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Lembrar é resistir: Movimento Ocupe Estelita organiza eventos em comemoração ao seus dez anos

Série de comemorações iniciou em 21 de maio e finaliza em 16 de junho com uma ocupação simbólica no terreno do Cais.

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Isabel Bahé

25 de Maio de 2024

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O Movimento Ocupe Estelita (MOE) está realizando uma série de eventos em celebração aos dez anos da ocupação do terreno do Cais que batiza o movimento, que se iniciou na última terça-feira (21) e se estende até 16 de junho.

 

O início das celebrações da primeira década do movimento aconteceu Câmara dos Vereadores do Recife, numa sessão solene promovida pelo mandato do vereador Ivan Morais, um participante ativo do MOE à época da ocupação. A sessão, que ocorreu na última terça (21) - data que também marcou o início da ocupação no Cais José Estelita, contou com reencontros de participantes do movimento e de pessoas que viveram na pele a experiência da ocupação.

 

O cronograma seguiu poucas horas após a sessão solene com o início da Mostra Audiovisual Ocupe Estelita +10, que reúne as produções do cinema de intervenção, documentários de urgência e videoclipes satíricos que emergiram durante o período da ocupação. A Mostra itinerante acontece até o dia 09 de junho. Além disso, um leilão de artes solidário, ocorrido na última quarta-feira (22), contou com 47 obras doadas por cerca de 34 artistas. O valor arrecadado pelo leilão será partilhado, uma parte destinada à realização das atividades programadas pelo MOE, e outra será doada para as vítimas da calamidade climática no Rio Grande do Sul. 

 

“[O objetivo dos eventos de comemoração] é entender que se não fazemos esse gesto, a história pode invisibilizá-lo, como tem feito ao longo dos tempos. Falar sobre o Cais não pode ser falar sobre sobre o que ele se tornou agora (o projeto das torres), e sim sobre a luta de resistência, sobre a coletividade vivida na cidade a partir do Cais. Rememorar também é uma forma de instigar as lutas do presente, e essa talvez seja a principal orientação da celebração: relembrar para fortalecer o que existe de luta hoje”, contou Chico Ludermir, jornalista, integrante do Movimento Ocupe Estelita e Coque Vive.

 

Como forma de instigar as lutas do presente, o MOE realiza logo após as sessões da Mostra Audiovisual uma rodada de cinedebates com mediações e participações dos integrantes do movimento e realizadores das obras, como Camilo Soares, Pedro Severien, Chico Ludermir e Vinícius Andrade. A Mostra passou também pelo Cinema da UFPE, localizado no campus universitário do Recife, e segue até o Cinema do Porto neste domingo às 16h. Em 1° de junho, é vez da Academia da Cidade/Joana Bezerra, às 18h, em colaboração com a produção do projeto Coque Vídeo, encerrando a Mostra em 09 de junho na Cozinha Solidária do MTST, às 18h.

                                                                                      (Imagens: Marcelo Soares/ Reprodução)

O Ocupe Estelita

 

A apoteose do MOE aconteceu em maio de 2014, após a tentativa de demolição dos galpões históricos de produção açucareira que ocupavam o terreno do Cais José Estelita, na antiga Ilha de Antônio Vaz, separando a Bacia do Pina do Centro do Recife. A demolição era parte do projeto conhecido como Novo Recife, nascido de um consórcio entre as construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, GL Empreendimentos e Ara Empreendimentos, que propunha a construção de treze torres de luxo no terreno do cais.

 

Marcado por um processo turbulento, o Novo Recife foi denunciado pelo Movimento Ocupe Estelita, principalmente, por fazer parte de um projeto segregador de cidade. Em 21 de maio, o consórcio realizou uma tentativa às escuras de demolição dos galpões históricos, que foi impedida pela chegada espontânea de manifestantes ao local, dando início à ocupação, que durou cerca de cinquenta dias.

 

Apesar de muita resistência, os galpões foram demolidos em março de 2019, e o consórcio do Novo Recife saiu do papel. No entanto, a luta levantada pelo Movimento Ocupe Estelita causou mudanças significativas no projeto: de treze torres, foram construídas apenas três, sendo duas de uso misto, e a área foi destinada à construção de um parque público previsto para entrega em agosto. A memória do movimento está presente no projeto, mas também luta-se pelo reconhecimento, e uma das lutas atuais é batizar o parque como “Parque da Resistência Leonardo Cisneiros”, em homenagem a um dos líderes do Movimento Direitos Urbanos e figura de destaque do MOE que faleceu em 2021. O Projeto de Lei foi proposto no mesmo ano, aprovado e vetado pela Prefeitura do Recife, mas foi protocolado novamente neste ano e aprovado na Câmara, seguindo para aprovação do prefeito.

