O escritor conversou com a Manguetown Revista sobre curiosidades da banda e o processo de pesquisa para o livro
Há 40 anos, nascia aquela que seria uma das bandas mais importantes do movimento Manguebeat. O punk de Candeias era encabeçado por 3 irmãos (Fred, Tony e Fábio), que com o tempo passaram a se chamar Mundo Livre S/A, sem deixar de lado a essência contestadora que deu origem à banda.
É para contar essa história que o jornalista Pedro de Luna resolveu se debruçar na construção de uma biografia sobre o grupo. Um trabalho que envolveu 75 entrevistas com ex-integrantes e personalidades diversas que atravessaram de alguma forma a trajetória do Mundo Livre S/A. Nomes como Otto, China, Cannibal, Karina Buhr, Fábio Trummer, Mario Caldato Jr, Stela Campos, DJ Dolores, Jorge du Peixe, Lúcio Maia, Pupillo, Dudu Marote, Charles Gavin, Apollo 9,Eduardo Bid e Edu K deram o seu depoimento.
De acordo com Pedro, o livro aborda desde as primeiras experiências dos irmãos Montenegro até os dias de hoje, e passa por viagens, clipes, conquistas e desavenças. Tudo isso tem como pano de fundo a cena cultural de cada período, principalmente dos anos 80 e 90.
A biografia, ainda sem título revelado, é a nona escrita por Pedro. Pela sua caneta, já passaram a vida e trabalho da banda Planet Hemp, dos músicos Speed e Champignon, do quadrinista Marcatti e do professor, historiador e deputado federal, Chico Alencar.
O livro tem previsão de lançamento em setembro deste ano. Para viabilizar a produção, um financiamento coletivo recebe contribuições até a próxima terça (20), por meio da plataforma Kickante. Os colaboradores e colaboradoras terão seu nome nos agradecimentos.
Bastidores de uma biografia
Natural de Niterói (RJ), Pedro de Luna foi figura frequente no meio underground brasileiro como jornalista e quadrinista, atuando em grandes jornais e zines independentes, mas principlamente, como fã. Além de ter tido contato com o Mundo Livre S/A na posição de repórter, o escritor também acompanha o grupo como um verdadeiro admirador. A Manguetown Revista conversou com Pedro sobre os bastidores da produção do livro, curiosidades da banda e um pouco sobre o trabalho de biografar.
MTR: Pedro, tu tens uma verdadeira trajetória no campo da biografia. Podes falar um pouco sobre a escolha por esse caminho de escrita?
Pedro: Quando eu escrevi o primeiro livro, eu não pensava que iria fazer tantas biografias. Mas uma coisa que eu costumo dizer é que um livro acaba puxando o outro. No meio de um processo de pesquisa ou, às vezes, durante as entrevistas, as pessoas dão sugestões. Enquanto estão sendo entrevistados, falam “olha, você poderia falar sobre isso, sobre fulano”. Isso acontece muito comigo. Então, por exemplo, quando eu estava fazendo as entrevistas para a biografia do Planet Hemp, que foi uma dessas que eu lancei sobre música, no meio do processo, entrevistando pessoas, algumas delas falaram: “Ah você podia escrever sobre o Speed”. Ele [Speed] foi dupla do Black Alien, era o Black Alien e o Speed. Ele [Speed] também foi do Planet Hemp no início. Quando fui fazer a biografia do Speed, já falaram assim “sabe quem ensinou o Speed a tocar? Foi o fulaninho”. Era o Gilber T. A partir disso [da história de Gilber T], eu fui juntando uma história na outra, de uma cena do Rio de Janeiro que deu origem ao “Brodagens” [ livro lançado em 2016].
MTR: E, no geral, as tuas biografias são de artistas do meio pop rock e rock brasileiro underground dos anos 80 e 90. Me fala um pouco das tuas escolhas no processo de elaborar a biografia.
