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O que deveria ser reverência ao Manguebeat cai por terra com escolha de Virginia Fonseca como rainha de bateria da Grande Rio


Imagem criada por IA para ilustrar esse artigo de opinião.
Imagem criada por IA para ilustrar esse artigo de opinião.

A escolha de Virginia Fonseca como rainha de bateria da escola de samba Grande Rio pode parecer um evento corriqueiro ou até irrelevante. Contudo, quando o enredo da escola aborda Chico Science e o movimento Manguebeat, tão significativos para a cultura pernambucana e brasileira, a dimensão desse ato se transforma, ganhando um peso muito maior diante do legado cultural e da resistência que o movimento representa.


No manifesto “Manguebeat – Caranguejos com Cérebro” (1992), assinado por Chico Science e Fred Zero Quatro, encontramos uma poderosa denúncia sobre a devastação do Recife, marcada pela destruição dos rios e estuários, que são as veias da cidade. “Emergência! O Recife corre risco de ‘infartar’ com a destruição de seus rios e estuários, que são suas veias vitais. Para revitalizar a cidade e sua alma, é preciso injetar energia na lama e estimular o que resta de sua fertilidade”, diz trecho do manifesto.


Esse grito, sobretudo, é de resistência, um chamado para revitalizar a cidade com a energia da cultura, da ancestralidade e da criatividade pulsante do povo.


Nesse contexto, o movimento Manguebeat representa a força de um Recife que se reinventa a partir da lama, o que torna a figura que encarna esse enredo ainda mais simbólica. Mas me pergunto: qual é o real significado de Virginia Fonseca ocupar esse posto? A influenciadora digital, conhecida por seu conteúdo comercial e por controvérsias recentes, como a reportagem da Revista Piauí, lançada em janeiro deste ano, que trouxe detalhes em primeira mão sobre sua relação com sites de apostas, parece destoar do espírito crítico e autêntico do Manguebeat. Como pode a mesma pessoa que tem a chamada “cláusula da desgraça” no contrato com as Bets, como revelou o material jornalístico — que nada mais é do que um ganho real sobre cada derrota, cada perda de dinheiro e prejuízo dos apostadores — se relacionar com uma manifestação que luta justamente contra essa dinâmica de poder?


Enquanto o movimento de Chico Science representa a luta pela identidade cultural, pela crítica social e pela valorização das raízes locais, a escolha de uma personalidade que pouco dialoga com esses valores levanta sérias dúvidas sobre a coerência do enredo e o respeito que a Grande Rio pretende prestar ao legado. Com isso, fica mais um questionamento: o que essa decisão significa para o respeito ao Manguebeat e para a mensagem que será transmitida na avenida? Será que a grandeza do movimento será representada à altura, ou ficará reduzida a um mero espetáculo vazio?


Até Louise França, filha de Chico Science, se pronunciou sobre o assunto, e sua posição é compreensível: ela respeita a influenciadora digital, que conta com mais de 53 milhões de seguidores, e afirmou não poder interferir, pois a decisão partiu da escola de samba. Ainda assim, infelizmente, é difícil defender a escolha da Grande Rio, que torna-se ainda mais desrespeitosa após a recente participação de Virginia Fonseca na CPI das Bets.


Na comissão, com uma postura que muitos consideram simplista, ela demonstrou claramente como pode, com aparente tranquilidade, enganar uma grande parcela da sociedade. Agora, como rainha de bateria de uma das principais escolas de samba do país, Virginia vai ser a cara de um enredo que deveria exaltar a autenticidade, a luta e a resistência cultural representadas por Chico Science e o movimento Manguebeat. Mais uma vez, o dinheiro falou mais alto do que o respeito, o caráter e a reverência.




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