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20 anos do Grupo Magiluth: uma história de necessidades e desejos

Foto do escritor: Maria Eduarda SilvaMaria Eduarda Silva

Inspirado nos seus três principais eixos - pesquisa, criação e formação artística - coletivo teatral celebra duas décadas em 2024


Em comemoração às duas décadas de trajetória, o Grupo Magiluth, coletivo teatral pernambucano, celebra seus 20 anos em 2024 com uma intensa programação que reflete seus três pilares fundamentais: pesquisa, criação e formação artística. Reconhecido pela diversidade de suas propostas estéticas e pela contínua experimentação, o grupo marca essa data especial com uma série de mesas de debate, estudos e reapresentações de suas obras mais emblemáticas.


O Magiluth surgiu na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fruto da disciplina "Fundamentos da Expressão e da Comunicação", ministrada por Paulo Michelotto. Foi nesse contexto que quatro amigos — Marcelo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres e Thiago Liberdade — decidiram explorar o "Ato sem Palavras" de Samuel Beckett. O trabalho despertou neles o desejo de continuar investigando as possibilidades do teatro. Impulso que levou à fundação do grupo, que desde então não parou mais. 


Durante o período na universidade, o grupo criou os espetáculos "Ato" e "Corra", que foram decisivos na consolidação de sua identidade artística. O professor e crítico teatral Luis Reis relembra com entusiasmo o impacto causado pelo trabalho do Magiluth: “Eu assisti o primeiro espetáculo deles e aquilo me causou um impacto muito grande. Achei que havia uma evidente comunhão de talentos ali. Era o espetáculo ‘Corra’, que era muito instigante, uma coisa inovadora e [ali] eles já me tocaram.”


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O nome "Magiluth" carrega em si a união das iniciais dos nomes dos fundadores, o termo foi escolhido quando o grupo foi aprovado em seu primeiro festival. Desde então, "Magiluth" se tornou um símbolo da colaboração criativa e da amizade que impulsionaram o grupo desde seus primeiros passos até ser apontado pela crítica e pelo público como um dos mais relevantes grupos teatrais do país. O coletivo ganhou reforços com a chegada de Pedro Wagner, em 2009, Erivaldo Oliveira, em 2010, Mário Sérgio Cabral, em 2012 e Bruno Parmera, em 2016.


Magia e Luta: a essência do grupo


A essência do Grupo Magiluth é marcada por um constante dilema entre a necessidade e o desejo, o que faz com que sejam guiados por uma lógica de sobrevivência que não se dissocia da criação artística. 


A necessidade de sobrevivência é algo crucial no trabalho do Magiluth, pois vai além do sustento econômico. Essa urgência de criar para continuar existindo no cenário teatral permeia todas as suas decisões. “Então, a gente é obreiro da arte, a gente trabalha com obra. Consequentemente, é artista. Mas, antes de ser artista, a gente é obreiro. E, como um bom obreiro e trabalhador, a gente tem que sobreviver”, ressaltou Pedro Wagner, integrante do grupo.


Erivaldo Oliveira, também integrante do grupo, comentou sobre como ocorre o processo criativo deles “Ao longo desses anos, a gente teve alguns trabalhos, que a maioria deles a gente fez muito por uma necessidade e por ter passado em um edital. A grande maioria deles. Os outros foram produção nossa e desejo nosso de fazer. Geralmente as coisas batem a partir do momento em que a gente está vivendo. E precisa ter uma criação constantemente. Precisa ter uma criação, uma peça nova para poder circular, para poder vender para os festivais, para poder se manter enquanto coletivo. Algumas dessas peças surgiram a partir dessa necessidade de sobrevivência e outras foram de desejo íntimo, de vontade de fazer.”


Pedro destaca que, embora a criação seja impulsionada por uma necessidade de sobrevivência — como atender às exigências de editais e criar obras que possam ser vendidas para festivais —, essa mesma necessidade nunca ofusca o desejo genuíno de criar algo significativo e impactante. Há uma constante busca por equilíbrio entre a produção orientada por demandas externas e a vontade interna de explorar temas que ressoam com o momento presente. Essa dinâmica faz com que o grupo esteja sempre alinhando suas criações com o que está acontecendo no mundo e na vida de cada um de seus membros.



