Transformistas pernambucanas - Espetáculo ‘As Dinossauras em: Abelhas Rainhas’
Grupo pioneiro ‘As Dinossauras’ se apresentam no Teatro Apolo e levam a arte transformista para os palcos
Manu Gomes
27 de janeiro de 2024
A trigésima edição do Janeiro de Grandes Espetáculos - Festival Internacional de Teatro, Dança, Circo e Música de Pernambuco trouxe o glamour, arte, beleza e humor que só as Transformistas são capazes de entregar no palco, tocando a alma do público. Sendo assim, o espetáculo ‘As Dinossauras em: Abelhas Rainhas’ reúne nomes GIGANTES da cultura noturna pernambucana no mesmo palco.
Legenda: Grupo pioneiro ‘As Dinossauras’ se apresentam no
Teatro Apolo e levam a arte transformista para os palcos. Fonte: Divulgação.
JGE - Janeiro de Grandes Espetáculos
Reunindo diversos tipos de projetos culturais, o JGE é uma iniciativa da Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (APACEPE), que integra anualmente o calendário cultural do Recife. A ideia é dar visibilidade aos artistas por meio da democratização do acesso aos palcos. Na edição de 30 anos, os homenageados são Fabiana Karla, Lia de Itamaracá, Palhaço Casquinha e Zenaide Bezerra - grandes artistas pernambucanos em suas respectivas áreas.
Pioneiras
Artistas como o grupo As Dinossauras sentem dificuldades em conseguir ocupar os espaços, têm cada vez menos possibilidades. Sharlene Esse, mulher trans, transformista, atriz e premiada com mais de 40 anos de carreira, conta que não há muito incentivo. “O governo tem os projetos dele, mas não há incentivo porque não tem onde se apresentar. Recife não tem mais casas noturnas como existiam na década de 80 e 90. Hoje em dia tem poucos espaços e os teatros não estão disponíveis para fazer temporadas, de quinta ao domingo, como antigamente”. Também há falta de produção, incentivo financeiro e um bom ambiente para poder ensaiar. Tudo isso cria barreiras que têm que ser quebradas, mais uma vez, por elas mesmas.
Dessa forma, o espetáculo ‘As Dinossauras em: Abelhas Rainhas’ será exibido no Teatro Apolo, em apresentação única, no sábado, dia 27, a partir das 20 horas; Os ingressos são R$ 20 a meia-entrada e R$ 40 pela inteira.
Drag Queen ou Transformista?
Antes de apresentar quem compõe o grupo de artistas Transformistas, vamos entender a diferença entre os termos.
Drag Queens ou Drag Kings são expressões artísticas que se popularizaram nos últimos anos graças ao reality show estadunidense Rupaul 's Drag Race (2009). Já ouviu falar de Pabllo Vittar e Gloria Groove?
Transformistas como Miss Biá e Rogéria são artistas pioneiras na arte noturna brasileira, que carregam mais experiências e vivências em suas histórias.
Além de características e trabalhos semelhantes, a origem das Transformistas e Drags, segundo o escritor Roger Baker, é a mesma: o teatro grego. Em uma época que mulheres não eram bem vindas ao palco, homens desempenhavam ambos os papéis. Em resumo, isso irá se repetir pela idade média, atos teatrais asiáticos e também o teatro Elisabetano. Há uma mistura entre os conceitos de performance de gênero, da masculinidade e feminilidade, e a comunidade LGBTQIA+ foi fortemente absorvida, representada pela arte Trasformista e Drag.
Há uma mistura, mas não devemos confundir: muitas travestis e mulheres trans (identidade de gênero, ou seja, como a pessoa se identifica) tanto se descreviam quanto eram descritas como transformistas. Já outras descobriram-se transformistas e, posteriormente, transexuais. Além disso, há diferenças claras de estilos de maquiagens, truques, vestimentas e até mesmo expressões.
Legenda: Sharlene Esse se inspira e interpreta a figura de Gal Costa ao
longo de toda a sua carreira. Fonte: Hannah Carvalho.
