Renna Costa entre as dores e as delícias da produção independente
Território em Trânsito, primeiro curta-metragem da multiartista, precisa de apoio para ser finalizado
Letícia Barbosa
04 de novembro de 2023- 15:00
“Eu reconheço como meu primeiro filme, embora já tenha tido outras experiências audiovisuais, é o primeiro com uma narrativa, uma história mais aprofundada a ser contada”, assim Renna Costa define seu filme em construção, Território em Trânsito.
O filme retrata a história de Aracy (Gabi Beneditta), uma jovem que vive com a sua avó, Dona Iram (Maria de Lourdes) em uma comunidade rural do agreste. Ao acompanhar a avó no culto, Aracy é abusada sexualmente pelo Pastor (Romualdo Freitas). O evento funciona como ponto de virada para a jovem encarar uma jornada de autoconhecimento identitária e espiritual pelo seu próprio corpo, enquanto também território.
A produção audiovisual teve início por volta de 2018 e está prestes a seguir para a etapa de finalização. Para isso, a equipe montou uma vaquinha com o objetivo de angariar os recursos necessários a esta fase, além de custear serviços como assessoria de imprensa, bem como resgatar o investimento pessoal no filme. Os colaboradores e colaboradoras terão, a partir da doação, o acesso exclusivo ao link já durante a pré-estreia.
Em entrevista para a Manguetown Revista, Renna conta como foi todo o processo de concepção do curta e conversa sobre sua carreira e trajetória como multiartista.
(Imagens: Reprodução/ Youtube)
Da Ilha para o Sertão
Foi em Santa Catarina, no Sul do País, que Renna Costa deu seus primeiros passos no mundo artístico. Graduou-se em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UESC), mas foi nas ruas e nas conexões humanas que obteve sua completa formação. Para ela, foi no fazer teatro na rua e no contato com os movimentos sociais que de fato nasceu sua carreira.
É nessa busca, que, na época estudante e pesquisadora de teatro, Renna chega a Pernambuco, em 2013, junto com seu grupo, o Coletivo Peabiru. Depois de passar por estados do Sudeste pesquisando a cultura popular, os estudantes desembarcam no Nordeste e têm contato com manifestações diversas, como o maracatu rural, o coco e o cavalo marinho.
Ela reflete: “Pernambuco é o berço da cultura popular. A resistência da cultura popular está no fato dela ser viva e cotidiana da vida das pessoas aqui”. Nesse cenário, Renna nasceu: “foi onde comecei a me colocar como artista, como travesti. Estava vivendo muito forte a transição, o corpo político do ser travesti e todos os recortes que o nosso corpo sofre dentro de todo o sistema”, ela explica.
Para além das fronteiras da Região Metropolitana do Recife, Renna segue para o sertão pernambucano, onde encontra terreno fértil para a sua criatividade. “Minhas criações não falam sobre asfalto. São narrativas que falam mais do interior e zona rural que é onde moro. Até o tempo lá é outro”, conta ela.
A partir de 2017, quando termina sua graduação de teatro e também se desvincula dos grupos que fazia parte, Renna Costa consolidou-se como uma multiartista, atuando como atriz, diretora, produtora, cantora e o que mais estiver por vir.
Em 2018, recebeu os Prêmios de Melhor Filme e Melhor Atriz da Mostra Agreste pela atuação e direção no curta-metragem "Baldía" no 5º Festival de Cinema de Caruaru (PE). Atuou como atriz nos curtas "Transverbo" (2019) de Olí Cárdenas, e "Incendiárias: Filhas do Fogo" (2021), de Sophia William e Aurora Jamelo. Em 2021, Renna lança em parceria com Gabi Beneditta o videoclipe “Lamento de Força Travesti”, que conta com mais de 13 mil visualizações no Youtube, além de circular por mais de 40 mostras e festivais pelo Brasil e na Europa, onde recebeu 8 prêmios, incluindo Melhor Videoclipe Nacional no FICA - Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (GO), Melhor Roteiro no 8o Recifest - Festival de Cinema da Diversidade Sexual e Gênero (PE) e Melhor Direção de Arte no 13º Festival de Cinema de Triunfo (PE).