Pedro: Além de gostar de biografias, tenho muito interesse sobretudo pela cena dos anos 90, porque foi uma geração que veio com uma postura bem diferente, inclusive, vendo como possibilidade não entrar nesse meio, nesse mercado oficial de gravadoras, podendo correr por fora, digamos assim, e fazer um circuito underground, um circuito paralelo.
O Mundo Livre, é um exemplo disso. Apesar de ser uma banda dos anos 80, ela só entra nesse mercado oficial em 1994 ,10 anos depois, quando lança o primeiro disco, ainda assim pelo selo independente, que era o selo Banguela.
Eu não posso deixar de falar de uma biografia que eu gostei muito de fazer que foi a do Champignon, o baixista e fundador do Charlie Brown Jr. É um livro sobre o baixista, a história dele, a formação do Charlie Brown Jr, com Chorão e o Marcão [Britto], o renascimento da banda, que é um momento ali que todos eles saem do grupo e fica o Chorão sozinho. E ninguém nunca documentou, nunca pesquisou e trouxe a público porque todos os caras saíram da banda e deixaram ele [o Chorão] sozinho, por exemplo. É um livro que eu gosto também porque acabou sendo uma oportunidade de falar de um tema importante que é o suicídio. Então, é uma biografia, é um livro de música, um livro de história e tal, mas é também um livro que acaba abordando esse viés do suicídio.
Outra coisa importante, foi no caso do Planet Hemp falar de cannabis, uma banda que foi presa no Brasil por falar abertamente em maconha. O livro do Mundo Livre fala de música, de história, e também fala de ativismo político, porque assim como todas essas bandas, como o Planet Hemp e Charlie Brown, o Mundo Livre é uma banda muito politizada desde o início. O Fred [04] era Punk. Tanto que o primeiro capítulo do livro se chama “Punk de Candeias”, porque além de serem punks, eram de um lugar onde ninguém imaginava que fosse nascer um movimento do tipo. Nessa época que Fred e a sua família foram morar lá, não tinha nem rua para passar carro. Se falasse Punk de Recife, até podia fazer mais sentido, porque tinha o Devotos, por exemplo. Mas em Candeias?
E não é a primeira biografia que eu faço com esse viés mais político. Já fiz a biografia de um cara chamado Chico Alencar, do PSol, do Rio de Janeiro, um deputado federal e ele é um cara da política, mas ele é professor de história, ele é um bicho diferenciado.
MTR: Quanto à biografia do Mundo Livre, como foi que decidiu isso? E como foi o diálogo com a banda?
Pedro: Eu sempre fui fã do Mundo Livre, tanto no aspecto musical, como desse engajamento político, essa postura do mundo. Além de ser uma banda diferenciada, que mistura, por exemplo, rock com samba, uma banda de punk, que traz toda essência do skate, do underground.
A primeira vez que tive a oportunidade de entrevistar o Mundo Livre foi no ano de 2000, 24 anos atrás, quando eles estavam lançando um CD chamado “Por pouco”, pela gravadora Abril Music, que era do grupo Abril, de jornalismo.
E aí eu já vinha pensando que a banda iria fazer 40 anos. Em 2023, fui a um show da banda em São Paulo. Por intermédio da Renatinha, que já foi produtora da banda, conversei com eles.
Pedro faz questão de destacar que a biografia não é autorizada e sim “consentida”, o que, para ele é importante por representar menor interferência dos biografados no processo e maior liberdade criativa para o biógrafo.
MTR: Foram 75 entrevistas, entre nomes que são referências na cena pernambucana como Otto e China. Como foi esse processo e, principalmente, a escolha desses nomes?
Pedro: Todo mundo que foi entrevistado tem uma ligação direta com a banda. Em uma biografia, assim como em um documentário, sempre vai ter alguém que vai falar “poxa, mas não entrevistou fulano” ou mesmo a própria pessoa que não foi entrevistada pode se questionar.
