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Daniel Bandeira lança seu segundo longa-metragem, movimentando a cena do cinema de gênero pernambucano

“Propriedade” reflete na tela as tensões da luta de classes no país à luz de uma narrativa de suspense.

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Letícia Barbosa

22 de dezembro de 2023

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Nesta quinta-feira, 21 de dezembro, o longa-metragem “Propriedade” foi oficialmente lançado nos cinemas brasileiros. A produção tem a direção e o roteiro do pernambucano Daniel Bandeira e na semana passada ganhou algumas exibições especiais no Cinema da Fundação do Derby e no Teatro do Parque, com direito a debate

No circuito de festivais do Brasil, “Propriedade” esteve na programação do Festival do Rio, levando o prêmio de montagem, por Matheus Farias; da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo; do 17º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro; da 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes; da 17ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte; Rio Fantastik Festival 2023, no qual foi eleito, entre demais prêmios e menções, Melhor Longa-Metragem e Melhor Diretor de Longa-Metragem pelo Júri Oficial. 


Já no circuito internacional, passou por renomados festivais do calendário anual, como o Festival de Berlim, o Edimburg International Film Fest; o MotelX (de Lisboa, Portugal); o espanhol Sitges; os americanos Brooklyn Horror Fest e Fantastic Fest - sendo neste segundo, o primeiro filme brasileiro a entrar -  , vencendo como Melhor Filme em ambos;  o holandês Leiden International Film Festival, entre outros. 


Recentemente, em 20 de dezembro, o filme foi também exibido no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, dentro do programa The Contenders 2023, que faz um recorte com as obras mais influentes e importantes dos últimos 12 meses, entre as quais as produções brasileiras foram alem de “Propriedade”, “Retratos Fantasmas”, do também pernambucano Kleber Mendonça Filho. Sobre isso, Daniel se orgulha em mencionar que o último filme brasileiro a conseguir entrar na lista foi “O que é isso, companheiro?” (1997), de Bruno Barreto. 


O longa se insere no chamado Cinema de Gênero e o formato foi tema de um Masterclass comandado por Daniel, na Fundaj. A Manguetown marcou presença na conversa e eu te conto os principais pontos destacados pelo cineasta e te deixo um gostinho do que esperar de “Propriedade”

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Na versão oficial, Daniel Bandeira começou no audiovisual em 2001 e ocupou uma diversidade de funções. Enquanto montador, colaborou com vários realizadores do cinema pernambucano, como Kleber Mendonça Filho, Camilo Cavalcanti e Gabriel Mascaro. Em 2007, estreou como roteirista e diretor em seu primeiro longa-metragem, “Amigos de Risco”. Desde então, colaborou com a direção dos curtas “Sob a Pele” (2011), com Pedro Sotero, e de “Soledad” (2015), com Joana Gatis e Flávia Vilela. Mais tarde, como montador, assinou a edição dos longas “O Nó do Diabo” (2017), produção coletiva da produtora Vermelho Profundo, e de “Brasil S/A”, de Marcelo Pedroso, pelo qual conquistou o prêmio de Melhor Montagem no Festival de Brasília de 2014. Já em 2006, “Propriedade”, seu segundo longa-metragem, começa a ser gestado. 



Falar de Daniel é também falar de imagens, ou melhor de frames. Foi com trechos de filmes importantes para sua formação como espectador e trabalhador do audiovisual que iniciou seu Masterclass. “Tudo começa com uma imagem”, ele defende. A partir dela, costuram-se ligações até chegar a um contexto mais amplo e, enfim, no filme. 


No trabalho cinematográfico, ele gosta de histórias repletas de camadas e personagens complexos e dispensa catarse fácil. Para o cineasta, cada história e a forma escolhida para contá-la carrega um pouco de quem a constrói. 


O filme, na sua carreira, saiu do lugar de produto concretizado para ferramenta de networking. Com parcerias e apoios, foi da periferia do Recife até outras partes do mundo, onde dialogou e divulgou suas produções e ideias para a cena audiovisual. Em sua aula  - que segundo ele, não era aula e estava longe de ser um guia - abriu um horizonte de possibilidades para quem tem a expectativa de seguir no setor ou mesmo para quem quer entender os bastidores e a cena de produção e de recepção do Cinema de Gênero.