Em 2022, Renna atuou ainda como roteirista, diretora criativa e de arte do Álbum Visual da cantora Luana Flores, “Nordeste Futurista”, trabalho este que ganhou os prêmios de Melhor Direção de Arte no 2º VICINE- Festival de Cinema de Viçosa e Melhor Figurino no 2º SCI-FI Floripa Film Festival.
Território em Trânsito
O curta-metragem foi gravado este ano, em 2023, em Buíque, na região do Vale do Catimbau, em Pernambuco. Porém, sua produção tem início há cinco anos atrás, pouco depois que Renna fincou morada no estado, em 2018.
Durante a elaboração do roteiro, Renna participou da II Residência de Roteiro pelo 3º Sertão & Diversidade - Festival Internacional de Curtas na cidade de Quixadá, interior do Ceará, onde chegou à primeira versão, sob orientação do cineasta Bertrand Lira. Nos anos seguintes, o projeto passou também pelo Movimenta Lab, em Recife, com monitoria de Valentina Homem, e pela 3ª edição do MarteLab, ministrado por Henrique Arruda. Com esse apoio, Renna conseguiu inscrever e ser contemplada, em 2021, pelo 4º Edital Funcultura Audiovisual na categoria "Revelando os Pernambucos", voltado para primeiras experiências.
Sobre o enredo, o filme se insere no formato de Realismo Fantástico, que, para Renna, tem tudo a ver com a cultura popular. Isso porque parte de um tema muito sério e presente no contexto atual, que é o abuso sexual, e segue para a viagem introspectiva da protagonista, com referências místicas.
A discussão sobre o território, em seus vários significados, é outro elemento da produção. O território é campo de disputa tanto quanto diz respeito à natureza, assim como também ao corpo. “O Pastor traz a imagem do predador, o homem, cis, branco, representa o lugar da colonização como indivíduo e como instituição”, exemplifica Renna. Já Aracy passa por um trauma que a leva a um momento de forte transição identitária. Daí o nome da ficção: Território em Trânsito.
Produção Independente
Para Renna, seu trabalho envolve criar uma espécie de “não mercado”, uma vez que o mercado não costuma abrir as portas para pessoas como ela. Essa atuação passa tanto pelos temas de suas produções quanto pela equipe com quem trabalha, sendo composta majoritariamente por pessoas LGBTQIAPN+, indígenas e com origem nas regiões interioranas.
Além disso, ela acredita que há o que chama de "síndrome do colonizador”, pela qual em vez de investir em formação, capacitar as pessoas que moram nas localidades dar oportunidades, o que se costuma fazer é trazer equipes prontas de fora. A hierarquia da cadeia produtiva no audiovisual é outro ponto que incomoda a diretora. Por isso, no seu modo de trabalho procura subverter tais práticas.
Na página do Instagram do filme Território em Trânsito (@territorioemtransito ), é possível conhecer toda a equipe, inclusive os que trabalham em funções que costumam ser esquecidas, mesmo sendo tão essenciais quanto as mais glorificadas. Por lá, também não é difícil perceber nomes da cena independente de Pernambuco, como Siba Puri, Bia Pankararu e a própria protagonista, Gabi Benedita.
Sobre isso, Renna destaca como sua forma de trabalhar é política e afetiva, trazendo para perto pessoas com quem se conectou ao longo de sua trajetória, sempre em um movimento de fortalecer a coletividade das produções e promover conexões.
Entretanto, além das delícias, a produção independente tem suas dores. O valor que recebeu para a realizar o projeto não foi suficiente e, até então, foi possível realizar as gravações. Com equipe de 43 pessoas, Renna destaca que foi preciso investimento do próprio bolso para fazer o projeto andar. Por isso, a vaquinha se fez necessária.
Hoje, aos 31 anos de idade, e em torno de dez anos de carreira, entre a formação de teatro e os trabalhos artísticos, Renna enfatiza que sua atuação multitarefas, não tem a ver apenas com seu talento - inegável, certamente - mas também é sua forma de sobrevivência: “Circulo em vários meios e é isto que mantém”, declara a multiartista.
Vakinha
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Ao ajudar, você ainda terá acesso ao link do filme já na pré-estreia.
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