Em entrevista para a Manguetown Revista, Marafa compartilhou um pouco de si, o que antecede a publicação do livreto “Fui, Vim, de Volta!” e toda a relação que nutre pela poesia.
“Fui, Vim, de Volta!” é um livreto com poesias autorais que foi lançado neste mês de agosto. Os versos narram um pouco da história de Lucas Matheus, um jovem negro na busca constante pela encruzilhada, e marcam uma curva importante na trajetória do poeta Marafa, da comunidade do Curado, região norte de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
Muito além de uma apresentação do trabalho que faz, “Fui, Vim, de Volta” é, para Marafa, uma apresentação dos muitos projetos produzidos no Terreiro Ẹgbẹ́ Ọmọ L'Omi, o qual faz parte, e que, por serem feitos por pessoas marginalizadas - de uma das regiões esquecidas da capital da desigualdade -, não são valorizadas e muito menos enxergadas como deveriam.
A relação de Marafa com a poesia remete à adolescência, um período de caos particular, em que sentia amor e ódio mas não conseguia e, por vezes, nem podia verbalizar.
“Na minha adolescência sempre tive a necessidade de me expressar e ser ouvido, mas nunca conseguia esse processo e (consequentemente) guardava muita coisa para mim. Eu acho que isso é uma coisa que todo jovem negro carrega em si”, iniciou Marafa.
À época, o artista vivia a urgência de expressar o que sentia e via enquanto jovem, negro, periférico ou, como descreveu nos últimos versos que compôs, enquanto “um filho de pais separados, sem perspectiva de ser prodígio (e tendo o) tom amarronzado em uma sociedade que se orgulha de seus vestígios escravocratas”. Foi em meio a isso que a poesia se revelou para Marafa. Para além de ferramenta de desabafo e de denúncia, a arte representa uma forma de pessoas que partilham dos mesmos sentimentos se encontrarem.
O que, a princípio, acreditava ser movido apenas pelo ódio pelas desigualdades, se revelou, com o tempo, o amor que sentia pelo próximo. Uma conexão com aqueles que enfrentam, dia após dia, o mesmo cenário. Isso sobressaia e continua, até hoje, servindo como fonte de inspiração. A partir daí Marafa passou a colar em batalhas de rimas, a se unir a coletivos como o Combate Lírico e o Afrologia, sendo cada vez mais encorajado a recitar o que escrevia. O “recitar em troca de dinheiro na praia de Boa Viagem” passou a fazer tanto sentido que Marafa já não se via mais fazendo algo que não fosse poesia.
"Marafa" é identidade e resgate à ancestralidade
Com uma carreira como poeta consolidada, Lucas Matheus precisava de um nome artístico para ser lembrado. Nessa busca por uma identidade, filtrou por nomes em Yorùbá e escolheu “Marafa”. No idioma, o termo significa “cachaça”, fazendo uma alusão ao histórico que tem com o álcool e com o fato de que muitos já o chamavam de “cachaceiro”.
“No lugar das pessoas me chamarem de cachaceiro em português, vão passar a me chamar de cachaceiro em Yorùbá”, compartilhou.
Foi assim que Lucas Matheus se (re)encontrou como Marafa. O prefixo “re” não está entre parênteses por acaso. Ele quem reforça o reencontro de Marafa com a ancestralidade e a espiritualidade que aconteceu ao chegar ao terreiro. A conexão do nome “Marafa” com “Exú” - e por Exú ser a entidade da rua - o fez entender muito sobre as coisas que tinham/têm que ser e que estavam nas entrelinhas.
No terreiro, lhe apresentaram toda a força presente no nome e, graças ao padrinho, recebeu as orientações acerca das responsabilidades que esse nome acompanha.
Esse contato com a espiritualidade, o fato de ser apresentado a toda força presente no nome e por receber essas orientações, fizeram Marafa elevar as próprias poesias para outro rumo.
“nas ruas eu sou um rei
com poesia fui coroado
meus versos é arma sagrada
carrego na fala cicatrizes
que me deram
as diretrizes do aprendizado”, recitou.
“Versos como arma sagrada” representam o poder da oralidade e o poder de levantar ou destruir (quem lê/escuta), por isso passou a objetivar ser o recado positivo na vida das pessoas, como o padrinho deseja que ele seja.
"A rua moldou o poeta e a pessoa que sou"
Marafa expressou como o fazer poético foi capaz de intensificar a relação que já nutria com a rua. Não a rua no sentido literal de “via pública onde transitam veículos”, mas a rua como primeiro palco de muitos artistas marginalizados e a rua como o local de vivências, experiências e diversas faces, que servem como inspiração para os versos e o modo que os (re)produz.
“A poesia me deu essa propriedade e sensação de pertencimento com a rua, entendendo que ela tem sim seus traços nocivos, mas que também tem muito a dar”, reforçou.
"Fui, vim, até que parei aqui, de volta"
Os versos de “Fui, Vim, de Volta” seguem um caminho natural e transitam entre denúncia e desabafo, transpassando pela espiritualidade, relacionada à concepção de “Começo, Meio e Começo”, por não acreditarem no fim e sim em uma realidade circular.
“Passei por muita coisa até conseguir chegar aqui e me encontrar. Por isso ‘Fui, Vim, de Volta!’ é o encontro com a ancestralidade, o rolê de que as coisas possuem um movimento circular - hoje você tá aqui e amanhã tá de volta - é a perspectiva de sempre ter a oportunidade de tentar de novo e fazer diferente, de voltar para a encruzilhada”, comentou.
Todavia, Marafa reforça que, mesmo as poesias presentes nas páginas de “Fui, Vim, de Volta!” serem autorais, o livreto não é fruto da individualidade, mas da coletividade presente no terreiro e pregada em religiões de Matriz Africana.
No fim, o livreto é mais do que somente os versos que o compõem: ele representa a ação de diferentes mãos que trabalharam juntas (antes e durante a publicação) e continuarão trabalhando em conjunto movidas por este agir em coletivo.
Por enquanto, você consegue um exemplar de “Fui, Vim, de Volta!” entrando em contato com Marafa ou com o Espaço Cultural das Marias via direct do Instagram.
“Fui, Vim, de Volta!” é apenas umas das muitas produções de Marafa que ainda promete muito mais pela frente, então, para acompanhar o trabalho deste poeta, siga @lucas.marafa
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