Multiartista Gaby Lima celebra conquistas em novo passo da carreira
Gaby Lima faz apresentação solo pela primeira vez no La Folie Festival
Manu Gomes
25 de Novembro de 2023
Recife traz consigo um extenso histórico de gêneros musicais e isso se reflete nos variados festivais de músicas que chegam à cidade. WEEHOO Festival, Recife Trap Festival, Olinda Beer, No Ar Coquetel Molotov, Festival Rec-Beat e etc. são alguns dos exemplos que o público pernambucano prestigiou em 2023, sendo um total de 19, segundo o site Mapa dos Festivais.
Na cena Pop, o destaque vai para o Festival La Folie que, em sua 2ª edição, comemora mais uma vez a diversidade da comunidade LGBTQIA+. Multicolorido, esteticamente cool e trazendo artistas mainstream como Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Gloria Groove e Iza, o espetáculo assim reúne milhares de pessoas para dançar, cantar e se divertir. O evento acontece nos dias 25 de novembro, no Centro de Convenções de Pernambuco.
(Imagens: Divulgação/ Gaby Lima)
Porém, é válido destacar que o lema do evento “nosso canto é nossa luta” não é tão ‘nosso’ quanto deveria ser. Olhando com detalhe para as letras (propositalmente) miúdas do line-up percebemos a falta de artistas da cena local. São apenas três nomes: Gaby Lima, Pamela Auto e Uana. É de se pensar o que mais falta para que se abram mais espaço, em favor de artistas pernambucanos em eventos criados e realizados no próprio estado. Por isso, como forma de dar visibilidade, conversamos com Gaby Lima, que será a abre-alas desta edição do festival.
Gabryella Lima de Sousa, 27, é periférica, travesti, preta, multiartista e graduada em Administração. No festival, ela também assume o papel de disk jockey (DJ), já com uma grande experiência pelas noites recifenses.
1- Como surgiu a ideia de ser DJ?
O que aparentemente começou como um simples convite para tocar em uma calourada na faculdade FAFIRE, se tornou uma oportunidade de ingresso na carreira de DJ. Mais ainda, um sonho de criança.
‘Eu já trabalho há 5 anos como DJ. Acabou que a vida me colocou nesse papel de artista. Na verdade, uma mistura. Eu escolhi e ao mesmo tempo eu abracei esse papel para mim. E a ideia de ser uma multiartista vem desde pequena, pois eu sempre amei a dança. Comecei como bailarina e assim me veio a oportunidade de conhecer o mundo mais artístico!’. Então, Gaby percebeu que poderia ter muitas facetas artísticas.
Mas poderia mesmo? Ela encontrou dificuldades ao longo do caminho. ‘Por ser preta, periférica e travesti. Percebi que não dá para sobreviver apenas da arte. A arte é complicada no Brasil. Por isso, eu tive que encontrar um meio de sustento mais seguro por meio da educação’.
Até que surgiram as oportunidades e contatos com produtores de festas em Recife e as portas foram se abrindo. A semana dela começa como administradora e termina em palco, público e música. ‘Toquei em lugares que nunca imaginaria poder pisar. Ao mesmo tempo, fiquei preocupada pois, às vezes, as pessoas te olham torto por ser travesti. Aos poucos fui conquistando meu espaço e hoje me sinto bem segura de onde estou. Eu posso entrar e tocar em qualquer ambiente’.
2- E com relação ao público, como você se adapta e se prepara para os eventos?
‘Mesmo que eu faça algo que eu amo, a primeira coisa é entender que eu trabalho para o público, seja numa casa de show ou evento específico. Baseado nisso, eu construo meu set, minha musicalidade, para aquele público específico. Então se eu for tocar para um evento mais social, não será a mesma sonoridade que uma boate à noite. E eu tenho prazer em fazer isso!’
Gaby explica que não vai para uma festa apenas para ir curtir a festa. Há estudo, preparo, cronograma e dedicação. ‘E eu acho que é isso que cativou as pessoas. E foi chegando em casas de festas, eventos e até em grandes produtores, como o Festival La Folie’.
(Imagens: Divulgação/ Gaby Lima)
3- E você já esteve na primeira edição do Festival La Folie, como é poder estar novamente neste evento?
‘Pois é, já sou da casa! É maravilhoso poder ser enxergada como artista, como DJ e ter a oportunidade de poder abrir o show. É incrível!’. Na primeira edição, em 2022, Gaby foi como DJ do artista Juan Guiã. Esse ano ela promete inovar no seu show solo: ‘As pessoas que estiverem comigo no dia 25 vão poder assistir uma performance de alguém com muita vivência. Eu vou trazer minhas raízes, história e um pouco da periferia com os ritmos Pop, Funk e Brega. É um show completo com início, meio e fim’.
4- E como foi o processo de construção do seu show?
