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“Eu era a única mulher nessa cena”: Rayssa Dias revisita trajetória com Coquetel Molotov e afirma nova fase na carreira

Em entrevista exclusiva, cantora fala sobre machismo na cena, afirmação feminina e o festival que impulsionou sua presença nos principais palcos do país


Foi em 2018 que, sem ao menos saber o que era um festival,  Rayssa Dias subiu ao palco do Coquetel Molotov pela primeira vez. Vinda do brega romântico e recém descoberta no universo do brega funk, a cantora olindense, cria do bairro de Salgadinho, encarava a apresentação como mais uma chance de mostrar sua voz. O que ela não imaginava e não demorou a perceber é que aquele show abriria uma sequência de participações que transformariam toda a sua carreira e seu entendimento do brega funk como uma expressão cultural latente dentro das periferias e de toda a cena musical pernambucana.


Hoje, Rayssa é um dos exemplos mais claros do papel do No Ar Coquetel Molotov como uma plataforma de lançamento e fortalecimento de artistas locais. Criado em 2004 pela produtora Ana Garcia (ou Ana Molotov), o festival construiu uma trajetória que vai muito além de uma noite de programação musical, tendo se tornado um agente de experimentação e visibilidade para nomes que vieram a decolar no Brasil e no exterior – entre eles, Amaro Freitas, Bione, Luiz Lins, Uana e a própria Rayssa Dias.


Imagem: Divulgação/ Rayssa Dias
Imagem: Divulgação/ Rayssa Dias

A história da artista, entretanto, começou bem antes dos palcos do Molotov. Irmã mais velha de mais três irmãos, Rayssa se arriscou nas primeiras composições aos 12 anos. Com o tempo, vieram passagens por recitais de poesia, tais como o Slam das Minas PE e o Boca no Trombone, que ajudaram a artista a encontrar uma identidade própria. Já na adolescência, ela integrou projetos que resultaram na formação das bandas Dengo e Me Usa, até estrear no brega romântico com a canção autoral Doce Ilusão, lançada em 2017. “Eu sempre fui muito romântica, escrevia poemas e textinhos, não demorou para começar a escrever músicas sobre amor", conta. Produzida por Dany Bala, aprendeu a lidar com o estúdio e com o público de baile, ainda distante dos circuitos independentes.


A virada veio com o encontro com Amanda Timóteo, artista e produtora que a incentivou a enxergar o brega como um espaço de fala e de contraponto à misoginia e à heteronormatividade ainda presentes na cena musical.


“Lembro quando ela disse: ‘falar de amor é massa, é lindo, mas todo mundo fala sobre. Você não é resumida a isso’. Foi quando eu abri os olhos pra notar o machismo ao meu redor. Ter a consciência de que eu era a única mulher nessa cena foi muito importante pra mim. Quando eu faço música agora não é só pensando em ser chiclete, tem que ter um significado”.

A partir dessa reflexão, Rayssa passou a escrever sobre autonomia feminina e sexualidade livre, temas que nortearam o single “Fica na Tua” e, futuramente, estruturaram o EP Independente, lançado em 2024.


Opa, peço licença para recomendar que todos escutem a faixa-título, Independente. Com um sample de “O Auto da Compadecida” e referências a Angela Davis, a música afirma Rayssa em um novo patamar, fundindo brega funk e linguagem pop com um brilho próprio que só as periferias pernambucanas são capazes de protagonizar.


Entre 2018 e 2024, Rayssa participou de quatro edições do Coquetel Molotov. Nesse intervalo, sua trajetória se transformou em uma coleção de festivais: em 2022, integrou a programação do Afropunk Bahia; em 2023, passou pelo Wehoo Festival; em 2024, subiu ao palco do Rec-Beat, quando participou do show da rapper baiana Duquesa; em 2025, marcou presença no Favela Sound, entre vários outros eventos que inseriram seu gingado em circuitos onde antes ele não circulava através de vozes femininas. No mesmo período, a olindense também venceu o Brega Awards 2024 na categoria Melhor MC Mulher.


Imagem: Rayssa Dias no Festival Favela Sounds/ Divulgação
Imagem: Rayssa Dias no Festival Favela Sounds/ Divulgação

Esse papel de agente fomentador da movimentação cultural é parte do DNA do Coquetel Molotov. O evento, que nasceu da vontade de tornar o underground pop, aposta em trocas certeiras, com uma curadoria sempre atenta ao panorama sociomusical da época.


Hoje, dedicada ao crescimento pessoal, a cantora está afastada dos palcos desde o início de 2025. Em entrevista à Manguetown, fala da “Rayssa Dias, a artista” e da “Rayssa, a mulher por trás”, como identidades que precisaram se afastar para se reencontrar. O festival, ainda assim, segue no horizonte: em 2026, Dias deve retornar em projetos internacionais organizados pelo próprio Coquetel Molotov, levando o mel de sua voz para palcos fora do Brasil. “Eu admiro muito o trabalho de Ana e o compromisso que ela tem com a diversidade na programação, essa valorização da arte local e dos nossos artistas pernambucanos dos mais variados estilos. Tem espaço pra todo mundo”.


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