Inativo há mais de quatro décadas equipamento cultural precisa de vida para retomar
Inaugurado em 1911 como Cine Theatro de Variedades, o Cine Olinda foi, por décadas, um marco cultural no bairro do Carmo, em Olinda. Contudo, sua trajetória é marcada não apenas pelo brilho da sétima arte, mas também por um longo período de descaso, com luzes apagadas e sessões interrompidas.
Fechado desde a década de 1960, o espaço, que um dia foi referência cultural, sucumbiu ao abandono. Por volta de 1965, o Cine Olinda perdeu sua identidade original e foi transformado em um boliche, depósito de açúcar e outros usos que destoam da sétima arte, simbolizando o desprezo por um equipamento de imenso valor cultural.
A Manguetown Revista destaca a importância de construir uma cultura de qualidade que valorize a riqueza das cidades. Ao longo desta reportagem, será possível compreender os impactos do fechamento do Cine Olinda para diversos moradores e moradoras do município, além de acompanhar a luta dos cidadãos que se empenham para reabrir esse espaço tão necessário para a sociedade.
A lembrança de um espaço que nunca mais foi o mesmo
A nostalgia de Juliana Notari, artista plástica e olindense de 49 anos, é palpável ao relembrar suas raras visitas ao equipamento: "ah, o Cine Olinda... Eu lembro bem de assistir os filmes dos Trapalhões lá, com minha irmã. Lembro também dos filmes da Mônica, e minha mãe assistiu as obras de Akira Kurosawa lá. Era muito legal”. Para Juliana, o cinema era mais do que um lugar para assistir filmes; um espaço de memórias afetivas, profundamente ligado à sua infância e à cidade.
Ela destaca a importância dos cinemas de bairro, que fazem falta em Olinda e em várias outras cidades brasileiras: "faz muita falta, não é pouca não”. Juliana compara sua experiência em Olinda com sua vivência em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde frequentava o Cine Santa. A sensação de pertencimento e proximidade com o cinema de bairro é algo que ela lamenta ver desaparecendo, vítima da substituição por multiplexes em shoppings. Ela observa: "esse é um movimento que se alastra pelo Brasil e pelo mundo. Os espaços estavam ali, mas agora se concentram nos shoppings da vida”.
A situação do Cine Olinda reflete uma realidade crescente, em que o cinema de rua cede espaço aos grandes complexos comerciais. Por outro lado, a estudante de ciências sociais Isabela Penaforte, embora não tenha vivenciado o auge do Cine Olinda, se dedica à reabertura do espaço como parte de uma pesquisa acadêmica. Seu projeto, que mistura os cursos de Ciências Sociais e Cinema, visa ressaltar a escassez de cinemas de rua em Olinda, o que obriga o público jovem a se deslocar até Recife para acessar esse tipo de espaço. Ela acredita que a reabertura do equipamento poderia revitalizar a cultura local, gerar oportunidades para produtores culturais e democratizar o acesso à arte cinematográfica.
Embora nunca tenha experimentado o espaço em seu auge, Isabela mantém um vínculo afetivo com o Sítio Histórico da cidade e fica tocada pelos relatos de ativistas que participaram do movimento #OcupeCineOlinda. Para ela, o equipamento não é apenas um local de exibição, mas um espaço essencial para movimentar a cidade, promover a cultura local e oferecer um ponto de encontro para manifestações culturais: "faz falta, mesmo que seja no imaginário. É um espaço fundamental”.
Foto: Divulgação/ Paulo Souza | Reprodução/ Cine Olinda
O movimento #OcupeCineOlinda, liderado por cineastas e ativistas, também busca reerguer o cinema, como descreve Cleyton Melo, cineasta independente. Ele relembra a ocupação de 2016, quando o espaço foi temporariamente reaberto por um movimento colaborativo, com projeções na fachada e esforços para reviver o ambiente. Para Melo, o Cine Olinda tem um potencial transformador, capaz de alterar a dinâmica da cidade, configurando, segundo ele, até mesmo um crime contra o patrimônio público seu abandono.
Melo alerta que, enquanto a preservação é frequentemente bloqueada pela burocracia, a manutenção de espaços como o Cine Olinda requer mais do que reformas estruturais. "É muito mais caro restaurar um espaço abandonado do que mantê-lo ativo", compara, destacando a necessidade de garantir orçamentos, manutenção e programação contínua. Ele cita o exemplo do Cinema São Luiz, que, além de reformas, precisa de garantias para se manter vivo. A mobilização, como foi vista no Teatro do Parque e no São Luiz, deve ser permanente para pressionar o poder público a cumprir seu papel e não permitir o abandono de espaços culturais essenciais.
O Poder público se compromete com o espaço?
A Manguetown Revista entrou em contato com a Prefeitura de Olinda por meio da Secretaria de Patrimônio e Cultura, mas, até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta sobre o retomada do Cine Olinda, tanto da parte do atual prefeito Professor Lupércio (PSD) quanto de Gabriela Campello, Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo. A equipe de jornalismo do veículo deixa o espaço aberto para esclarecimentos.
Durante a apuração, foi encontrado material que revela uma articulação política envolvendo o deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos), que destinou R$ 1,9 milhão para a revitalização e reabertura do Cine Olinda, com previsão de conclusão em oito meses, no ano de 2022. No entanto, mais de 24 meses depois, o cinema permanece fechado. A reportagem entrou em contato com o parlamentar, que se manifestou por meio de nota, informando que sua participação foi em uma articulação política entre o prefeito Lupércio e o então governador Paulo Câmara, com o objetivo de viabilizar a reforma do equipamento cultural, cujos recursos seriam provenientes do Estado e que a execução da obra é por parte do município.
Com a gestão de Lupércio chegando ao fim e a prefeita eleita Mirella Almeida (PSD) assumindo em breve, a reportagem também buscou informações sobre o futuro do Cine Olinda. Almeida, por meio de sua equipe de transição, confirmou que a reinauguração do cinema está entre as metas de seu novo governo. A prefeita informou que a Comissão de Transição já iniciou reuniões com a gestão atual para obter detalhes sobre a fase do Termo de Cooperação Técnica, firmado com o Governo do Estado, para a reforma do Cine Olinda. Após a coleta das informações, serão definidas as datas para o início das obras de requalificação e a entrega do espaço à população.
A Manguetown Revista reafirma seu compromisso com a cultura e com a sociedade, e continuará cobrando a reabertura do Cine Olinda, um equipamento cultural de grande importância para Olinda e para Pernambuco.
Confira nota na íntegra:
Deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos):
“O deputado federal Augusto Coutinho participou de articulação política entre o prefeito Professor Lupércio e o então governador Paulo Câmara, no ano de 2022, no objetivo de viabilizar a reforma do Cine Olinda, obra prevista para ser executada com recursos estaduais.”
Mirella Almeida (PSD):
“A prefeita eleita de Olinda, Mirella Almeida (PSD), informa que a reinauguração do Cine Olinda está entre os objetivos do novo governo. Vale mencionar que a Comissão de Transição, que já iniciou reuniões com a equipe de transição da Prefeitura, está buscando informações com a gestão sobre a atual fase do Termo de Cooperação Técnica, assinado em parceria com o Governo do Estado, para a requalificação do cinema.
Após a conclusão da coleta de informações relativas ao período de transição, serão definidas as datas para a realização das obras de requalificação e entrega do Cine Olinda”.
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