Por exemplo, falando da Eddie. Eu não tinha como falar com todos os integrantes da banda. Eu entrevistei o Fábio Trummer, porque ele é o cara que fazia as letras, é o que nunca saiu da banda [Eddie]. Da Nação Zumbi, além de Jorge Du Peixe, que estava sempre com Chico [Science], com Fred [04], não tinha como não entrevistar o Pupillo, porque ele produziu um disco do Mundo Livre, que é “O Outro mundo de Manuela Rosário” [2004].
Então, todas as pessoas foram entrevistadas por ter um envolvimento real. Do próprio Mundo Livre, todo mundo que já tocou ou que toca hoje na banda foi entrevistado.
Eu, geralmente, tento buscar opiniões muito variadas. Entrevistei dois fãs. E uma coisa interessante é que o Mundo Livre, ao contrário das outras bandas que fiz biografias, como Planet Hemp, Charlie Brown Jr, não tem fã-clube. Isso me deixa muito surpreso. Isso é uma coisa que me surpreendeu, essa desestruturação, porque fã-clube era uma coisa importante da época. Então, eu entrevistei dois caras que contaram histórias muito interessantes. Um deles se diz o maior fã do Mundo Livre. Ele mora em Brasília.
O que eu acho legal é isso: pegar pontos de vistas muito variados, entrevistar desde produtores e empresários, a fãs, a jornalistas, outros músicos também. Os fotógrafos (...) eu agradeço muito ao Gil Vicente, que também foi estudante da UFPE, e deu fotos para o livro. Entrevistei também o fotógrafo Fred Jordão, que é um cara também que conviveu ali com a banda, no final dos anos 80 e início dos anos 90. Entre os jornalistas, teve o José Teles e o Marcelo Pereira que escreviam em jornais e estavam imersos nesse meio no início do Manguebeat, assim como a Clarice Hoffmann, que eu também entrevistei, a Stela Campos, que hoje trabalha no Valor Econômico, mas na época tocava na Banda Lara Hanouska. O Paulo André, do Abril pro Rock, foi empresário por duas vezes também do Mundo Livre. Então tem esse lado dos empresários.
É uma diversidade que acaba dando em 75 nomes de gêneros muito diversos. Acaba sendo até pouco se você pensa em setenta e cinco pessoas tão variadas.
Bem-humorado, aqui Pedro reflete sobre as dores do processo: “um cara sozinho fazendo tudo isso. Poxa, foram horas e horas de transcrição de áudio”.
MTR: Sobre as entrevistas, teve alguma que te surpreendeu, algum fato curioso que os depoimentos trouxeram sobre a banda?
Pedro: Uma das entrevistas que achei mais emocionantes foi a do Pupillo, que ficou bastante emocionado no momento. Com o Otto também foi muito bonito. Teve um momento que ele ficou com os olhos marejados de emoção, de chorar pelo carinho dele, a importância da banda na vida dele. Afinal, Otto tinha chegado de Paris, tinha ido para o Rio de Janeiro tentar vida, também não deu certo. Quando ele chegou em Recife, foi tocar na Nação Zumbi, mas ficou pouco tempo, e depois foi para o Mundo Livre, onde seria o único percussionista. Ele foi um cara que sofreu muito no Mundo Livre, porque a banda tinha uma característica que era ser uma banda de três irmãos. Era o Fred, vocalista, o Tony, que era o baterista, e o Fábio, que era o baixista. Isso sempre foi um problema porque se tem uma votação, eram os três irmãos contra os outros dois. E aí os caras eram malandros, afinal eram Punks de Candeias, então, faziam bullying com o Otto. Mas ele [Otto] tem muito carinho.