Mas… o que é Cinema de Gênero?


Para quem não está familiarizado com o termo, essa dúvida pode vir logo à cabeça. Porém, adianto que conhecemos mais do que imaginamos desse estilo de construção de narrativa. “Cinema de gênero” é como são chamadas as produções de fantasia, ficção científica e horror


O termo tem origem no inglês thriller, que, em tradução livre, refere-se a narrativas - ou gêneros da literatura, jogos e afins - carregadas de suspense, tensão e excitação 

                                                                     (Imagens: Letícia Barbosa/ MTGW) 


Daniel Bandeira caracteriza o formato pela prática de estruturar narrativas consensualmente reconhecidas por quem o produz e pelo público. Nesse sentido, prevalece o amplo reconhecimento, isto é, são filmes cujo gênero é facilmente identificado no enredo. Há também forte apelo popular e a promessa de espetáculo, principalmente, no período pós-pandemia, em que há a necessidade de extrapolar o real.


Outra característica é a captação da ansiedade do momento. Por exemplo, como aconteceu a explosão de filmes e séries nos streamings em que uma comunidade ou sociedade era tomada por algum vírus, durante o período da pandemia de Covid. Por fim, o inegável interesse comercial. 


Já entre os desafios, o Cinema de Gênero costuma ter altos custos de produção, pois precisa de técnicos especializados e bons equipamentos para garantir efeitos de qualidade. Além disso, precisa lidar com a expectativa baseada em referenciais altos, advindos de grandes estúdios internacionais e nacionais que circulam comercialmente. 


Para Bandeira, um dos principais obstáculos para efetivar esse formato de trabalho audiovisual é conseguir financiamento por meio dos editais públicos, que são a origem de grande parte dos investimentos no setor. Segundo o cineasta, há um preconceito que divide o que é considerado como filme artístico e que se denomina filme comercial. As convocatórias de financiamento não costumam privilegiar o primeiro grupo em detrimento do segundo. 


Daniel, entretanto, enxerga que há um crescimento de pessoas que querem trabalhar com o formato. Da mesma forma, há um público interessado em consumir esses filmes. O diretor de “Propriedade” indica ainda que a fantasia, o horror e a ficção científica podem ser aliados para tratar temas políticos, males históricos e problemas sociais de forma mais lúdica e que chegue a uma maior quantidade de pessoas. Para isso, adicionar o fator localidade nas produções é um aspecto que potencializa o Cinema de Gênero de cada território. 


Tretas locais contadas em linguagem global. E, sim, dá certo! Durante sua fala,  Bandeira destacou como o Brasil é reconhecido lá fora justamente por seus thrillers. Entre os destaques da produção nacional, estão “À meia-noite levarei sua alma” (1964), de José Mojica - intérprete de Zé do Caixão -  “Cidade de Deus” ( 2002), de Katia Lund e Fernando Meirelles, e “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha. Dessa forma, o público nos conhece e quer consumir o nosso cinema de gênero.  


                                                                         (Imagens: Letícia Barbosa/ MTGW) 


Nesse cenário, as oportunidades também se destacam. Com o fortalecimento das plataformas de streaming e o enfraquecimento dos investimentos na cultura na gestão federal anterior, a experiência coletiva de se assistir a filmes em salas espalhadas nas cidades foi ficando de lado. Daniel vê no formato um forte atrativo para as salas de cinema, uma vez que possuem uma estrutura mais comercial. 


Cabe também pontuar que a produção financiada via editais ou de forma independente, isto é, fora dos círculo dos grandes estúdios e produtoras, têm a potencialidade de escancarar temas que subvertem as estruturas colonialistas, racistas, misóginas e lgbtfóbicas, por exemplo.


A Manguetown já te contou outras histórias sobre bastidores da produção independente. Confira também : link da matéria de Renna Costa


Bandeira identifica que há um “paradoxo do gênero”. Isso significa que, apesar de necessariamente trazer aspectos convencionais que o torne reconhecível, esse cinema pode também sair de sua zona de conforto. É o que ele chama de “construir destruindo” ou mesmo adotar um “Cavalo de Troia”. A estratégia consiste em incluir camadas no enredo que diversifique as possibilidades de interpretação. Dessa forma, a crítica social pode ser compreendida, mas caso não seja, o filme ainda assim pode ser aproveitado pelo espectador como um produto de entretenimento. 


