"O preço do descaso é grande":
os impasses no tombamento do Teatro Valdemar de Oliveira
Sem perspectiva de reabertura: o futuro do espaço tão importante para a cultura de Pernambuco é incerto
Laysa Andrade
06 de dezembro de 2023
“Era um teatro vivo com pessoas de diferentes faixas etárias com vontade de fazer arte”. É assim que Mila Puntel, atriz e fundadora do Tapete Voador, define o Teatro Valdemar de Oliveira, onde ela estreou nos palcos. Contudo o verbo no passado retrata o que o local já foi. Hoje, quem passa pela Praça Osvaldo Cruz, número 412, no Bairro da Boa Vista, encontra um ambiente destruído, imagem que não faz jus a história e importância do Teatro Valdemar de Oliveira. Em 2020, a pandemia obrigou o espaço fechar. Por um tempo se manteve por meio de realizações de lives, porém, sucessivos roubos de fiação e invasões impediram a continuação dos espetáculos virtuais e a reabertura.
(Arte: Artur Serrano/ Manguetown Revista)
Não é a primeira vez que o Teatro Valdemar de Oliveira é fechado. Em 1980, devido a um incêndio, ficou dois anos de portas trancadas. Em março de 2015, foi interditado por apresentar problemas de acessibilidade e riscos em caso de incêndio, e em 2018 voltou a funcionar. Na época, a reforma do local foi possível devido a parcerias com empresas privadas e a campanha "Dê a Mão ao TAP".
O Teatro Valdemar de Oliveira homenageia, em seu nome, o médico, teatrólogo, ator e fundador do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). Inaugurado em 1971, foi inicialmente chamado de Nosso Teatro, mas em 1977, após a morte de Valdemar, o local foi rebatizado.
O TAP é responsável pela gestão do Teatro Valdemar de Oliveira, a instituição conta com 22 associados. Segundo Carlos Alberto, diretor-adjunto da organização, o espaço não possui renda e nenhum investimento público ou privado: “os sócios se cotizam para atender às necessidades mais urgentes”, disse ele.
Teatro Valdemar de Oliveira em novembro de 2022
(Foto: Felipe Souto Maior/ Secult-PE/Fundarpe)
Em 2023, o estado de depredação do interior do Teatro Valdemar de Oliveira
(Foto: Walli Fontenelle/Folha de Pernambuco)
Tombamento do Valdemar de Oliveira
Em dezembro de 2022, Oséas Borba, do grupo João Teimoso, e o Movimento Guerrilha Cultural entraram com o pedido de tombamento do Teatro Valdemar de Oliveira, mas a publicação no Diário Oficial do Estado de Pernambuco só aconteceu em 22 de setembro de 2023. Segundo Oséas, a solicitação de tombamento ocorreu “para evitar interesses imobiliários no Teatro Valdemar de Oliveira, pois uma construtora comprou uma casa ao lado”. A reportagem também apurou que um terreno vizinho ao teatro está à venda. Carlos Alberto, diretor-adjunto do TAP, afirmou que “não há interesse em vender o Teatro, como é juridicamente impossível, em face de expressa determinação contida em seu Estatuto Social”. Célia Campos, gerente geral de preservação do patrimônio cultural da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), explicou que o tombamento é importante para preservar bens que possuem valor cultural, porque um imóvel tombado não pode ser destruído, nem descaracterizado.
O Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) manifestou, por meio de uma nota nas redes sociais, ser contrário ao tombamento do edifício. O argumento utilizado é que o processo de tombo implica ônus burocrático “que pode prejudicar as tratativas em curso e retardar a almejada recuperação e reabertura do Teatro Valdemar Oliveira”. Confira a nota completa.
Carlos Alberto falou à reportagem que “o tombamento não irá resolver o problema da necessidade de investimentos - públicos e/ou privados - para retomar as suas atividades. O tombamento remete, na verdade, à obrigação de preservação do imóvel a quem não tem condições financeiras de arcar. Além disso, o patrimônio, na verdade, é a história do TAP e a sua importância para o teatro brasileiro. O prédio, a sua vez, não possui, em si, qualquer valor histórico que dê ensejo ao acolhimento de um pedido dessa natureza”.
Após o pedido ser publicado no Diário Oficial, o proprietário do imóvel é informado para se manifestar contra ou a favor do tombamento. “Quando a Fundarpe notificar todos os 22 associados, eles terão 30 dias úteis para manifestar oficialmente se querem ou não o tombo do Teatro Valdemar de Oliveira", disse Célia Campos. Se houver a recusa, o processo volta para Oséas Borba definir se vai continuar com o pedido. Ele confirmou que pretende seguir com a solicitação. A decisão final do tombamento é feita pelo Conselho Estadual do Patrimônio de Pernambuco, formado, de forma paritária, por 14 representantes da sociedade civil e do poder público.
Sobre a questão burocrática, a gerente geral de preservação do patrimônio cultural da Fundarpe esclarece que, por se tratar de uma decisão importante e criteriosa, muitos estudos devem ser realizados para instrução do processo e cada caso tem prazos diferentes. Com a abertura do processo, o Teatro Valdemar de Oliveira tem o mesmo regime de preservação do bem tombado, ou seja, neste momento, está protegido legalmente.
Sendo assim, são proibidas demolições e reformas sem a autorização da Fundarpe. Contudo, as reformas (mesmo se o tombamento for aprovado) podem ser feitas, desde que o proprietário peça autorização à Fundarpe e que as mudanças não descaracterizem o imóvel, segundo Célia Campos. A gerente de preservação do patrimônio cultural acrescenta que o tombamento não garante a reforma do Teatro Valdemar de Oliveira, mas “abre portas para a arrecadação financeira”, uma vez que a importância cultural e histórica do imóvel é atestada.
Para Oséas Borba, o tombamento é só o primeiro passo e que o estado deve assumir a responsabilidade, já que o TAP é uma associação de interesse público.
Futuro incerto?
O primeiro contato de Mila Puntel com o teatro foi por meio de um curso ofertado no Teatro Valdemar de Oliveira: “meus primeiros passos no teatro foram naquela casa. É muito triste ver aquela estrutura que te acolheu depredada. A história do teatro pernambucano saindo da nossa pele”, relatou.
Foi no Teatro Valdemar de Oliveira que Mila encenou a primeira peça de sua carreira e fez amizades que cultiva até hoje. Quando assistiu um vídeo que mostrava a atual situação do teatro, a atriz nem reconheceu o espaço: “É como ver o local que nasci abandonado. Não posso chegar para a minha filha e dizer - Olha! Foi aqui que mamãe começou. Quando vou fazer isso? O preço do descaso é grande”.
Carlos Alberto, diretor-adjunto do TAP, afirmou que “a preocupação, neste momento, é isolar o imóvel e evitar que novas depredações e invasões ocorram”. Além disso, que a associação está aberta para proposta de investimentos “desde que mantida a função originária, qual seja: a realização de espetáculos teatrais.”