 

“Talvez um dos legados de luta [do movimento] seja uma cultura política de ocupação, indignação e debate a partir do direito à cidade, moradia e de uma cidade participativa que reverbera em outras lutas, que são justamente as que tentamos fortalecer dez anos depois. Outro ponto importante tem relação com a faixa principal do movimento: ‘A cidade é nossa, ocupe-a’, entendendo que a cidade é uma construção coletiva, que não somos uma exterioridade a esse projeto, não somos um grupo passivo que vai permitir que uma elite dominante - financeira ou política - determine o futuro da cidade, que tem consequências na vida de cada um a habita e, portanto, ela tem que ser pensada por nós”, afirma Chico.

                                                                                      (Imagens: Chico Ludermir/ Reprodução)

 

Cidade para quem?

 

A série de comemorações dos dez anos do Movimento Ocupe Estelita termina no dia 16 de junho, que marca os dez anos da violenta reintegração de posse com atuação do batalhão de Choque da Polícia Militar. Para rememorar, os integrantes do movimento planejam uma ocupação simbólica do terreno do Cais. Em dez anos de existência, o MOE ainda questiona: cidade para quem?

 

Para responder esta pergunta, e lutar por uma diferente resposta, o movimento busca dialogar com as questões que permeiam a cidade no presente, levantando-as em conjunto com a pauta do direito à cidade.

 

O objetivo [do MOE hoje] é fortalecer, visibilizar e somar nas lutas que estão acontecendo. A luta contra o racismo ambiental, pelo direito à moradia, pelo direito de lutar , de viver a cidade de forma plena, a luta por uma cidade que seja segura para todos os corpos, e nisso envolvem-se questões de raça, gênero, classe e sexualidade. A gente também se mantém com as pautas que viveram e foram debatidas dentro do Cais: o direito também à cultura, lazer, direito à paisagem, o direito às águas, o direito de pensar e construir a cidade coletivamente”, conclui Chico Ludermir.

Em conversa com o jornalista e integrante do Movimento Ocupe Estelita, Chico Ludermir, conseguimos traçar um apanhado do legado que o movimento deixou no histórico de luta na cidade do Recife e a resistência para o futuro:

 

Isabel: Há pouco se completou uma década da primeira ocupação. Qual o legado que o movimento deixou na cidade do Recife?

 

Chico Ludermir: Eu acho que, para responder essa pergunta, a gente pode começar um pouquinho antes, né? Estamos celebrando uma década a partir de 2014, quando aconteceu a ocupação de fato no Cais, mas as movimentações em torno do Cais José Estelita e o surgimento do movimento remontam a 2012, sobretudo tendo como marco a audiência pública que aconteceu em março de 2012 para a apresentação do projeto Novo Recife e discussão do projeto Novo Recife. 

 

Nessa época, existia uma herança direta de movimentos do mundo inteiro discutindo capitalismo global, democracia e direito à cidade. Então, ele está dentro do cenário político que gerou a Primavera Árabe, que gerou o Occupy Wall Street, que gerou os Indignados na Europa e também sob influência desse conceito de direito à cidade, que foi atualizado pelo geógrafo David Harvey, que inclusive depois veio visitar o Cais José Estelita. 

 

Também em 2013, com a efervescência política que foi 2013 para o Brasil, com as Jornadas de Junho, a gente estava num momento de muito calor político. A cidade representava um pouco essa discussão do todo; era um símbolo que comportava um pouco o debate sobre um feixe gigante de direitos que envolvia desde paisagem, mobilidade, preservação ambiental, questões raciais, de classe, e o direito à cidade. O Cais José Estelita acabou sendo aqui, no Recife, uma metáfora para a gente pensar na cidade como um todo e um projeto político, um projeto de mundo, um projeto de sociedade. Vamos dizer assim, fazia tempo que uma causa não tinha um impacto tão forte para o debate político, e de alguma maneira talvez o principal legado de luta seja essa cultura política de ocupação e essa cultura política de indignação a partir do direito à cidade, que reverbera até hoje em muitos outros movimentos e sujeitos que continuaram na luta. 

 

Então, tem uma série de organizações e movimentações que são herdeiras, como o próprio MTST, que existe nesse momento. Também se aquece o debate pró-Palestina e se fortalece o MTST aqui no Recife. Então, acho que esse é um ponto: o quanto essa cultura política de debate, de indignação a partir do direito à cidade, do direito à moradia, do direito a uma cidade participativa, como ela reverbera até hoje em outras lutas, que são justamente elas que estamos tentando fortalecer 10 anos depois. 

 

Um outro ponto que eu acho muito importante, que dialoga com essa parte que eu falei da democracia, tem a ver com a principal faixa do movimento, que você deve lembrar: "A cidade é nossa". Entender que a cidade é uma construção coletiva, ela é nossa, nós não somos uma exterioridade a esse projeto, não somos um grupo passivo que vai permitir que uma elite dominante, seja ela financeira, política ou até mesmo um aglomerado de veículos de comunicação, determine qual é o futuro daquilo que tem consequências na vida de cada um e cada uma que habita a cidade. A cidade é nossa, portanto, ela tem que ser pensada por nós.

