Em 2024 a crew feminino Pixe Girls completa 10 anos de história, uma trajetória marcada por luta e resistência. O coletivo composto apenas por mulheres leva a voz feminina para a cena de arte urbana em Recife.
A Manguetown Revista entrevistou algumas das integrantes do grupo que é referência para diversas mulheres que fazem parte da cena de arte urbana em Pernambuco.
A crew foi fundada em 2014 por Lai Alves e TAB após elas passarem por diversas dificuldades para conseguir se manter em rolês do meio graffiteiro, principalmente, o machismo e assédios que sofreram. Com o propósito de enfrentar esse cenário adverso às mulheres, elas fundaram um coletivo feminino, a crew Pixe Girls.
A crew tem a intenção de acolher as mulheres da cena criando assim um ambiente seguro, bem como incentivar mais mulheres no graffiti. Atualmente o grupo conta com 12 integrantes, sendo elas: Lalesca Alves, Lai Alves, TAB, Mila Barros, Inay Victoria, Cigana, Ianah, Dope, Iara Izna, Tab Brüxä, Bruna Alpoim e Raquel Suspira.
O coletivo Pixe Girls desempenha um papel fundamental no cenário do graffiti pernambucano. Como uma crew composta exclusivamente por mulheres, sua resistência ao longo de 10 anos é revolucionária e inspiradora. A crew contempla as mais variadas maneiras de feminilidade e instiga outras mulheres a fazerem parte e terem suas vozes ouvidas dentro do movimento hip-hop de Pernambuco.
Fazer parte de um coletivo feminino como as Pixe Girls é sinônimo de força coletiva, além de ser um espaço acolhedor para que cada uma possa expressar sua essência artística e contar com apoio para seus trabalhos artísticos.
“De forma geral, eu me sinto muito bem [em fazer parte das Pixe Girls], é um rolê muito revolucionário porque tipo assim, é um crew, uma coletiva voltada para contemplar as diversas mulheridades que existem. É revolucionário demais, é muita referência. Eu fico imaginando como se eu sendo de outro lugar e cantando o quanto tem essa coisa mútua, a gente também se referencia por muitas mulheres potentes e a gente se bota nessa lugar de ser referência então é uma troca muito massa nesse campo da feminilidade, da mulheridade, do corre, do anarquismo também, da resistência”, declara Cigana.
Mila Barros concorda : “É muito feliz está nesse grupo de resistência e sendo influência para outras crews e outras mulheres, que a gente consiga se juntar mais por que eu acho que agora essa é a nossa grande maneira de resistir, a gente tem nossas entradas e tem nossas questões pessoais como qualquer outra crew mas a gente consegue enxergar a importância dessa união até para servir de espelho para outras meninas, outras mulheres se exagerar, se sentir representada e poder esperanciar um local feito só de mulheres como foi o nosso ultimo trabalho a primeira crew feminina em recife pintando uma empena sozinhas, uma equipe toda de mulheres e isso é muito foda, eu me sinto feliz, me sinto honrada.”
A cultura Hip-hop, infelizmente, ainda é majoritariamente ocupada por homens e enfrentar o machismo é um constante desafio. Com o intuito de resistir e combater o patriarcado dentro da cena local, as Pixe Girls promoveram rodas de diálogo, mutirões e oficinas de graffiti exclusivas para mulheres na intenção de ampliar o número dessa parcela dentro dos rolês.
Mila Barros faz questão de mencionar os desafios enfrentados pela crew “Primeiro tem a dificuldade pessoal de cada uma em se manter do corre porque não é fácil você ser mulher e querer viver da arte, você querer viver da arte em Recife e querer viver da arte urbana em Recife e você tá se reafirmando nos locais”
Além do enfrentamento do machismo, existe também o desafio de conciliar a vida pessoal e a vida artística tendo em vista que algumas das integrantes do crew são mulheres que são mães, outras que trabalham como CLT, entre outras, então existem diversos fatores que implicam nessa resistência.
