Cineclube Cinco Tostões resgata tradição de cinemas de rua em Caruaru
Luíza Bispo
27 de junho de 2024
Produzido pela Tarrafa Produtora e Distribuidora, o projeto procura reviver e democratizar a chama da sétima arte na cidade de Caruaru
A cidade de Caruaru, "Capital do Forró" para todo bom pernambucano, tem uma rica história cultural que vai além da tradição musical. O cinema, introduzido no município pouco tempo após seu surgimento, desempenhou um papel significativo na vida social e cultural dos caruaruenses durante o século XX. A era dos cinemas de rua, que há poucos anos atrás eram polos acessíveis e democráticos de entretenimento e conhecimento, chegou ao fim e foi bruscamente substituída por igrejas, lojas de eletrodomésticos e cinemas de shopping – não por acaso, estabelecimentos que compõem a produção de uma alienação coletiva e individual.
A história do cinema em Caruaru começa em 1908 com o Cosmorama e 1910 com a inauguração do Cine Palace. Embora não tenha durado muito, o espaço localizado na Rua Vigário Freire marcou o início de uma nova era na cidade. Na mesma época, surgiram o Cine Ideal, Cine Jupi, Cine Luzo-Brasileiro e o Cine Modelo. Daí em diante, a expansão foi rápida e Caruaru vivenciou uma incrível era de ouro cinematográfica a partir dos anos 1930 e 40. Surgiram cinemas de todos os tipos e para todos os públicos, que exibiam desde filmes estrangeiros até importantes clássicos nacionais.
Um marco crucial nesse momento foi a criação do Cine Clube Caruaru, em 1955, espaço pensado e criado como um cinema de arte, voltado para debates, conversas e estudos sobre a sétima arte.
(Imagens: Reprodução/Acervo)
Os anos 1980 trouxeram o último cinema de rua da cidade, o Cine Grande Hotel, que fechou as portas em meados de 2008. Com seu fechamento, Caruaru passou um período de 8 a 10 anos sem cinema nenhum ou outros espaços de veiculação cinematográfica – com exceção do Cine Max, famoso cinema pornô criado pela Prefeitura no começo dos anos 2000 –, um acontecimento sintomático para uma cidade que, em dado período, possuiu 13 cinemas simultâneos. Os cinemas de shopping se tornaram a única alternativa para o consumo dessa arte, afastando os debates sociais e políticos da população e sua possibilidade de identificação com o cinema, por se tratar de um espaço elitizado e hierarquizado.
A partir do descontentamento com essa realidade é que nasce, no ano de 2022, a semente do Cineclube Cinco Tostões. O projeto, que ganhou vida a partir do produtor caruaruense Henrique Cavalcanti e da Tarrafa Produtora e Distribuidora, tem como objetivo ressuscitar a memória dos cinemas de rua que já constituíram a história da cidade, assim como democratizar e ampliar o acesso a produções audiovisuais independentes.
Com apoio da Funcultura, o Cineclube vem realizando suas exibições desde maio de 2024, no bairro Divinópolis, abordando temas como cultura, território, gênero, sexualidade e festividades. As sessões são quinzenais e se tratam de exibições de curtas-metragens que seguem uma temática geral a cada sessão, seguidos por debates com os fundadores do projeto. A curadoria é diversa e se preocupa em trazer, principalmente, produções locais e regionais, permitindo que o povo nordestino conte sua história e suas especificidades a partir de seus próprios holofotes. A abordagem vem dando muito certo, relata Henrique, coordenador do Cinco Tostões, pois as exibições do Cineclube vêm atraindo, desde a primeira sessão, o público que eles mais querem atingir: pessoas fora da bolha intelectual, geralmente excluídas das discussões sociais. Quem passa em frente à doceria Nego Brownie, em Caruaru, é atraído pelas discussões trazidas à tona com os filmes, abrindo porta para conversas e escutas recheadas de memórias de infância e vivências do dia a dia.
(Imagens: Reprodução/ Cineclube Cinco Tostões)
Ele conta que a proposta de um projeto que resgatasse os cinemas de rua em Caruaru vem de sua formação. Apaixonado pela arte, Henrique Cavalcanti é formado em Produção Audiovisual pela Academia Internacional de Cinema e é pesquisador de políticas públicas inclusivas na área de gênero e sexualidade, tendo produzido “Mata” (2019), um curta da oficina “Documentando”. Entre outros projetos, também participou da produção da formação da 6ª MARÉ - Mostra Ambiental de Cinema do Recife.
É por causa de iniciativas como essa que, apesar da dominação da lógica comercial e sanguessuga, a arte consegue resistir e encontrar seu espaço em produções independentes, se baseando na promoção da democratização cultural e na catalisação de mudanças sociais.