Primeira Edição da Rap Entre Zonas reúne batalhas de rimas de todo o estado de Pernambuco
A competição, realizada em Timbaúba, mostra como a cena rap resiste por meio da coletividade
Letícia Barbosa
03 de janeiro de 2024
"Rap é União", a frase do lendário rapper paulista, Mauro Sabotage, é o lema da Rap Entre Zonas, proposta da Batalha do Centenário, de Timbaúba, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, que reúne batalhas de rap de diferentes áreas do estado e regiões fronteiriças com a Paraíba. O evento será realizado no dia 18 de fevereiro, em Timbaúba, e as seletivas regionais vêm ocorrendo desde o início de janeiro.
As batalhas de rap consistem na disputa ao vivo, individual ou em duplas - às vezes, até em trio - , na qual cada lado lança sua rima no improviso. O vencedor ou vencedora é quem arranca mais aplausos da plateia. Independente da vitória, a competição é um espetáculo para quem acompanha e se envolve nas frases potentes que misturam deboche e resistência periférica no conteúdo. Nas competições não territorializadas, isto é, que envolvem organização e participação de pessoas de várias regiões, há também a avaliação de jurados, como é o caso da Rap Entre Zonas.
Neste contexto, a primeira edição da Rap Entre Zonas tem o objetivo de colocar em evidência os artistas locais da cena de rimas. A iniciativa é dividida em fases, na qual os diferentes territórios promovem suas seletivas e elegem finalistas para a batalha final. Participam do concurso 7 regiões: Agreste, Sertão, Zona da Mata e Região Metropolitana, esta subdividida em Zona Sul, Zona Norte e Zona Oeste, além da Batalha da BR, da Paraíba.
As batalhas em cena
Maria Júlia Soares, uma das organizadoras da Batalha da Bandeira, de Jaboatão dos Guararapes, e Mayara Bezerra, da organização da Batalha da Várzea, de Recife, conversaram com a Manguetown sobre o cenário rap em Pernambuco.
(Imagens: Reprodução/ @batalha_da_bandeirabdb)
Quando o assunto é a valorização e a visibilidade, elas refletem:
Para Maria Júlia Soares, "Em questão de visibilidade, sabemos que não tem muita. E sabemos obviamente que precisa. E em questão de valorização sabemos que muitos organizadores de batalhas, eventos etc. e até mesmo MCs sujam a cena com atitudes repulsivas sem falar em contratantes de eventos que desvalorizam os artistas".
Para Mayara Bezerra, "eu enxergo a cena pernambucana de rimas ainda em processo de evolução, em passos bem lentos. E falta muito pra se ter a visibilidade necessária. Eu acredito que falta incentivo direto das políticas públicas para o melhor funcionamento do movimento, tendo em vista que se aplica à periferia. Sua maioria do povo preto que está à margem".
(Imagens: Reprodução/ @batalhanavarzea)
Segundo Maria Júlia e Mayara, o recurso financeiro faz diferença para o crescimento dos projetos na área.
"Eu acredito que o primeiro passo seja validar a importância dos movimentos realizados, além de se ter um incentivo financeiro, para que a gente consiga entregar cada batalha com total integridade a todos os envolvidos, como jurados, organização, a plateia, os MCs, então, precisa desse apoio em conjunto", afirma a representante da Batalha da Várzea.
"Um ótimo incentivo para a cultura seria o incentivo financeiro da prefeitura, órgãos públicos e deveria ser visto como algo realmente cultural e não como algo marginalizado", declara a organizadora da Batalha da Bandeira.
Maria Júlia e Mayara destacam a articulação coletiva para colocar na rua a Rap Entre Zonas. Desde a negociação com a Batalha do Centenário, de Timbaúba, até o diálogo com as batalhas de sua região. O resultado demonstra que a competição na cena rap rima com colaboração.
Batalha do Centenário
A Batalha do Centenário está prestes a completar 5 anos de existência no formato que tem hoje. O primeiro encontro ocorreu no dia 13 de março de 2019, como conta um dos organizadores, Ewerton Rennan. O nome vem da Praça onde costuma ocorrer no município de Timbaúba, a Praça do Centenário. Porém, com o tempo, o evento passou a ser realizado na Praça Jader de Andrade, uma vez que o primeiro local era bastante utilizado para datas diversas da região, o que afetava o calendário da batalha.