Acho que foi muito reveladora também a entrevista com o Charles Gavin, o baterista dos Titãs. Ele foi o cara que produziu o primeiro disco do Mundo Livre S/A, “Samba esquema noise”, que é o disco que está fazendo 30 anos [em 2024] , que é o disco que inclusive é tema dessa turnê atual do Mundo Livre. Charles Gavin fez essa produção junto com o falecido [Carlos Eduardo] Miranda. O Charles fica até magoado, porque uma vez ele mesmo foi entrevistar o Fred e ele esqueceu de falar que o Charles foi o produtor do disco.
Charles comenta comigo que ficou um pouco triste que Fred fala que foi produzido pelo Miranda e esquece de falar que ele também foi o produtor. Cara, no meio dessa produção, ele ainda estava com Titãs, e isso custou o casamento do Charles, essa coisa de chegada do show, de turnê, e aí ia para o estúdio, sendo que o horário que eles gravavam era de três da tarde às três da manhã. O casamento dele não sobreviveu. O cara também teve perdas para ficar investindo no disco do Mundo Livre. Esse também foi um depoimento bem emocionante.
Também teve empresários da banda, como a Alessandra [Leão], que é irmã de Pupilo, a Priscila Melo, que levou a banda pra tocar na Europa. A Priscila, que hoje é empresária da Liniker, e na época era uma jovem estudante de jornalismo. Ela acabou não se formando, porque não entregou o TCC por estar na estrada com o Mundo Livre. Ou seja, ela sacrificou também um diploma e uma carreira talvez jornalística pelo Mundo Livre. Essa história de dedicação à banda se repete em outros depoimentos.
MTR: E internamente, na pesquisa e nas entrevistas com a própria banda, tem alguma história que você não imaginava encontrar?
Pedro: Tem muitas [histórias] que eu não sabia. Por exemplo, eu não conhecia as histórias do Fábio. Isso foi uma coisa que para mim foi uma grande surpresa. O Fábio era o primeiro baixista e é irmão do Fred e do Tony. Eu não sabia dos episódios muito fortes de briga, inclusive agressões físicas na Banda, dele [Fábio] com Bactéria, dele com o Otto. Teve episódios que pessoas diferentes viram o Fábio causando em bares. Inclusive o Lúcio Maia, da Nação Zumbi, e um engenheiro de áudio que gravou discos do Mundo Livre presenciaram o Fábio batendo com um banco na cabeça de uma menina num bar. De uma menina! Então, eu não conhecia esse lado do Fábio, que quando bebia, virava um bicho, foi uma coisa muito surpreendente. E aí em algum momento a banda aposentou ele, eu nem sabia que isso existia , de você aposentar músico. E foi muito difícil para o Fred e para o Tony, como irmãos, tirar o irmão da banda, mas é também muito nobre que eles dão uma mesada de aposentadoria para Fábio.
O Fábio tá aí até hoje, tocando sozinho, porque nenhuma banda convidou ele nunca mais pra tocar. É tão triste quanto o final da história do Champignon porque a história do livro termina quando o Chorão morre de overdose em maio, um amigo dele se enforca em Salvador. E em setembro Champignon dá um tiro na cabeça, então a história do Champignon acaba com um final trágico. Ainda bem que o do Mundo Livre não acaba com o final tão trágico assim. Não tem morte, ufa! Mas é muito triste essa história de ter saído um dos irmãos da banda, porque os outros dois continuam juntos e tocando até hoje, e isso foi uma coisa que me surpreendeu bastante.
MTR: O Fábio deu entrevista também ?
Pedro: Deu e fiquei muito feliz, inclusive. Foi super tranquilo e até foi emocionante porque ele é um cara muito tímido de poucas palavras e uma hora ele falou assim para mim.” Poxa, cara, você não sabe o que tá passando na minha cabeça, porque nenhum jornalista nunca me entrevistou”, ou seja, sempre foi o Fred. É diferente de lembrar, por exemplo, do Planet Hemp que não tinha só Marcelo D2, tinha Black Alien, tinha um Bnegão. Mas no Mundo Livre sempre foi muito com o Fred falando, que ele é o cara que faz as letras. Fiquei muito emocionado de ter dado oportunidade para o Fábio também contar as histórias dele.
