A obra 'Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada de Pernambuco' revela o olhar íntimo e profundo da fotógrafa sobre suas raízes e ancestralidade
Em entrevista exclusiva, a Manguetown Revista conversou com Wenny Mirelle Batista Misael, ou, como é conhecida artisticamente, ‘Uenni’.
"Quando a gente fala de fotografia, a gente tá falando de memória", diz Uenni.

Direto da periferia de Santo Amaro, no Recife, a fotógrafa tornou-se a primeira mulher a conquistar o primeiro lugar no Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, que teve como temática as culturas populares brasileiras.
Início
A relação da artista com fotografias vem desde sua infância, tendo sua avó como principal responsável pelos registros na família, não apenas de fotos, mas registros de memórias.
“Então era ela, mesmo que não seja de uma forma profissional, que fazia todos os registros. Eu tenho fotos minhas na maternidade, dos amigos da minha mãe me segurando. Tenho registro do meu primeiro banho, tenho registro de quando furaram minha orelha, dos meus aniversários” diz Uenni.
Com o passar do tempo e o avanço da tecnologia, sua avó enfrentou dificuldades para acompanhar as mudanças, e alguns desses registros acabaram se perdendo. E com o pensamento de não perder essas memórias, em 2014, Uenni participa de uma oficina de foto e vídeo através do grupo Ruas e Praças.
“Era mais de um rolê de, tipo, eu preciso aprender aqui algumas coisas para poder fazer os registros, as fotos da minha família. Porque é importante ter essas memórias, né? Hoje em dia tem coisas que eu queria rever e eu não consigo porque se perdeu”, conta a fotógrafa.
Foi a partir do desejo de preservar memórias que a obra ‘Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada de Pernambuco’ surgiu. A artista já registrava terreiros anteriormente, mas, em 2021, decidiu fazer algo diferente: queria deixar sua marca, sentir que estava construindo algo. Assim, começou a documentar todos os ciclos do terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí, sem capitalizar nenhum deles.
Religiosidade
A religião está ligada diretamente ao seu trabalho, sendo um dos principais motivos para seguir.
“A espiritualidade tá ali influenciando no meu rolê o tempo todo. O fato de eu estar fotografando hoje tem a ver com a espiritualidade, eu já desisti da fotografia e do audiovisual várias vezes, e aí, quando eu conheço o terreiro Axé Talabi, a minha Mãe de Santo chega pra mim e fala que eu preciso acreditar mais em mim, porque tava no meu caminho trabalhar com comunicação, com fotografia”, relata.

Importância e reconhecimento
É inegável que, para a artista, retratar um dos rituais mais emblemáticos do Terreiro Axé Talabi e ganhar um prêmio pela série fotográfica teve um enorme impacto. Além dos registros agora fazerem parte do acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) preservando a memória do terreiro, a obra furou a bolha e chegou em pessoas de diferentes áreas do país levando a identidade e cultura presentes em Pernambuco.
Uenni relata: “Algumas pessoas que não sabiam o que era Jurema, foram, a partir do meu trabalho, pesquisar, e é essa importância mesmo de que foi um culto totalmente difundido no Nordeste e no Norte do país que ganhou o primeiro lugar no prêmio Mário de Andrade. Isso pra mim é extremamente importante”.
Para além de ser a primeira mulher a ganhar o prêmio Mário de Andrade, a fotógrafa também retrata a importância de estar dando continuidade ao legado da avó: “Ao mesmo tempo, eu também estou dando continuidade a uma coisa que minha avó fazia, mesmo que não de uma forma profissional, porque, depois de já grande, eu achei uns registros da minha avó, de jurema que ela tirava umas fotos no terreiro da amiga dela. E aí eu tô na missão de tentar achar essas fotos de novo, pois minha avó está esquecendo das coisas. Ela escondeu essas fotos e não consegue achar. Mas aí é ter esse entendimento que eu também tô dando continuidade, sabe?”
O prêmio é significativo de diversas formas, ele traz o reconhecimento, a prova de que a artista está no caminho certo e sem sombra de dúvidas as possibilidades de traçar uma história única.
“Ter ganhado esse prêmio foi importante também para a minha família. Todo mundo ficou muito feliz, minha avó era faxineira, a minha mãe é faxineira. Eu sou a primeira mulher da minha família que rompeu esse ciclo e tentou enxergar possibilidades de sobreviver, de criar e de viver através da fotografia” diz Uenni

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Instagram: @uenni
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