“Eu percebo muito que quando se é mulher, a gente precisa está em milhões de outros corres para conseguir manter. até o ano passado eu trabalhava em quanto CLT e não conseguia dar um passo de fazer algo diferente disso porque eu pensava ‘meu irmão se não gerar nada na arte eu preciso sustentar meu pirraia, tem escola, tem aluguel, tem tudo’ e eu não conseguia dar esse passo, assim, para me manter artisticamente. Esse ano foi o ano que eu decidi, eu vou fazer isso, vou me organizar para conseguir fazer isso, mas eu sei que o que eu caminhei para chegar nessa decisão e eu sei que muitas manas ainda estão nesse caminho. Então a gente vê muitas trabalhando como CLT, muitas precisando fazer outros trampos, para se manter nesse rolê de grafite, assim, nesse rolê de arte urbana que não é fácil, velho, é muito trabalho psicológico e trabalho coletivo, assim, a gente se ajudando enquanto mulheres, a gente tentando ingressar em outra. Esse ano foi a grande decisão de viver da arte mas entendendo que hoje eu tenho uma pessoa que é minha produtora, que é Jessica Jansen, que é uma mãe também e que tá comigo escrevendo edital e que me ensina bastante, eu tenho uma equipe que junto com as meninas, assim, de está se incentivando, de esta se ajudando, criando uma rede, o que mais mantém a gente firme no rolê é a criação de uma rede de apoio, tanto dentro da maternidade mas para além, para se manter a gente dentro do rolê por que se a gente não tiver uma rede nossa, que diz ‘Bora, Bora, Bora, tu vai conseguir’ a gente não consegue, a gente não se mantém”, Relata Mila Barros.
“E sobre também um espaço acolhedor que a gente se sinta à vontade porque é isso, a gente também tem que conversar sobre as violências que são infinitas, né? Então um dos pontos mais interessantes sobre a crew é essa resistência porque o hip-hop ser um lugar super hostil, super machista, super misógino, e daí, eu sei que vai ter algumas manas que eu conheço de outro do rolê e algumas manas da coletiva, da crew, que eu já vou me sentir, já vou pro role e já sei “eu posso contar com aquela pessoa”, “aquela pessoa vai interagir comigo assim e assado” então tem essa questão das violências também, né? então tipo, é uma resistência muito grande e é isso, é muito difícil porque Mila tava falando sobre as singularidades dela e que cada uma tem sua singularidade, cada uma tá matando um leão e fazendo o corre acontecer e que tipo assim, com certeza velho, é muito mais fácil os boys se encontrarem para fazer isso, fazer aquilo porque eu acredito que o corre seja mais fluido e outras questões, outras pautas sociais de facilidade de acesso, disso e daquilo, então tipo é um rolê de resistência.”, inteira Cigana.
“RITMO E POESIA”
Alguns projetos do crew foram aceitos em editais, sendo um deles o circuito de Megamuaris que é uma iniciativa da Secretaria Executiva de Inovação Urbana Municipal, além da criação e pintura da empena, a produção de um documentário sobre o processo da criação do Mural.
Com a arte assinada por TAB e Bubu, TAB na criação da personagem e Bubu com a tipografia urbana, o megamural faz uma homenagem ao hip-hop e a rapper Bione, que é uma grande referência feminina dentro da cena do hip-hop local. “Ritmo e poesia”, como foi nomeado a obra, está localizado no Edifício Garagem Central, na Rua da Saudade no bairro da Boa Vista.
Mila Barros descreve sobre a criação do megamural e como foi fazer parte da produção “Quando a gente pensou homenagiar o hip-hop, homenagiar o rap, o titulo, o tema do edital era “Recife cidade da musica” TAB pensou logo em Bione e quando ela jogou na roda a gente já achou foda, velho, representaçao feminina do rap, Bione [...] A gente queria representar o hip-hop dentro de uma ótica feminina e ai Bione é o grande nome, a nossa grande referência de rap feminino, tudo que ela traz, tudo que a história dela traz, O que a pessoa dela é, uma mulher preta, periférica, LGBT, fora todo o empoderamento que ela traz com as letras dela, ai então veio a construção dessa arte com TAB e Bubu, uma trazendo as letras, a outra trazendo a personagem. E foi muito foda construir, assim, nas nossas reuniões construindo como é que ia ser tudo isso, cada uma foi chegando aonde se afinava mais, com o que podia contribuir, Lai, uma das fundadoras, fez a parte do texto que a gente ia mandar para o edital, TAB e Bubu ficou trabalhando nas letras e na personagem e ai foi isso. Uma coisa a gente tinha certeza é que dentro desse tema a gente queria homenagear o hip-hop e como é “Recife cidade da musica” a musica que está dentro do hip-hop é o rap, né? que significa ritmo e poesia, que é o nome da nossa empena e foi com estudo, estudando para fazer um croqui, inclusive, descobriram isso, que rap significa ritmo e poesia, que foi dando título, então foi uma coisa bem orgânica que foi acontecendo, como a arte, e veio daí essa homenagem a Bione.[...] Foi um processo muito feliz, muito desafiador, intenso e diferente de tudo que a gente já tinha feito, a gente já fez oficina, a gente já fez rodas de diálogos, a gente já fez murais, a gente já fez mega murais, a gente já pintou o túnel do pina, a gente já pintou outros murais, mas nada comparado a uma empena de um prédio assim, teve manas que desceram pela primeira vez em um balancinho, que é aquele equipamento que desce na lateral do prédio, teve etapas que a gente nem sabia que existiam e a gente foi conhecendo no decorrer, porque para a gente era fundamental que a crew toda estivesse envolvida, eu nunca tinha produzido uma empena mas eu já vinha produzindo outros eventos, então era fundamental, “Mila tem experiência com produção então vamos colocar ela na produção e o que ela se afina”, então existiu muita confiança, foi muito desafiador, foi um trabalho de um mês convivendo grudadas, sabe? e por mais que a gente tivesse nossas sintonias a gente tinha as nossas não sintonias, então viver tudo isso durante um mês foi desafiador e intenso mas está aí o trabalho entregue, uma empena com um grande resgate histórico do que é a cena feminina em Recife.”
