Os espaços de memória da literatura pernambucana
Recife é uma cidade de museus que ainda enfrenta uma escassez de memória dos grandes literatas que comporam a cena artística do estado.
Isabel Bahé
12 de abril de 2024
Na última terça-feira (09), foi anunciado pela Associação Casa Clarice Lispector (ACCL) a transformação do sobrado onde a escritora ucraniana viveu dos cinco até os quinze anos de idade, localizado no bairro da Boa Vista, Centro do Recife, em um museu. O objetivo é prestar homenagem à memória da mulher e escritora que ela foi.
Apesar de só haver ganhado o título de cidadã pernambucana no seu centenário, em 2020, Clarice se considerava como tal desde nova, e sempre colocou o Recife nos mais ínfimos cantos de sua escrita.. Foi aqui que adentrou na paixão por escrever. Desde os primeiros contos até para onde a mente retornou mais tarde quando se consolidou como um marco da literatura brasileira.
Estátua de Clarice Lispector, do Circuito da Poesia, em frente à casa de sua
infância na Boa Vista. Foto: Katherine Coutinho / G1
A construção de um museu destinado à Clarice é um acontecimento único no Brasil. Em Pernambuco, que possui outros dois espaços de memória em homenagem a literatas do Estado, a história não é diferente. Um exemplo é o Memorial Chico Science no bairro de São José, Centro do Recife, dedicado ao lírico poeta cultural do movimento mangue que batiza o local. Em três salas repletas de produções literárias, audiovisuais e históricas, o acervo mantém a importância de Chico viva em Pernambuco.
Estátua de Chico Science, do Circuito da Poesia, na Rua da Moeda. Foto: Hugo Acioly
“Recife, cidade do mangue
Onde a lama é a insurreição
Onde estão os homens caranguejos
Minha corda costuma sair de andada
No meio da rua, em cima das pontes”
(Antene-se, Chico Science)
Outro templo cultural em Pernambuco é o Espaço Pasárgada, na Rua da União, área central da capital pernambucana. Lá, morava o escritor e poeta Manuel Bandeira, nome importantíssimo da primeira geração do movimento moderno literário. A casa é patrimônio declarado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) desde 1983, e guarda a obra, biografia, e estudos do escritor.
Hoje, o Espaço Pasárgada possibilita uma visita à vida de Manuel Bandeira enquanto promove eventos de incentivo à literatura, com saraus e momentos de conversa com poetas contemporâneos.
Estátua de Manuel Bandeira, do Circuito da Poesia, no Cais da Aurora. Foto: Everson Verdiao/Esp.DP
“Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância”
(Evocação do Recife, Manuel Bandeira)
Outros recintos de memória dignos de citação são os museus dedicados ao músico Luiz Gonzaga: O Memorial Luiz Gonzaga, no Pátio de São Pedro, Centro do Recife, um espaço de difusão da sua obra. Há ainda: o Museu do Forró Luiz Gonzaga, no município de Caruaru, Agreste de Pernambuco, com homenagens a outros artistas que fizeram seu nome no forró; Museu de Gonzagão, no berço de Gonzaga - a cidade de Exu, no Sertão - onde a maior parte de sua obra está preservada. Lá, os visitantes têm um vislumbre do passado ao entrar na réplica da casa onde nasceu o eterno músico pernambucano.
Recife de museus - que nem sempre guardam a memória
Recife é uma cidade de museus. Percorra-o e você os encontrará. Desde o Museu da Cidade do Recife, no histórico Forte das Cinco Pontas, que guarda as suas faces urbanas em fotografias, livros, cartografias e peças artísticas, até ao Museu da Abolição, na rua Benfica, que expõe uma coleção de artistas afro-brasileiros. Ainda assim, os espaços de memória da literatura pernambucana são escassos em comparação às figuras históricas e contemporâneas que a constroem.
Algumas estão espalhadas pelo Circuito da Poesia - Miró juntando-se a elas recentemente -, lembrando que uma vez passaram pelas mesmas ruas e pontes que nós. Outros são mencionados aqui e acolá, e por consequência caem no esquecimento popular. As poesias marginal e visual, os tempos de engenho de João Cabral, a crítica de Josué de Castro e os versos de Francisca Izidora, para citar poucos, não estão presentes nas ruas do estado. Esse esquecimento não é apenas sobre o artista, mas todo o seu impacto na história daquele lugar que não abriga mais a sua memória e desvaloriza sua arte. Por que não pensar, então, num museu da literatura pernambucana?