Pro Fábio não ficar de vilão da história, o cara que causava e tal, ele também recebeu muitos elogios de muita gente, inclusive de amigos da banda lá das antigas, de Candeias, porque chamam ele de “Professor Pardal”[ personagem da Disney que inventava várias ferramentas]. O Fábio já na juventude começou a trabalhar em oficina de pranchas, onde fazia consertos numa época que todo mundo surfava em Candeias, não tinha tubarão em Piedade. Ele começa, então, a construir os equipamentos do Mundo Livre. Inclusive tem uma foto no livro em que eles estão tocando nos anos 80 e nos amplificadores está escrito “Mundo Livre”, não é Marshall, não é a marca grande , é o Mundo Livre. O Fábio construía os próprios pedais, pedaleira, amplificadores, as caixas. Eram tão punks, que até o equipamento que eles usavam para fazer show era construído de uma forma artesanal e pelo Fábio.
Ele é um cara super inteligente que desmontava a guitarra pra refazer, pra potencializar, ele mesmo construiu porque não tinha grana e a criatividade tinha que aflorar. Era um cara que se ele talvez não tivesse esses surtos, hoje trabalharia com eletrônica, teria uma oficina de eletrônica ou teria de repente se transformado num cara que tem uma equipe de som de iluminação porque é um cara que que tem curiosidade.
Pedro aproveita para contar outras histórias da banda desconhecidas para o grande público.
Outro momento muito sensível no livro é quando o Bactéria, que era o tecladista, foi internado numa clínica, abusando das drogas, tomando ácido a torto e a direita. A gota d'água foi um show de um lugar em Recife em que ele surtou e não conseguia tocar. Ele deitava no chão, ele tava delirando, tendo puta viagens alucinógenas. Chegou num ponto que a própria família pediu para internar ele numa clínica. E foi um momento muito triste, porque o Bactéria é um gênio. Hoje ele está bem, mas na época, quando ele saiu da clínica, a banda fez uma reunião e tiraram ele da banda. E essa passagem, eu digo pra ele que se um dia tiver um filme, essa precisa ser uma cena. Ele sai da reunião putão, fumando, vai em casa pegar a bicicleta e vai dar um rolê, tomar uma, quando recebe uma ligação do Otto convidando pra tocar com ele. Ele não fica um dia sequer sem banda.
Eu acho que esse livro tem muito isso de mexer com as emoções, sabe? Você fica com raiva, você fica feliz, você chora, você fica triste, você torce por um por outro porque é isso, em 40 anos é como se fosse um casamento, tem altos e baixos tem momentos bons, momentos tristes, têm uma história de amor que a história do Fred com a Maria Eduarda, a grande mulher da vida do Fred para quem ele compôs várias músicas, inclusive “Meu esquema”. Ela é uma dessas que não foi músico, nem jornalista, nem fotógrafa, mas foi entrevistada porque era companheira do Fred. Então ela estava ao lado dele em todos esses momentos importantes. Inclusive quando ele foi à Brasília, com o Jorge Du Peixe receber a Ordem do Mérito Cultural. Eles foram à Brasília em 2005 receber das mãos do Lula e do eventual ministro da cultura, Gilberto Gil, pela relevância do Manguebeat. A Maria Eduarda estava grávida do primeiro filho deles. Ela fez questão de ir porque o Fred é louco pelo Lula.