“Foi muito gostoso, velho, porque teve essa questão da experiência, essa questão profissional, cada uma que tava fazendo uma coisa, teve a sua experiência para melhorar aquilo que tá trampando [...] foi uma energia muito, assim, de muitas trocas e muitas trocas o tempo todo, às vezes negativa, às vezes positivas porque enfim faz parte da coletividade e tudo mais. Mas enfim, foi muito chique está em um lugar bem confortável por conta dessa feminilidade e tudo mais, e dai a gente [vai] conhecendo um pouquinho da pessoa por um detalhe, foi uma coisa assim, uma coisa assada e foi muito gostoso, como por exemplo, eu comecei a ouvir umas músicas diferentes porque umas pessoas escutam essas músicas e eu acho que esse role de troca, de uma levantar a outra e também conhecer algo diferente a partir de um olhar, de um reflexo, a partir de uma coisa que você ainda não tinha visto, que você não tenha acessado a uma mana. “Caramba, velho, que massa, fulaninha tá fazendo um corre louco, e ela é artista, é mãe, e é isso, e é não sei o que lá” e daí tem essa inspiração mutual e também você ter acesso a outras coisas que é uma coisa que eu sinto falta inclusive por conta dos corres a gente não tá muito juntas, de parar para se encontrar e fazer uma vivência artista, e é tão difícil isso, as vezes rola coisas assim mas é mais pintura na rua, e a gente ali, conversando, dialogando, aí você vê o outro lado da moeda, né? porque as vezes a pessoa não tá bem, às vezes a pessoa tá mal, a pessoa tá fazendo um corre assim para sobreviver e também além desse sofrimento, dessas violências também tem o lado do empoderamento, né? Que tipo tem o lado do corre mas também todas as manas que fizeram parte do megamural são pessoas incríveis e geniais e também tem esse lado de se sentir motivada criativamente também.”, Relata Cigana sobre sua experiência fazendo parte da produção do megamural.
Sobre a criação do documentário, Mila Barros comenta: “Com relação ao documentário da empena, a gente, meio que ele é um documentário retratando o nosso trabalho na empena, né? O roteiro ele bem voltada para o corre das mulheres para produzir uma empena, teve imagens que Raquel, que uma mana que faz parte das Pixe Girls, nossa mana do audiovisual, foi na casa de TAB para pegar ela vindo, foi na casa de outras mulheres para pegar esse rolê de tipo a gente, de como era o rolê além do rolê da empena como a gente como mulher fazia para se manter ali, então o roteiro do documentário é esse. Dizer como a gente tá se sentindo em relação ao documentário, pelo menos eu não dimensiono ainda porque tipo ele retratou o corre que a gente fez e a gente sabe que é um corre foda, ai a gente tá feliz em saber que vai existir esse reconhecimento, vai existir essa exibição no Teatro do Parque, porque é muito massa, porque até então a gente não sabia, ninguém tava produzindo um documentário para uma exibição no Teatro do Parque, é normal quando a gente tá fazendo nossos trabalhos fazer os nossos registros e fazer nosso vídeos, e ai um trabalho grandioso desse todo mundo foi produzindo os seus documentários.”