Propriedade : uma síntese da luta de classes

 

 

 

 

 

 

 


O longa, que é o segundo de Daniel Bandeira, foi realizado com recursos do Funcultura Audiovisual e do Edital de Longas de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura e produzido pela Símio Filmes e Vilarejo Filmes, chegará às salas de cinema pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras. Se ainda não assistiu, que tal conferir o trailer? Clique aqui


Gravado entre 11 de setembro e 7 de outubro de 2018, “Propriedade” imprime na tela a tensão que o país vivenciou, com a equipe recepcionando os resultados do primeiro turno eleitoral daquele ano no último dia de filmagens na Fazenda Morim, de São José da Coroa Grande, município de Pernambuco. Houve também uma camada adicional percebida, posteriormente, pela atmosfera claustrofóbica, quase uma alegoria do isolamento social que tomaria o mundo um ano depois. 


Com o protagonismo da narrativa, muitas vezes, concentrado em Tereza e Dona Antônia, personagens respectivamente interpretadas por Malu Galli e Zuleika Ferreira, Daniel encontrou uma forma de representar a incomunicabilidade de duas integrantes de diferentes esferas sociais. “Eu acho que a gente vive em um momento em que é muito difícil se colocar no lugar do outro, de entender as motivações do outro. E, com isso, a gente acaba perdendo as nuances, as motivações, coisas que a gente poderia usar para tentar resolver nossas diferenças.”


A partir disso, “Propriedadecoloca o espectador no lugar de testemunha dupla das motivações de cada lado. “Eu acho que é nisso que reside a grande tragédia, não só da história do filme, mas da história dos nossos tempos. E que só quando rompemos essa blindagem, ou quando abrimos a porta, ou quando descemos o vidro para poder falar com o outro, que nós temos uma condição de iniciar um diálogo, de estabelecer um clima de resolução de diferenças, resolução de problemas. Até lá, a incomunicabilidade é o motor da nossa tragédia”, reflete Daniel.

 

 

 

 

 

 

                                                            (Imagens: reprodução/ divulgação cartazes do filmes) 


A história traz de um lado uma família rica afetada pelo trauma da violência urbana. O casal decide passar uma temporada em sua propriedade rural. Por lá, um grupo de trabalhadores acaba de descobrir que perderá seu emprego e sua moradia porque os patrões vão vender a fazenda. O clima de tensão já se espalha no local com uma série de acontecimentos. A chegada de Tereza e seu marido só agravam a atmosfera de indignação


O longa continua com um clima perene de expectativa e inquietação com aquelas duas realidades em conflito, cada uma com suas armas e convicções, lutando igualmente, em alguma medida, por sua sobrevivência. 


Na produção, não é difícil identificar “Propriedade” no chamado Cinema de Gênero. Começando pela a exploração de uma situação limite, envolvendo inclusive o risco de vida. Nessa condição, é comum que haja um embate entre protagonistas e antagonistas. Entretanto, é claro que o tal “Cavalo de Troia”, defendido por Bandeira, não fica de fora.


O “thriller” aqui é duplo. O ponto de vista é o que crava as posições de protagonistas e antagonistas. Não há nessa narrativa mocinhos e bandidos, e sim pessoas reais em um conflito que atinge fortemente a sociedade brasileira, mas com um toque do universo fantástico nos acontecimentos. 


E o momento, não podia ser melhor para a cena. Para o cineasta, a pandemia gerou uma ampliação da necessidade de fugir da realidade, levando a uma demanda pelo extraordinário. Porém, isso não significa negar os males sociais, mas sim colocá-los na tela de uma forma mais atraente. Nesse sentido, Bandeira dá exemplo de como trazer localidade e questões urgentes na sociedade atual dentro do formato do Cinema de Gênero em “Propriedade”, que ele classifica como um filme de “horror social”


O segundo longa-metragem de Daniel Bandeira está na rua. No Recife, volta a ter sessões no Cinema da Fundação em janeiro de 2024. Acompanhe as redes sociais do cineasta e do filme para assistir também em outras salas. 

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