‘Eu acredito que é um trabalho coletivo. É um palco imenso! Eu planejei sozinha mas na hora de tirar do papel eu precisei de uma equipe para construir isso comigo. Vamos ter fotografia, visuais, figurinos, bailarinos… Tá muito lindo!’. Dessa forma, é também uma maneira de dar vitrine e espaços para outras pessoas que também precisam de oportunidades. ‘Todes comigo no palco vão receber de alguma forma. Nada é gratuito’.
5- Notamos a falta de mais artistas pernambucanos no line-up do festival. Como você enxerga isso estando no meio artístico?
‘Eu acredito que todos tem espaço para bilhar. Cada um tem o seu talento e merecem visibilidade como qualquer pessoa. Eu, como artista travesti, não sou melhor que Pabllo Vittar em nenhum momento. Se festivais me enxergam como a artista que sou, é porque eu sou boa! Mesmo que o meu nome esteja lá pequenininho no cartaz’. Gaby também enaltece Uana, cantora Pop recifense, e Getúlio Abelha, cantor cearense, como artistas incríveis e com shows muito representativos. ‘Além da Iza, Pabllo, Gloria Groove e Priscila também. Eu me sinto feliz e muito importante de estar no palco com artistas que me inspiram tanto’. Por isso, Gaby se sentiu na obrigação de criar um set único com músicas diferentes das que já serão tocadas no dia. Uma verdadeira curadoria musical: ‘as minhas músicas não serão iguais as que vão tocar no palco’.
Sobre o investimento, ela revela que a ideia é poder apresentar e vender um formato novo. Até então, Gaby Lima apresentava sua musicalidade sozinha (já impactava só de por estar presente nos espaços). ‘É o meu primeiro evento muito grande. Por isso, eu senti que precisava investir em mim mesma. Tudo que eu ganhei, estou investindo totalmente neste show’.
‘ “Se o primeiro show é assim, imagine o restante do festival” - quero entregar qualidade e conforto para as pessoas’.
6- E você recebeu o apoio de familiares e amigos na sua trajetória? Como está a ansiedade para o show?
‘Sinceramente, a gente nunca luta sozinha, porém houve um esforço meu. Por exemplo, nos estudos eu tive que ser diferente, pois minha família não tinha base. Eu sou a primeira graduada da minha família e consegui me estruturar na educação, financeiramente, etc. Assim me tornei um espelho da minha família. Fico muito feliz e emocionada ao falar isso!
Eles são bem presentes e não houve problemas sobre a minha identidade de gênero e o que me tornei hoje em dia. Claro que há momentos de ter paciência, saber ouvir e ter que ensinar. Se eu parar para contar a história familiar, rende um livro..
Mas sempre houve apoio e é uma relação tranquila. O mesmo com amigos. Eles não vão poder estar presentes no show devido aos compromissos da vida, mas vão estar emanando boas energias para mim’.
7- E como é a sua relação com a música e como ela te toca na alma?
‘Eu amo música! Eu acordo escutando música, me arrumo, faço maquiagem, escuto no trabalho para me distrair… Eu nasci artista, não me tornei. Desde pequena eu cresci com a musicalidade na minha casa. E esse amor surgiu com a minha mãe de criação me incentivando na arte. Já faz 11 anos que ela faleceu e ela amava cantar’.
Gaby Lima também confessou que tem uma boa relação com o canto e quem sabe não venha um single futuramente: ‘Inclusive, eu estudei no Conservatório Pernambucano de Música. Não pude seguir porque ou estudava ou trabalhava. Tive que escolher um rumo’.
8- E como você acha das críticas a festivais? É apenas ‘desculpa para ter Carnaval fora de época’?
‘Eu acho que o Recife já é uma cidade festeira e alegre. Vivemos numa diversidade de culturas como o Frevo e Maracatu e se olharmos para cidades vizinhas acontece o mesmo. Eu observo que em Recife está vindo uma cena muito diferente de musicalidade. Não é apenas uma festa, representa muito mais. É muita história envolvida. Há quanto tempo que não existia um festival de grande porte para o público LGBTQIA+? Quem daria voz para uma pessoa travesti, preta e periférica como eu?’
Ela enfatiza: ‘É para celebrar o tanto de artista LGBTQIA+ no palco, dar voz para lutas e muitas barreiras serem quebradas. É mais do que gandaia’
9- E por fim, que mensagem você gostaria de deixar para o público?
‘Eu gostaria que todes estivessem lá. Eu não estou representando apenas a Gaby Lima. Eu estou representando uma família, pessoas pretas, pessoas travestis, pessoas em vulnerabilidade. E meu show é para todo mundo: vai ter representatividade, muita voz e muita travesti presente. Então, convido a todes para estarem presentes, para chegar cedo neste festival e vai ser incrível!’