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Bione: bota a “Braba” no palco, que ela só sobe com pedrada

Poeta, rapper e inspiração de um dos megamurais que tomaram conta no centro do Recife, Julia Bione  toma cada vez espaços na cena cultural pernambucana


Mulher preta, lésbica e periférica, Bione transborda em suas letras e em sua atuação no meio cultural a vivência dos grupos sociais que integra, além de questionar a desigualdade de oportunidades local e nacionalmente. É neste cenário que a artista propõe a criação da própria cena, como canta na música "Quem é Ela?".

 "Vocês querem vomitar o eixo?

Pra mim, pô?!

Eu sou o eixo.

Eu sou minha própria cena, tá ligado?!

Essa que vocês conhecem

pouco me importa."

 

 

De forma semelhante, "Pensei em Parar" também aborda a segregação que pessoas como ela enfrentam para que seu trabalho tenha visibilidade.

 

“Não me vem com essa pala de espacinho

É tudo nosso e não vai reverter

Me intitula "trap feminino"

Pra não assumir que não sabe fazer”

 

“Eu sou preta

num mundo racista

estrela

num mundo de artista”

 

 

Nas últimas semanas, Recife não teve como fechar os olhos e ouvidos para Bione. A artista ocupou o Teatro do Parque como uma das atrações do primeiro “O Eixo é Nois” e foi homenageada com o megamural “Ritmo e Poesia”, de autoria da crew feminina Pixe Girls. Com a carreira iniciada aos 14 anos de idade, a artista já carrega, nestes sete anos de trabalho, a representação de Pernambuco na final da batalha nacional de poesia falada Slam de 2018 e a vitória no Pré-Amp de 2020. Além disso, a poeta e rapper já colocou na rua a mixtape “Sai da Frente”, o livro “Furtiva” e seu primeiro disco “Ego”, composto por 10 músicas autorais.

 

Ritmo e Poesia

 


(Imagem: Raquel Suspira/ Divulgação)

As ruas do centro do Recife têm sido coloridas por grafiteiros e grafiteiras que assinam os megamurais espalhados pela região central da capital pernambucana. A iniciativa é da Secretaria Executiva de Inovação Urbana Municipal e acontece por meio de editais nos quais os artistas podem se inscrever. Ao todo, 24 projetos foram classificados, e 9 já podem ser apreciados nas ruas. A partir de agosto, a ação ganha uma nova etapa: todas as terças-feiras, o público poderá assistir a um documentário sobre cada processo de construção dos murais urbanos, no Teatro do Parque.

Entre ícones da música pernambucana, como Reginaldo Rossi e Naná Vasconcelos, bem como manifestações da cultura popular, como o frevo, o coco e o maracatu, está Bione, representando o hip hop e a juventude negra pernambucana.

"Ritmo e Poesia" é assinado pela crew Pixe Girls, composta exclusivamente por mulheres, que celebra uma década de trajetória em 2024. Segundo Tab, uma das integrantes, a ideia surgiu do desejo de homenagear uma pessoa em vida que representasse o rap no Recife. “Achamos que Bione seria a pessoa ideal para fazer com que os olhares fossem voltados para esse lugar”, explica. “Estamos celebrando dez anos de crew, e toda a nossa trajetória, resistência e luta ao longo dessa década se combinam com as letras dela e com o que ela traz em suas músicas”, completa a grafiteira.

Tab e Bubu são as responsáveis pela criação da arte. Somam-se a elas Iara Souza, com técnicas de pintura, Inay Victoria, Lalesca Verti e Tab Brüxä na execução do mural nas alturas para concluir o projeto de 275m², localizado no Edifício Garagem Central, na Rua da Saudade, na Boa Vista.


(Imagem: Raquel Suspira/ Divulgação)

Tab deu seu toque especial na representação de Bione. Na imagem, a rapper se assemelha a uma alienígena, um traço comum nas obras da grafiteira. Ela explica que seu intuito é provocar uma reflexão sobre a inclusão das múltiplas identidades e formas de existência na sociedade. “Tenho estudado a simbiose entre a minha personagem e personalidades que eu enxergo como dissidentes, e dentro desse contexto, eu entendi que Bione seria esse corpo que conversaria com o que a gente se propôs a comunicar”, afirma Tab.

 

O Eixo é nois 

 




Hannah Carvalho/ Divulgação


Hannah Carvalho/ Divulgação

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O evento, realizado pela Aqualtune Produções e pela Bola1Produção, tem o objetivo de enaltecer a criatividade artística nordestina e, principalmente, de Pernambuco. Assumindo o lugar de “eixo” em referência à música “Quem é Ela?” de Bione, a proposta questiona a carência de espaços para alguns artistas, principalmente mulheres e pessoas negras periféricas, além de subverter a lógica do Sudeste como capital de oportunidades quando o assunto é produção cultural.

Era uma noite de quinta-feira (11/7) quando Bione subiu ao palco após as estrondosas apresentações de Okado Canal e Bell Puã, respectivamente. Unidos em um mesmo festival, cada artista levou para a live session sua identidade, expressa nas letras, presença de palco e até no cenário, adaptado para cada show.

Bione faz questão de destacar, na sua vez, a importância do evento por levar ao teatro pessoas que talvez nunca imaginassem pisar lá, seja na plateia, como cantores ou na equipe envolvida no evento. Entregando letras potentes, ritmo envolvente e muita dança, a apresentação da rapper teve cenário assinado pela crew Pixe Girls. Tomaram o palco ainda um conjunto de mulheres negras e artistas: Larissa Pêssoa, Artia Lauandah e Larry na coreografia; Larissa Oliveira como DJ; a fadinha do violino, Julia Paulino; e Ana Nunes, a Preta, com participação especial.


Reprodução/ Redes Sociais

O show começa com Bione parcialmente nas sombras, apesar das luzes coloridas que atravessam o palco em feixes. Vem, então, a pergunta: “Quantos raps de mina tu sabe de cor?”. É com o poema “Pernambuco” que a cantora abre sua apresentação. Em um questionamento ferrenho à cena pernambucana, incluindo também o próprio público que, por vezes, paga caro em grandes festivais, mas não se dispõe a incentivar o trabalho de artistas independentes. E, é claro, se esta artista é mulher e preta, a condição é ainda mais desafiadora, como termina o poema: “Quantas rappers você segue do Nordeste?”.

 

 

Em seguida, Bione contagia a plateia com os sucessos “Bione”, “Sai da Frente”, “Amuleto”, “Segunda Conjugação”, “Toda Tua”, “Ego”, “Delas” e “Deixa as Garota Brincar”, esta última com direito a uma roda de mulheres que costuma se formar ao som de uma das músicas mais conhecidas da rapper. “Rap de Mina”, “Aprendendo com o Desenvolver” e “Quem é Ela?” completaram a noite na versão recitada.

Recife foi tomada pela força criativa de Bione, sem sombra de dúvida. O que a poeta e rapper trará a seguir é um mistério que aguça nossa curiosidade. Enquanto aguardamos a próxima pedrada, aproveite para conferir Ego. Este trabalho fez de Bione a primeira mulher pernambucana a lançar um álbum visual, conforme ela revelou em entrevista ao Brasil de Fato.



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