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10 anos novamente

Crônica de Guilherme dos Santos, repórter da Manguetown Revista


Li um poema no livro”Jogo Baixo”, de José dos Santos, autor independente que conheci há pouco tempo. Ele falava sobre a vida adulta e sobre como o autor desejava permanecer menino, mesmo com as responsabilidades e demandas que o mundo passou a exigir dele. A leitura me fez refletir sobre o que eu faria se fosse de novo criança, e o que ainda resta da minha antiga versão em mim.


Bom, se eu tivesse uns 10 anos novamente, eu estaria levantando em uma beliche, para minha sorte e alegria na parte de cima, coisa que eu simplesmente amava. Para mim era um luxo, e eu chamava aquilo de “meu apartamento”. Agradeço a lógica da minha mãe, que decidia que como eu era o filho mais novo, era mais leve, e por isso deveria ficar no alto, para não pesar. Eu acordaria nesse meu apartamento e desceria as suas escadas, e se estivesse muito animado, até poderia descer de elevador (daria um pulo).

 

Se eu tivesse 10 anos novamente, eu não precisaria de despertador marcando hora alguma, pois o que me acordaria seria a música alta vinda do som de casa. O repertório era sempre o mesmo: de Banda Calypso a Calcinha Preta, essa era a trilha sonora dos dias de faxina da minha mãe. Se ela tivesse seus 30 anos novamente, pediria para eu tomar cuidado com o chão molhado, e de repente para mim ele se tornaria larva, e o objetivo maior da minha vida seria não encostar nessa superfície protegida por ela.

 

Se eu tivesse 10 anos novamente, na mesa de seis cadeiras ou no sofá, eu tomaria meu café da manhã. O pão e o café com leite davam um gosto a mais na hora de assistir aos desenhos na televisão. Em dia de faxina, no entanto, isso se tornaria uma decepção total, pois a voz da Joelma tomaria conta da sala e eu não ia conseguir acompanhar mais uma aventura do Ben 10. Nessa hora juro que eu apoiava todas as luas e as suas traições à essa loira cantando calypso.

 

Se eu tivesse 10 anos novamente, depois do meu desenho e do meu café, chegaria também a hora de ajudar nos serviços domésticos. Lavar, secar e guardar a louça seria a principal função. Viria também o momento em que minha mãe iria ao mercado, mas antes disso deixaria a missão de encher as garrafas de água, e colocá-las na geladeira. É claro que eu só começava essa tarefa quando ouvia o barulho no portão já anunciando a volta dela.

 

Se eu tivesse 10 anos novamente, estaria odiando essa época do ano. A programação da TV iria ficar toda estranha, mostrando o carnaval em vários lugares em que eu nem sonhava em estar presente. Qual era a graça para um menino de 10 anos ver outras pessoas se divertirem e ele não?

 

Se eu tivesse 10 anos novamente não leria o poema, tampouco escreveria esse texto. Gastaria minha atenção em mais um episódio de Ben 10 e imaginando como seria minha vida depois dos 20. Me imaginaria casado, depois de ter vivido um amor de novela, com carro e com dinheiro, e exercendo alguma das milhares de profissões que já pensei quando tinha 10 anos (Que eu me lembre, jornalismo ainda não era uma delas).

 

Porém, agora na casa dos 20, não estou casado, não tenho e nem sei dirigir um carro, e sobre dinheiro, estou esperando ansiosamente a bolsa do meu estágio cair pra viver o carnaval, que dessa vez deixou de ser uma programação ruim na TV. Hoje moro em um apartamento de verdade, e desperto todos os dias na mesma hora com o som padrão do despertador do meu celular. Não tem mais a voz Joelma, da minha mãe, que mora longe, nem de personagens de desenho infantil, mas mesmo assim tenho que levantar da cama para cumprir minhas obrigações diárias. 

 

Na verdade, imaginando se eu tivesse 10 anos novamente, descubro que eu já não seria eu. Tudo teria um ritmo diferente se eu tivesse 10 anos novamente. O tempo, a música. No entanto, apesar de muita coisa ter mudado, acho que ainda carrego essa outra versão de mim. Confesso que até coloco a Banda Calypso para me dar energia nas faxinas que agora sou eu quem faço, ou para escrever um texto pensando se eu tivesse 10 anos novamente.

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