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Pedro enfatiza que essa sobrevivência além de financeira, também é criativa e emocional. O grupo precisa se reinventar continuamente, criando novas peças que não só mantenham o público engajado, mas que também ressoem profundamente com as experiências e sentimentos dos integrantes. Eles entendem que para sobreviver como coletivo, não basta apenas criar; é preciso que cada projeto tenha um sentido e que todos se sintam atravessados por ele. A ideia é que, para que o público sinta a obra de maneira intensa, ela deve ser concebida a partir das vivências e identidades daqueles que a criam.


Luis Reis destaca que esse é o principal motivo do Magiluth ter ganhado tanto espaço e notoriedade com o passar dos anos. “É uma confluência de talentos artísticos, intelectuais e também talentos de relacionamento, talentos de gestão, de comunicação. Eles são pessoas muito ligadas, muito versáteis e, sobretudo, são trabalhadores. Esses meninos trabalham muito. Eles trabalham, sabe, 24 horas por dia, 7 dias por semana.”


Dificuldades da carreira independente


Apesar de ser atualmente um dos grupos teatrais mais aclamados em Pernambuco, as dificuldades enfrentadas pelo Grupo Magiluth acontecem em diferentes âmbitos, impactando todos os aspectos de seu trabalho. Eles lidam com desafios financeiros, criativos, logísticos e institucionais que muitas vezes ameaçam limitar o alcance de suas criações. A precariedade dos espaços públicos, que deveriam fornecer suporte adequado para apresentações, acaba sobrecarregando a gestão interna do grupo, o que desvia energia e recursos que poderiam ser direcionados para o desenvolvimento artístico.


Além das dificuldades materiais, o grupo enfrenta desafios criativos, questionando constantemente se estão no caminho certo, se a proposta artística será bem-sucedida e como melhor comunicar suas ideias ao público. Pedro Wagner destaca a complexidade de atrair espectadores em um contexto onde a arte precisa não apenas entreter, mas também provocar, confrontar e, por vezes, desconcertar. O Magiluth busca criar um impacto duradouro, algo que vá além do mero prazer, atingindo o público de forma profunda e incômoda, sem perder a relevância ou o senso de entretenimento ativo.


Essa luta para equilibrar a pertinência artística com as demandas de sobrevivência torna o processo criativo desafiador, muitas vezes limitando a liberdade de experimentação. Essas dificuldades, que permeiam todas as áreas de atuação do grupo, têm sido uma realidade constante ao longo de suas duas décadas de existência. Mesmo após 20 anos de história, o Magiluth continua a sobreviver em meio a essas adversidades, adaptando-se e resistindo.


Morte e Vida e Miró: Estudos que se conectam


Os estudos "Morte e Vida" e "Miró" se conectam de maneira profunda, tanto em suas abordagens estéticas quanto em suas origens criativas. Ambos nasceram em um período de intensa experimentação do Grupo Magiluth, quando as linguagens e formas de expressão começaram a se entrelaçar e a se influenciar mutuamente. "Miró", concebido inicialmente em 2015/2016, surgiu de um desejo profundo de explorar a obra poética de Miró da Muribeca, refletindo uma necessidade de dialogar com a poesia crua e visceral do autor pernambucano. Apesar de sua concepção anterior, foi a urgência imposta pela pandemia que alinhou "Miró" com o desenvolvimento de "Morte e Vida", especialmente quando o SESC São Paulo solicitou, em 2020, uma peça baseada em "Morte e Vida Severina".



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Essa sincronia levou a uma fusão de métodos e ideias entre os dois estudos. Enquanto "Morte e Vida" explora a trajetória de um migrante do interior para a capital, "Miró" inverte essa dinâmica, mostrando a expulsão do centro em direção à margem. Esse movimento contrário, porém complementar, reflete a mesma pessoa, ou ao menos a mesma essência, em diferentes circunstâncias sociais e geográficas. 


Os elementos cênicos e técnicos utilizados em ambos os estudos também se conectam, com a incorporação de projeções, uso de microfones e a exploração da presença física e da palavra no espaço teatral. O "Estudo Nº1", associado a "Morte e Vida", investiga o processo de criação de uma peça de teatro, enquanto o "Estudo Nº2", relacionado a "Miró", se aprofunda na construção de uma personagem. Ambas as obras tratam de poetas pernambucanos, e o grupo utiliza suas palavras como matéria-prima para a dramaturgia, construindo uma ponte entre a poesia concreta e objetiva de João Cabral de Melo Neto e a linguagem mais subjetiva e performática de Miró.