Raquel Suspira relata a sua experiência na produção do megamural “Eu to fazendo a edição, eu to editando agora mas eu fiz a capitação de imagem e tipo está lá imersa no rolê com as meninas foi surreal, assim, de ver a produção andar, porque é uma coisa que você olha e diz assim “porra, é só pintar” e não é só pintar, tem muita coisa que envolve para poder chegar na etapa de pintura e até da capitação mesmo. Foi massa fazer parte, porque a gente consegue observar de perto o universo de cada uma porque são várias mulheres então todo dia tinha uma demanda diferente, todo dia tinha um tempo diferente para se seguir, e a gente teve que aprender a lidar, a respeitar, a respirar e ir fazendo. documentar isso, transformar isso em um documentário tem sido massa porque eu como tô editando fico vendo os vídeos, os takes, e vendo como tava acontecendo lá, porque tipo vai sair no vídeo mas vai sair no vídeo uma coisinha básica, né? porque o que tava vivendo lá foi uma pressão da porra e a gente foi aprendendo a lidar com isso.”
O documentário sobre o megamural “Ritmo e Poesia” das Pixe Girls vai ser apresentado no dia 24 de setembro, a partir das 19h, no Cine Teatro do Parque.
“PIXE GIRLS - 10 ANOS DE RESISTÊNCIA”
O trabalho das integrantes do coletivo também foi tema de uma produção audiovisual autoral. Intitulado como “Pixe Girls - 10 anos de resistência”, o documentário foi realizado pelas próprias integrantes da crew e evidencia o que o grupo representa ao longo desses 10 anos de trajetória. O projeto feito pelas Pixe Girls foi aprovado pelo edital do Cine Maré. A Première Cine Maré ocorreu no dia 15 de agosto no Teatro do Parque, onde foi exibido também outros quatro filmes.
“A gente entrou com um roteiro com a proposta de fazer um apanhado do que é a Pixe Girls em 10 anos, de 10 anos para cá. Aí foi aprovado, a gente tá nesse corre agora de gravação, editando ai tá sendo uma direção coletiva cada uma tá fazendo os seus vídeos e mandando e a gente tá construindo a partir do celular que é um dispositivo móvel, tá ligado? Tá sendo bem interessante porque, tipo, isso dá uma movimentada na crew, dá uma motivada, tanto para dar um gás para escrever outros projetos quanto para ser remunerada por uma coisa que não tava nem esperando que é a aprovação de um projeto, então tem sido massa”, Relata Raquel Suspira.
Cigana comenta sobre como é gratificante fazer parte de duas produções audiovisuais sobre a crew: “Eu fico muito feliz, eu tava pensando aqui o quanto é massa essas documentações, esses registros, então é incrível, eu fiquei refletindo sobre isso, desse rolê de tipo “poxa, que massa que as coisas estão sendo registradas, documentadas” e como isso vai ser bom para o futuro, para o agora mas para o futuro também, para quando a gente não tiver mais aqui continuar esse comando das Pixe [Girls]”.
CONQUISTAS AO LONGO DOS 10 ANOS
Ao decorrer desses 10 anos, a crew foi marcada por diversas conquistas, tanto grandes quanto pequenas. Apesar dos desafios, a caminhada tem sido marcada por momentos de alegria que refletem a força e o poder desse coletivo.
"Eu acho que é muito massa ver essa trajetória, tanto de pequenas conquistas como as grandes conquistas, né? porque para mim a grande culminância foi a empena. Eu acho que as meninas há 10 anos atras quando elas se juntaram por conta de um machismo que Lai [Alves] sofreu, elas não imaginaram aonde que a crew ia chegar e vendo cada conquista que a gente foi tendo ao decorrer do tempo, assim, em relação a começar a ser chamada e escutada em rodas de diálogo, começar a ser chamadas para fazer oficinas com a intenção de ter mais mulheres na cena do graffiti e começar a ser vistas como um coletivo de referência, uma crew de referência feminina de forma nacional, e aí você ver tudo isso hoje eu consegui colocar trabalhos nossos através do currículo que a gente foi criando e aprovando em editais, porque o Cine Maré foi um edital, a empena foi um edital, o mutirão que a gente fez por ultimo foi um edital, a gente tem mais dois editais aprovados que a gente ainda vai executar que é outro festival e outro mutirão e tudo isso feito por mulheres e para mulheres também. Eu acho que todas essas conquistas são muito relevantes, sabe? E cada vez que uma de nós consegue se manter no corre da arte, viver no corre da arte, isso apesar de ser uma conquista individual acaba sendo uma conquista coletiva também e está documentando tudo isso, porque antes se a gente olhar para trás não tem nem registro das primeiras ações que a gente fez, há 10 anos atrás não se registrava tanto e então ter hoje esses registros é muito massa”, declara Mila Barros.
É evidente que a crew PixeGirls, ao longo de seus 10 anos de trajetória, conquistou um grande espaço na cena do graffiti pernambucano e se tornou um símbolo de resistência feminina neste meio. A história da crew é obra de uma luta muito simbólica que deu voz a essas mulheres em um espaço que antes não as ouvia.
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