“Eu sou transformista”, explica Sharlene. “Drag Queen é um termo recente, claro que há uma diferença, surgiu nos anos 90/2000. Já a minha carreira é de 79, despertou assim que passei pela frente do Vivencial [grupo de teatro], vi o colorido e já fazia teatro no colégio. E foi assim que fiz cursos e decidi fazer o que faço até hoje!”. Todas as transformistas carregam histórias vivas com muita arte, perucas, maquiagens, dublagens e, não podia faltar, um bom toque de humor.
Quem são As Dinossauras?
Elas abriram portas para as novinhas, ou melhor, arrombaram os caminhos para uma nova geração que não enfrentou a ditadura militar, o medo pelas ruas (um pouco, né?) e o forte silenciamento das existências como seres humanos LGBTQIA+.
A expressão "quando tudo era mato" se popularizou bastante na internet, significando as pessoas que deram os primeiros passos no meio digital. Vamos localizá-la para Recife: quando tudo era mangue, elas estavam lá!
As Dinossauras, dirigidas por Antônio Nogueira (in memorian - ator, diretor e escritor), é um grupo composto pelas renomadíssimas Márcia Vogue, Odilex, Cristiane Falcão, Sharlene Esse, Salário Mínimo e Raquel Simpson. Elas resistiram às repressões da ditadura militar e marcaram de forma inigualável o teatro pernambucano. O grupo já trabalha junto desde 2018, estreando no Teatro Valdemar de Oliveira, e chegou a ficar um período fixo, por mais de 1 ano, no Clube Metrópole.
Legenda: Com carreira invejável e internacional (antes de ser modinha),
Márcia Vogue é uma inspiração para a arte Transformista em Pernambuco.
Fonte: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens.
Márcia Vogue, artista com mais de 35 anos de carreira repleta de aparições na TV, prêmios e vida internacional, explica o significado do trabalho com teatro: “Antigamente, só casa noturna não te fazia uma artista. A mídia só dava respaldo e considerava você completa se passasse pelo palco de teatro.” Morando fora há alguns anos, Márcia voltou ao Brasil pela saudade: “Não foi por causa dos palcos. É por esse coletivo especificamente. Eu já conheço todas as artistas, trabalhamos em sincronia ao ponto de conseguir adivinhar o texto uma da outra no improviso. É isso que não faz perder a graça”.
Sharlene Esse completa: “Vai ser um encontro de amigas. As Transformistas abriram as portas para a nova geração, e se não fosse a gente dando a cara lá atrás, as ‘novinhas’ não teriam essas facilidades, esses tutoriais. As ‘velhinhas’ ainda tem um caldo bom porque há a referência do que fazer e como fazer”.
Dinossauras tem futuro?
Shalene Esse, primeira Dama Trans do Teatro Pernambucano, tem planos no audiovisual e trabalhos no cinema. “Graças a Deus, eu sou atrevida e novas oportunidades surgiram; Vou aparecer em filmes e séries e trabalhar em roteiros interessantes. Só tenho gratidão pelas portas que eu abri e que eu consegui chegar até aqui”.
Márcia Vogue crítica também como funciona a (des)valorização dos artistas da terra: “Infelizmente, os artistas pernambucanos só conseguem fazer uma fama e ser reconhecidos se saírem daqui. No período de Carnaval, por exemplo, recebemos uma quantia para se apresentar nos polos da diversidade”.
Mas isso é suficiente? A resposta de Márcia é sincera e lúcida: “A arte e as palmas alimentam a alma, mas o que alimenta a nossa barriguinha é a comida!”.
“E no mais, bora viver e ver o que aparece, porque ser Dinossaura é ser resistente!” - Sharlene finaliza com boa gargalhada.
Sinopse oficial do espetáculo
As Dinossauras, grupo de artistas transformistas e performáticas dirigidas pelo saudoso Antônio Nogueira, foram resistentes à ditadura militar e marcaram a era dourada dos espetáculos teatrais pernambucanos. Reconhecidas pela mídia e talentosas na interpretação, dublagem e cenas cômicas, elas abriram portas para novos talentos. Inspiram até hoje, transmitindo a mensagem de que a arte do transformismo e atuação não pode morrer.
A vida é uma peça única, sem ensaios. Então cante, dance, ria, viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos!