambuco e do Brasil.
Isabel Bahé
02 de Outubro Setembro de 2023- 17:30
Era uma noite de domingo quando foi inagurada, sob direção do poeta e tradutor José Laurenio de Melo, a Rádio Universidade, funcionando na frequência 820 kcs. A partir de sua primeira transmissão, a emissora funcionava na faixa de horário entres as 20h às 23h com uma programação que viajava entre a música clássica e programas educativos que revelavam a essência de seu nascimento e, tão importante quanto, seu criador.
Neste ano, no dia 29 de setembro, a Rádio Universidade, hoje batizada como Rádio Paulo Freire, está comemorando seis décadas de existência com uma série de comemorações resultantes de um longo trabalho de pesquisa documental para reconstrução de sua trajetória. Sessenta anos após sua criação, a Rádio Paulo Freire conta sua história e se constitui como uma instituição de memória e resistência. Resistência de um anseio que nasceu com seu criador e persiste naqueles que a formam hoje.
O antes
Germinada pelo educador, filósofo e pedagogo pernambucano Paulo Freire, que carrega hoje o título de patrono da educação, a Rádio Universidade nasceu como um ramo do Serviço de Extensão Cultural - SEC, também pensado por ele, localizado na antiga Universidade do Recife - atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Foi durante a atuação e direção de Freire no SEC que ele desenvolveu o que conhecemos atualmente como ‘método de alfabetização para adultos’, que consistia no ensino em curto prazo com base nas vivências sociais dos alunos e visando a conscientização crítica dos indivíduos. Um dos testes mais emblemáticos deste método aconteceu na cidade de Angicos, localizado no Rio Grande do Norte, quando o pedagogo logrou em alfabetizar cerca de 300 trabalhadores de cana-de-açúcar em 45 dias com apenas 40 horas de aula.
Nesse contexto, Paulo Freire principiou a Rádio Universidade, incubada de colaborar com a educação popular ao promover cultura e campanhas de alfabetização produzidas de modo a fornecer uma leitura crítica da realidade.
Não seria surpresa, então, que a proposição de uma formação educacional que desenvolvesse o senso crítico do sujeito fosse considerada “subversiva” por aqueles que mais tarde apoiariam o Golpe de 64. Quando instaurada, a Ditadura Militar descontinuou o SEC e alterou o funcionamento da Rádio, exonerando Paulo Freire e o diretor José Laurenio do cargo, e substituindo assim seu objetivo. Isto é, até o ano de 2018.
O agora
Passado o Golpe, chegada a redemocratização e ultimada a repressão institucional, o regresso do sonho não se consolidou. Escondida em uma casinha às costas da Reitoria da Universidade Federal de Pernambuco, ela assim permaneceu até 2018, quando o sonho de uma comunicação paulofreiriana foi resgatado e a emissora foi nomeada Rádio Paulo Freire, em homenagem ao seu criador, e transformada em uma rádio-escola, construída por professores e alunos dos cursos do Departamento de Comunicação, que integra o Centro de Artes e Comunicação da UFPE.
É esta Rádio que se encontra comemorando 60 anos de história no dia 29 de setembro, e ela não pretende deixar esta data passar de mãos vazias. No dia 25 de setembro, foi aberta no hall do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE a exposição “A Rádio Que Paulo Freire Sonhou”, onde o visitante poderá experienciar em 16 painéis o contexto histórico-cultural que deu origem à emissora, passando pela época do Golpe de 64 e finalizando na transformação em rádio-escola. A exposição, que estará em cartaz até o dia 31 de outubro, é resultado dos esforços da equipe da Rádio Paulo Freire em parceria com a Diretoria de Comunicação (Supercom), com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura e Cátedra Paulo Freire, contando com o auxílio da Biblioteca Central e Memorial Denis Bernardes, todos composição da Universidade Federal de Pernambuco.
No dia do aniversário, a Rádio Paulo Freire organizou um programa de comemoração que contou com a participação da equipe de trabalho que integra a emissora, professores do Departamento de Comunicação do CAC e música ao vivo realizada por estudantes do curso de Música da UFPE.
Neste mesmo dia foi marcado o lançamento do documentário de 45 minutos “A rádio que Paulo Freire sonhou”, produzido no Laboratório de Imagem e Som (LIS) do Departamento de Comunicação da UFPE, com apoio da TV Universitária (TVU, Canal 11.1), que visualiza a presença da comunicação no projeto de educação desenvolvido por Paulo Freire. O documentário foi ao ar no dia 29 de setembro, às 18h, no canal da TVU (11.1), e em breve será disponibilizado no canal da emissora no YouTube.
E por último, haverá o lançamento da série radiofônica “Os 60 anos da Rádio Paulo Freire”, que vai ao ar dos dias 02 a 06 de outubro às 11h nas rádios Universitária FM 99.9 e no streaming da Rádio Paulo Freire. O rádiodocumentário conta com quatro episódios: “Recife no centro do mundo”; “Universidade Popular: criação do SEC e da Rádio Universidade”; “A Rádio Universidade do Recife”; “O Golpe que congelou o futuro”; e “A Rádio Paulo Freire”.
A construção do depois
Os planos, entretanto, não param por aqui. Em meio às festividades, anuncia-se a migração da sede da emissora, que no momento se encontra na Reitoria da UFPE, para o Centro de Artes e Comunicação (CAC), junto com a alteração da Amplitude Modular (AM) para Frequência Modulada (FM), cujo projeto já está em tramitação no Ministério das Comunicações. Durante as comemorações, o CAC experimentou a interdisciplinaridade e novos espaços de produção artística e comunicativa que a Rádio proporcionará quando enfim fazer do Centro a sua casa.
“[A realização do 820 no Ar comemorativo é] Extremamente simbólico. Além de toda a vinculação do trabalho de Comunicação com as artes que estão aqui, como o teatro e a música que estão fazendo parte hoje da nossa transmissão, não podemos esquecer que em dezembro de 1964, o diretor da Escola de Belas Artes, que foi o embrião do nosso CAC, dava uma entrevista ao jornal Última Hora informando que no ano seguinte os estúdios da Rádio seriam transferidos para a Escola, visando que os estudantes de música, teatro, pudessem fazer apresentações ao vivo. Foi exatamente isso que nós fizemos hoje. Realizamos esse sonho que ficou lá em 64. Estamos aqui no CAC com os estudantes de Comunicação, Teatro e Música se apresentando ao vivo. Mostrando que o sonho de Paulo Freire, que começou há 60 anos, continua sonhado por nós, e será realizado. Em breve, nós estaremos de malas e cuias aqui no CAC, fazendo mais transmissões”, revelou a professora do Departamento de Comunicação da UFPE e coordenadora do grupo de pesquisa do projeto dos 60 anos da Rádio Paulo Freire, Yvana Fechine.