O articulador da batalha explica ainda que, em Timbaúba, os bairros periféricos se localizam na região central. Dessa forma, o espaço onde ocorre é próximo a três áreas de morros, facilitando a locomoção dos participantes, que são, em sua maioria, advindos nesses locais.
A Batalha do Centenário como se conhece hoje, entretanto, não foi sua primeira versão. Em Janeiro de 2019, a declamação era feita por meio de áudios no aplicativo de mensagens, o WhatsApp. Cada participante enviava 30 segundos de rimas. De acordo com Ewerton, o formato é bem popular.
Para a Manguetown, Ewerton contou como entrou no meio do rap: "eu não sei há quanto tempo, mas eu era muito novo quando comecei a acompanhar batalhas de rimas do YouTube, escritas e de animes". Em 2017, ele passou a acompanhar as declamações pessoalmente. Ao conhecer Jéssica Dayane e Emyli de Oliveira - hoje também organizadoras da batalha em Timbaúba -, perceberam o interesse em comum e surgiu o grupo do WhatsApp que se tornaria a Batalha do Centenário.
Ele explica que também rimava, mas após a pandemia de Covid-19 resolveu ficar apenas na produção dos eventos. "Eu preferi participar apenas organizando, porque eu acho que eu organizar e batalhar tirava um pouco do foco. E as coisas começaram a andar mais quando eu comecei a focar 100% na batalha", ele declara. O produtor enfatiza que sua intenção era tornar a Batalha do Centenário mais do que uma "batalha do interior" que acontece esporadicamente.
Ewerton tem 26 anos e trabalha com prestação de serviços administrativos e de informática, além de atuar como youtuber, conseguindo inclusive monetização. Seu entusiasmo pela cena de rimas é tão intenso que ele tira recursos do próprio bolso para garantir as premiações. Segundo o produtor, por meses, ele reserva uma parcela de sua renda para realizar os eventos. Sobre isso, ele destaca ainda que já tentou financiamento via editais públicos, como o “Cultura Viva”, do Governo Federal, e o estadual da Lei Paulo Gustavo, mas sente dificuldades neste formato de seleção, devido às exigências.
O ramo das batalhas foi para ele, além de uma atividade de lazer, uma profissão. “Eu me vejo como um produtor cultural, tipo uma pessoa que realmente entende do que está fazendo e tem experiência para passar e que consegue fazer uma coisa bem feita mesmo com poucos recursos”, afirma Ewerton.
Neste ritmo, a Batalha do Centenário tem realização mensal e ele busca fazer dela um espaço para grandes eventos da cena. Além da Rap Entre Zonas, a batalha já encabeçou a organização de um campeonato intermunicipal, em 2023, que envolveu 13 cidades pernambucanas.
Para a Rap Entre Zonas, a organização foi um processo orgânico. Ewerton, Dayane e Emily realizaram um mapeamento de batalhas que já conheciam e buscaram novas no boca a boca entre MCs e outros produtores. Como critério, a batalha a encabeçar cada zona precisava estar em plena atividade, mas, principalmente, situar-se em local estratégico que entre as regiões que fosse envolver. Daí, cada organização de batalha se encarregou das seletivas de sua zona.
Mapa da Rap Entre Zonas
Na dinâmica do evento, cada zona tem as seletivas organizadas por uma batalha ativa na região que se articula coletivamente com as outras batalhas da mesma área. Cada competição acontece em praça ou espaço público em que costuma ocorrer durante o ano, valorizando o quesito territorialidade de cada grupo.
Legenda: Seletiva final da RMR Zona Norte
(Imagens: Reprodução/ @batalhanavarzea)
Na Região Metropolitana, a Zona Norte foi representada pela Boca no Trombone, de Água Fria. Já a Zona Oeste, ficou a cargo da Batalha da Várzea, que rola no bairro homônimo. A Zona Sul ficou sob tutela da Batalha da Bandeira, que acontece no Parque Miguel Arraes, em Jaboatão dos Guararapes.
No Agreste, a Batalha dos Nômades, situada no centro de Surubim, ficou à frente da proposta. No Sertão, ficou por conta da Batalha das Bruxas, no centro de Arcoverde. Por fim, a Batalha da Duque, de Goiana, encabeçou o projeto na Zona da Mata.
A Manguetown preparou uma arte pra mostrar como funciona essa organização: