Amostragem: mostra audiovisual começa nesta quarta-feira em Surubim
- Guilherme dos Santos
- 23 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: 24 de abr.
Festival traz exibições de filmes, formações e debates sobre cinema, território e afro-surrealismo

A chegada do trem do audiovisual está marcada para hoje, e os trilhos guiam para um destino bastante fértil: Surubim, no Agreste pernambucano, a cidade que será palco da sexta edição da Amostragem. O festival começa nesta quarta-feira (23) e vai até domingo (27), com uma programação recheada de diversidade, master classes, debates sobre memória e cinema e muitos filmes produzidos em diferentes partes do Brasil. O evento gratuito ocupa o Casa das Juventudes e outros espaços na cidade e todas as produções contam com linguagem acessível.

Com uma curadoria que foca na produção de pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas, a Amostragem surgiu em 2017, a partir do inquietamento do produtor e figurinista Paulo Ricardo em relação ao acesso ao cinema no interior de Pernambuco. Natural de Surubim, o realizador viu a necessidade de uma iniciativa para contornar o cenário na cidade e em outros territórios. “Naquele ano, a arte estava sendo massacrada pela extrema direita, e a minha preocupação foi essa. A primeira coisa que quis fazer foi democratizar o cinema”, conta.
Agora, na sexta edição, a mostra continua com esse papel, e recebe filmes produzidos por pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas vindas de toda parte do país. Para Paulo, que também atuou como curador, a seleção foi um grande desafio. “Houve muitas inscrições e vieram muitos filmes bons. Foram quase 100. Infelizmente não podemos exibir todos, né? Essa é a dor e a delícia de fazer curadoria”, diz.
A programação do festival conta com quatro sessões de curtas, uma sessão de longas, duas masterclasses e dois encontros com realizadores sobre a produção audiovisual em territórios periféricos. Além disso, dois intérpretes de libras estarão presentes no evento, para garantir a participação de todo público. Os filmes também contarão com legendas e audiodescrição.
“Eu, enquanto PCD, fiz questão de garantir a acessibilidade desde que os editais passaram a solicitar. É muito importante, e acho que essa é uma das bases da Amostragem”, declara o realizador.

Afro-surrealismo e memória
Um quê de afro-surrealismo também faz parte da Amostragem. Na sessão competitiva de curtas, intitulada “Quem tem medo de afro-surrealismo?”, as produções selecionadas colocam o protagonismo negro em evidência, ao passo que amplia as dimensões para desenvolvê-lo. Para a cineasta Lia Letícia, que participa da mostra com o curta “Mar de Dentro” (2024), “entender o afro-surrealismo como busca para enxergar a história negra como fuga, seja histórica, seja existencial”, torna o filme produzido por ela um colaborador do conceito.
“Mar de Dentro”, que conta a história de um homem negro e sua saga para fugir de uma prisão arbitrária ocorrida durante a ditadura Vargas, surge a partir de relatos reais que resultam no retrato poético.
“Preto Sergio, nosso anti herói, escapa de qualquer enquadramento que o colocam: em plena ditadura Vargas, sendo um jovem negro encarcerado injustamente, busca uma rota de fuga absolutamente inusitada. Entender as rotas de fugas negras, insurreições e insubmissões como essa alternativa, talvez o coloque existencialmente como afro-surrealista”, diz.

O festival também deve passear por mais memórias e territórios. Na Jóia do Agreste, a sessão de encerramento, dois filmes retratam personalidades e reconstroem cenários que ainda ecoam por aí. Em O Martírio de Evandro (1987), filme surubinense de Edvaldo Clemente, é abordado a repercussão do assassinato e a vida de Evandro Cavalcanti. Advogado que lutava pelas causas trabalhistas e pela reforma agrária, Evandro foi morto em 1987 e tornou-se símbolo da luta dos trabalhadores rurais.
“O documentário foi feito justamente na época do assassinato, então tem toda aquela comoção. Até me arrepio”, conta Paulo, conterrâneo da cidade.
Já “Consuella” (2023), de Alexandre Figuerôa, narra a trajetória de Consuella, travesti pioneira na causa LGBTQIA+ na cidade do Recife. Narrada a partir de fotos e depoimentos daquelas pessoas que conviveram com ela, o filme traz o recorte da capital nos anos 1980.
“Evandro e Consuella são pessoas completamente diferentes, mas igualmente necessários para a luta e resistência. Principalmente para os jovens, que podem conhecê-los. Para quem já conhece, revive”, conclui.
Possibilidade de criar – e ampliar
Possível graças ao edital da Lei Paulo Gustavo, desde sua estreia o projeto da Amostragem busca aumentar o alcance do público. Este ano é a primeira vez que a mostra acontece em mais de um espaço além do Casa das Juventudes – ou Centro Cultural –, no centro da cidade, como na comunidade do Mimoso, zona rural de Surubim. Para Paulo, as políticas públicas de incentivo à cultura são fundamentais para que o festival aconteça.
“Elas ajudaram a possibilitar a mostra em Surubim. Hoje podemos ter pessoas trabalhando para a Amostragem. Posso ter um bom som, uma boa estrutura, para tentar trazer o clima do cinema”, destaca.
A abertura da Amostragem acontece hoje, a partir das 19h30, na praça do bairro da Chã do Marinheiro. Confira a programação completa:
Confira a programação completa:
23 de abril – Quarta-feira (Abertura)
19h30 Sessão de curtas-metragem – Praça da Chã de Marinheiro
“Faustina – Música Para Viver” de Vitória Teixeira (SP, 2023)
“Enquanto dormes” Inédito de Igor Bezerra Ferreira – (RN, 2024)
“Caça-palavras” de Lívia Lima (MA, 2023)
“Memórias Severinas: Existimos porque contamos histórias” de João Victor Rocha de Lima; Co-direção: Joelma Carla da Silva, João Marcelo, Selly Costa (PE, 2024)
“A menina que queria voar” de Tais Amordivino (BA, 2024)
24 de abril – Quinta-feira
9h – Masterclass Cinema e Identidade com Alba Azevedo
Escola – técnica Antônio Arruda Farias- ETE, Centro
19h30 – Sessão de curtas-metragem – Mimoso – Comunidade Rural
“Mansos” de Juliana Segóvia (MT, 2024)
“O menino da pedra” de Darley Matias (PB, 2024)
“Benzô” de Letícia Andra (SP, 202)
“O enterro de Biu” Inédito de Henrique Almeida (PE, 2025)
“Além das pipas” de Thiago Oliveira (SP, 2023)
25 de abril – Sexta-feira
13h30 – Masterclass Fazer Cinema é Contar Nossas Histórias Com Paulo Ricardo da Costa – EREM Severino Farias – Centro
19h30 – Sessão de Longa – O Trem do Soul de Clementino JR + Coquetel – Centro Cultural Dr. José Nivaldo
26 de abril – Sábado
9h – Encontro com realizadores de territórios periféricos no Auditório da Pousada Jucazinho
19h30 – Mostra Competitiva de curtas metragem – “Quem Tem Medo de Afrosurrealismo“ com júri popular
Centro Cultural Dr. José Nivaldo
“Mira – Inédito“ de Sóllon Rodrigues (PB, 2024)
“Mergulhão” de Rogi Silva e Juliana Soares (PE, 2024)
“Punhal” de Clementino Junior (RJ, 2024)
“Firmina“ de Izah Neiva (SP, 2023)
“Aláfia – Inédito” de Cecilia Fontenele (PB, 2025)
“Mar de dentro” de Lia Letícia (PB, 2025)
“Dia de preto” de Beto Oliveira (SP, 2023)
27 de abril – Domingo
10h – Masterclass Acessibilidade com Liliana Tavares
Auditório da Pousada Jucazinho
Encerramento – 16h
Sessão Joia do Agreste, Resistência e Memória.
Exibição de filme surubinense
‘O martírio de Evandro’ de Edvaldo Clemente sobre oassassinato do líder (1987)
sindicalista Evandro Cavalcanti + Consuella de Alexandre Figueirôa
Entrega do troféu Joia do Agreste ao Melhor Curta-metragem.
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