Além disso, há uma forte presença do conceito de "estudo" em cena, que dialoga com o teatro contemporâneo, onde a pesquisa e a performance se fundem, criando um espaço híbrido que ultrapassa as fronteiras entre teatro, performance e academicismo. Essa abordagem resulta em um teatro que revela suas camadas ao público e, assim,  permite que a estrutura e o processo criativo sejam tão evidentes quanto o produto final, criando uma experiência que é tanto metalinguística quanto visceral.


Expectativas para o futuro


O futuro do Grupo Magiluth está repleto de expectativas e promessas, com grandes projetos à vista. Em setembro, o grupo se prepara para estrear sua nova peça, "Édipo Rec", que tem gerado muita empolgação entre os integrantes. Esse novo trabalho é uma continuação da parceria com o diretor Luiz Fernando Marques, conhecido como Lubi, que já dirigiu várias produções anteriores do grupo. O processo de criação tem sido intenso, com um período de imersão recente em Caruaru que ajudou a moldar a primeira parte da peça. 


"Édipo Rec" não é apenas uma nova adaptação de "Édipo Rei" de Sófocles, mas uma obra que dialoga diretamente com o cinema e a ideia de presença no teatro, uma discussão central no trabalho de Lubi. A peça promete explorar a relação entre teatro e cinema, focando naquilo que o cinema não consegue capturar: a presença física e imediata dos atores em cena. O título "Édipo Rec" carrega múltiplos significados, referindo-se tanto à cidade de Recife quanto ao ato de gravação, criando um jogo de palavras que reforça a intersecção entre as duas artes. “Sófocles fez Édipo Rei, Pasolini fez uma adaptação para o cinema chamado Édipo Rex, e aí a gente do Magiluth faz o Édipo Rec, Rec de Recife, Rec de gravando”, costuma falar o diretor do espetáculo.


Além disso, o grupo tem ampliado sua diversidade com a inclusão de novos talentos como Nashi, que assume o papel de Jocasta, marcando o retorno de uma presença feminina ao elenco principal após muitos anos. Esse novo capítulo na história do Magiluth não só reforça sua continuidade em inovar e explorar novas linguagens teatrais, mas também sinaliza um futuro vibrante, onde o grupo continua a desafiar as convenções e a criar obras que ressoam com o público e o tempo presente. A estreia está marcada para o dia 26 de setembro, e a expectativa é alta para ver como essa nova criação vai impactar a cena teatral brasileira.


“A associação deles com o Lubi, Luiz Fernando, que é um encenador paulista, muito brilhante também. É sempre muito boa, sempre teatralmente muito rica. Então, quando eles se aproximam de um clássico feito o Édipo Rei, e trazendo para a contemporaneidade, para as questões atuais, as questões dele. Só pode dar coisa boa. Eu estou muito feliz com essa opção. Eu sabia que eles vinham namorando os clássicos, assim, há algum tempo. E fico muito instigado. Vou logo para a estreia”, comentou Luis Reis sobre o novo espetáculo do grupo.



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Para o Grupo Magiluth, o futuro não se desenha apenas como uma linha contínua de criações e projetos; ele é uma prova constante de resiliência e determinação. Como Pedro Wagner coloca de forma incisiva, o grupo sobrevive e prospera graças a uma "insistência" quase obstinada. Em um mundo onde as forças do mercado e as pressões sociais parecem querer silenciar o teatro e os espaços de presença, o Magiluth se recusa a ceder. Eles continuam a criar, a desafiar, a encontrar beleza e sentido na presença, no encontro e na discussão de ideias. 


Esses 20 anos de história são marcados por uma persistência que é tanto prática quanto filosófica, uma resistência "carrapato", como Pedro descreve, inspirada por uma energia poderosa, que busca sempre o "devir", a construção contínua da beleza e do diálogo. É essa insistência, essa recusa em desistir diante das adversidades, que mantém o grupo vivo e pulsante. E, como Pedro destaca, essa longevidade não seria possível sem o público fiel que acompanha o grupo, preenchendo os teatros e fazendo parte dessa jornada de duas décadas. 


O Magiluth existe porque continua insistindo, porque se recusa a parar, porque entende que cada nova peça, cada novo encontro com o público, é uma afirmação de vida e de arte. E enquanto houver insistência, haverá Magiluth.



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