E é uma história muito bonita, porque o Fred e a Maria ficaram 20 anos juntos. Ela já tinha uma filha e o Fred se afeiçoou muito a essa menina, chamada Júlia. E a Júlia acabou tendo um tumor cerebral e faleceu. Então dentro dessa história de amor linda do Fred com a Maria tem essa tragédia, que é um momento super triste, mas os dois primeiros continuam juntos e, nasce depois os dois filhos do casal. Porém, eles se separaram no início da pandemia. Para Fred encarar uma pandemia longe dos filhos de certa forma, não podendo ver tanto e separado da esposa, foi muito duro para ele. Por isso que eu falo, olha esse livro são fortes emoções, viu?
MTR: Eu vejo que tem muita coisa relacionada a carreira, mas também muitos momentos pessoais. Como foi para garantir esse equilíbrio?
Pedro: Eu acho que é impossível desassociar uma vida profissional de uma vida pessoal. Se a gente estiver triste porque aconteceu alguma coisa ruim com algum familiar ou com o companheiro ou companheira, com filho, isso vai impactar no nosso trabalho e vice-versa. Mas eu tento sempre fazer um livro focado no lado profissional. Eu acho que uma coisa do pessoal é importante trazer para o livro quando impacta no profissional, para que eu o leitor entenda. Esses dramas pessoais do Fred, como é uma coisa muito relevante, eu trago. Porque além dessa questão amorosa do Fred, ele teve uma época em que ele estava bebendo muito, por conta da doença da Júlia e do falecimento dela. Ele vai fazer um show que é muito importante, porque era um show no Réveillon em Fernando de Noronha, e ele não sabe bem o que bebeu de tarde, chega e vai dormir, e na hora do show simplesmente dá um branco e ele não lembrava a letra das músicas, ele teve um apagão. A partir dali, o produtor de estrada da época, começa com uma postura de vetar a bebida antes do show, só liberar depois. É uma coisa pessoal, como o alcoolismo que pode te prejudicar, você pode beber mais e perder a hora do show ou depois do show, você pode dar PT, brigar com uma fã, dar uma porrada num jornalista. Então são coisas pessoais que afetam a vida profissional, aí eu trago para o livro.
A morte do próprio Chico Science impactou todo o movimento e fez com que Fred e Renato L escrevessem o Segundo Manifesto. Um falecimento, que não foi nada profissional, mas afetou todas aquelas pessoas.
MTR: Sobre o Manguebeat, é bem comum que as pessoas lembrem de Chico Science e da Nação Zumbi, mas o Mundo Livre foi parte fundamental pra que todo aquele movimento acontecesse. Qual a importância do Mundo Livre S/A para esse grande movimento?
Pedro: Na verdade o Mundo Livre s/a e a Nação Zumbi acabaram sendo a ponto de lança do movimento porque ele viveram juntos e foram as duas primeiras bandas a lançar CD. As duas bandas lançaram juntas o primeiro disco em 94 e as outras bandas da mesma geração lançaram logo depois. Eddie lançou o primeiro disco em 98, o Devotos também só em 98. Então, já era um tempo depois que essas duas bandas já tinham saído para o mercado. Mas eu acho todas muito importantes independente de ser primeira ou segunda geração. Independente de a banda ser mais por um lado regional, como é o caso do cascabulho ou Mestre Ambrósio, ou de vir um pouco depois, como o Sheik Tosado, todas são relevantes, todo mundo ali é Manguebeat.
A imprensa é que precisa desse factual. Uma coisa que eu fiz questão de colocar no livro foi o quanto a imprensa instigou para que o Manguebeat elegesse um líder, só que nunca teve um líder. Chico nunca se colocou nesse lugar. É um movimento coletivo. Jorge Du Peixe menciona na entrevista que Chico ficava incomodado com esse título e até já conversava internamente de chamar a banda apenas de Nação Zumbi. Porque esse negócio de ter o nome dele na frente vinha de outra banda, quando era Chico e o Lamento Negro e aí ficou Chico e Nação Zumbi.