 

Isabel: Além de comemorar o marco dos 10 anos, qual é o objetivo dos eventos organizados nos meses de maio e junho?

 

Chico Ludermir: E entender que, se a gente não faz esse gesto, a história pode invisibilizar, como tem feito ao longo dos tempos, as lutas e resistências. Então, falar sobre o Cais não pode ser falar sobre o que o Cais se tornou agora, esse projeto de torres. Tem que ser falar sobre a luta, sobre a resistência, sobre a coletividade, sobre aquilo que foi vivido dentro do Cais, que foi vivido na cidade a partir do Cais. Mas também rememorar é uma forma de instigar as lutas do presente, e essa talvez seja a principal orientação dessa celebração dos 10 anos: relembrar para fortalecer o que existe de luta hoje. 

 

É por isso que a gente tem pensado em atualizações do debate, alguns conceitos e alguns paradigmas que são um pouco mais recentes, como, por exemplo, o debate a partir do conceito de racismo ambiental, da justiça climática, das catástrofes climáticas, que são imperativas, e, ao mesmo tempo, também mapeando e fortalecendo, e nos aliando aos movimentos de luta pelo direito à cidade nos territórios e periferias da cidade do Recife como um todo. 

 

É por isso que temos espalhado as atividades, não só no Estelita, mas irradiando para toda a cidade. Se, no momento, o Estelita, o Cais, era um centro gravitacional que aglomerava todas as lutas - todas as lutas cabem no Cais, era um pouco esse nosso mote - agora é a partir do Cais e a partir da herança e do legado e do seu jeito político que foram e são acionados dentro dessa pauta, dentro dessa movimentação, a partir daí irradiar para a cidade como um todo. 

 

A gente tem, agora, nesse próximo sábado, um evento na Ilha de Deus. Vamos debater a cidade a partir de uma visão das águas, na comunidade pesqueira. Vamos ter uma ação no Coque, junto com o Coque (R)existe, e refletir sobre a importância da ocupação das telas, a importância do cinema, das narrativas e dos discursos audiovisuais na luta. Vamos pensar também o direito à cidade a partir de uma favela que está incrustada no centro do Recife, que sofre de especulação imobiliária o tempo inteiro, que é rotulada pelo imaginário da cidade como um lugar violento. 

 

Vamos ter atividade em Vila Esperança, um território que acabou de ser despejado, uma área que foi despejada para a construção de uma ponte e que, mais uma vez, a cidade cresce e pensa o desenvolvimento e o dito progresso, sempre deixando as piores consequências para serem vividas por aqueles que são excluídos. Pensar quais são os reflexos disso para a cidade como um todo, quando essas pessoas vão ter que se deslocar e morar em outros lugares e não vão ter o direito garantido. E, para completar, a cereja do bolo de Vila Esperança tem a ver com a construção de um prédio. Tem um prédio ali ao lado que, se não existisse, a ponte poderia passar por ali sem despejar nenhum morador.

 

Dentro da programação também tem uma parceria e uma atividade lá em Monte Verde, um dos marcos do racismo ambiental e da crise climática aqui. Há dois anos, houve um deslizamento que matou diversas pessoas. Vamos ter essa culminância festivo-política no dia 16 de junho lá no próprio Cais, quando vamos tentar ativar essa energia de festa, essa energia que vive a cidade da maneira que sonhamos: a cidade nas ruas, a cidade para todos, a cidade dos parques, a cidade do lazer. E eu só esqueci de falar que dentro da programação também tem as mostras de filmes, que vão acontecer em cinemas, mas também nos territórios, com o desejo de pensar a história de luta, a história da representação e do cinema como um lugar de disputa de narrativas, um lugar de afirmação de outros discursos.


 

Isabel: Temos visto uma presença constante do MOE nas redes sociais, principalmente desde o início do ano. Quais são as pautas levantadas pelo movimento 10 anos após a ocupação?

                                                                                                    (Imagens:  Reprodução/ Redes Sociais)

Chico Ludermir: Essa pergunta eu acabei já respondendo nas respostas anteriores, mas vou tentar estruturar aqui de outra forma.

Uma das pautas, na verdade, mais do que isso, um objetivo, é avivar, fortalecer, visibilizar e somar nas lutas que estão acontecendo hoje. É a luta contra o racismo ambiental, a luta pelo direito à moradia e pelo direito à cidade, e, às vezes, a luta pelo direito de lutar. A luta pelo direito de viver a cidade de forma plena, a luta por uma cidade que seja segura para todos os corpos, envolvendo questões de raça, de gênero, de classe, de sexualidade.

A gente também ainda se mantém com as pautas que viveram e foram debatidas dentro do Cais: o direito à cultura, o direito ao lazer, o direito à paisagem, o direito às águas, o direito à moradia, o direito de estar na cidade, pensar na cidade e construir a cidade coletivamente.

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