A imprensa viu que Fred não ia assumir esse cargo, aí ela tentou colar em Silvério Pessoa, do Cascabulho, porque ele também tinha uma história bonita de o nome da banda vir de uma comida que a avó dava para os porcos no interior de Pernambuco. Tinha uma storytelling legal, mas aí Silvério também não queria ser o líder. Depois tentaram colar essa peça no China. Poxa, o China tinha 18 anos e também não rolou.
O Manguebeat sempre teve essa característica coletiva, que se ampliou para além da música, para a moda, literatura, o audiovisual, cujo marco foi o “Baile Perfumado”, em que a trilha sonora é feita pela galera do Mangue, por Fred , Siba, Stela Campos. Daí veio uma geração de cineastas, como Paulo Caldas, o Lírio Ferreira, o Cláudio Assis que fizeram filmes como “Amarelo Manga”, “Cheiro do Ralo”, que são filmes que falam sobre essa galera.
Pedro destaca que os primeiros videoclipes foram encabeçados por esses nomes do audiovisual pernambucano, mas à medida que as bandas foram abrindo os olhos das grandes gravadoras, produtores do Sudeste ocuparam esse lugar.
Foram produtores e cineastas do Rio de Janeiro, São Paulo que vieram dirigir os clipes. Acabou não tendo essa devolutiva de trazer a grana do Sudeste para fazer com a galera que estava no Mangue desde o início.
MTR: Para você, como essa biografia vai contribuir de alguma forma para a trajetória que o Mundo Livre S/A vem construindo, assim como para que se consolide admiração de quem já conhece a banda e também para instigar mais pessoas a conhecerem?
Pedro: Quando eu faço um livro, ele é subjetivo, não é um livro só para entreter. Não é pra ser algo “Ah delícia! Puxa, li em 3 dias” . Todos os livros meus têm um objetivo além do próprio entretenimento, que é o de gerar uma reflexão a partir da história, que possa trazer algumas coisas de aplicações práticas para sua vida. Então, por exemplo, se a pessoa for músico, com certeza, ela vai tirar várias lições, insights, boas ideias, mas se ela for uma pessoa simplesmente que tem interesse em conhecer as histórias do rock nacional, lá também vai com certeza ter boas histórias para conversar no bar, para contar para os amigos.
No caso do Mundo Livre, eu tenho muita esperança de que esse livro gere mais interesse sobre a banda e a partir disso as pessoas conheçam toda discografia, comprem os discos. Além disso, acho que é importante que eles tenham o reconhecimento que merecem. Sobretudo o Fred tenha esse retorno da esquerda brasileira e essa é uma questão que o [Fábio] Trummer, da Eddie, toca é que Fred é um dos grandes nomes da esquerda brasileira muito tempo antes de as pessoas ficarem cobrando nas redes sociais posicionamento dos artistas. Ele já faz isso de forma não partidária, sem pedir nada em troca, sem pedir apoio político sempre.
Acho inclusive que foi muito legal que esse ano de 2024 no Dia Estadual da Manguebeat, a banda recebeu uma placa em sua homenagem. Acho que é um reconhecimento muito bacana, mas tem que ter muito mais. Eu espero que o estado de Pernambuco, a cidade do Recife sempre pensem neles como um dos artistas mais importantes independente se for um governo de esquerda ou não, porque esses caras colocaram Pernambuco num lugar importante no Brasil e no mundo.
E não só o Mundo Livre, mas toda essas bandas que estiveram aí nessa luta desde os 80, tem que sempre ser levadas em conta, tem que realmente tocar, tem que tocar nas outras cidades do interior. Shows de carnaval, shows de réveillon, aniversário da cidade, isso é importante, mas não é só isso. Acho que tem que prestigiar mesmo prestigiar porque esses caras são patrimônios da cidade.
Ainda não há previsão de lançamento do livro em Pernambuco, mas até lá, Pedro de Luna vem atualizando suas redes sociais com curiosidades sobre o Mundo Livre S/A e já deixando aquele gostinho do que vem por aí na biografia.
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