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Os espaços de memória da literatura pernambucana

Foto do escritor: Isabel BahéIsabel Bahé

Recife é uma cidade de museus que ainda enfrenta uma escassez de memória dos grandes literatas que comporão a cena artística do estado


Na última terça-feira (09), foi anunciado pela Associação Casa Clarice Lispector (ACCL) a transformação do sobrado onde a escritora ucraniana viveu dos cinco até os quinze anos de idade, localizado no bairro da Boa Vista, Centro do Recife, em um museu. O objetivo é prestar homenagem à memória da mulher e escritora que ela foi. 


Apesar de só haver ganhado o título de cidadã pernambucana no seu centenário, em 2020, Clarice se considerava como tal desde nova, e sempre colocou o Recife nos mais ínfimos cantos de sua escrita.. Foi aqui que adentrou na paixão por escrever. Desde os primeiros contos até para onde a mente retornou mais tarde quando se consolidou como um marco da literatura brasileira.


Estátua de Clarice Lispector, do Circuito da Poesia, em frente à casa de sua infância na Boa Vista. | Foto: Katherine Coutinho / G1

A construção de um museu destinado à Clarice é um acontecimento único no Brasil. Em Pernambuco, que possui outros dois espaços de memória em homenagem a literatas do Estado, a história não é diferente. Um exemplo é o Memorial Chico Science no bairro de São José, Centro do Recife, dedicado ao lírico poeta cultural do movimento mangue que batiza o local. Em três salas repletas de produções literárias, audiovisuais e históricas, o acervo mantém a importância de Chico viva em Pernambuco.


         Estátua de Chico Science, do Circuito da Poesia, na Rua da Moeda. Foto: Hugo Acioly

“Recife, cidade do mangue/ Onde a lama é a insurreição/ Onde estão os homens caranguejos/Minha corda costuma sair de andada/ No meio da rua, em cima das pontes”. (Antene-se, Chico Science)

Outro templo cultural em Pernambuco é o Espaço Pasárgada, na Rua da União, área central da capital pernambucana. Lá, morava o escritor e poeta Manuel Bandeira, nome importantíssimo da primeira geração do movimento moderno literário. A casa é patrimônio declarado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) desde 1983, e guarda a obra, biografia, e estudos do escritor. 


Hoje, o Espaço Pasárgada possibilita uma visita à vida de Manuel Bandeira enquanto promove eventos de incentivo à literatura, com saraus e momentos de conversa com poetas contemporâneos.

Estátua de Manuel Bandeira, do Circuito da Poesia, no Cais da Aurora. Foto: Everson Verdiao/Esp.DP
“Recife /Não a Veneza americana/ Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais/ Não o Recife dos Mascates/ Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —/ Recife das revoluções libertárias/ Mas o Recife sem história nem literatura/ Recife sem mais nada/ Recife da minha infância”/ (Evocação do Recife, Manuel Bandeira)

Outros recintos de memória dignos de citação são os museus dedicados ao músico Luiz Gonzaga: O Memorial Luiz Gonzaga, no Pátio de São Pedro, Centro do Recife, um espaço de difusão da sua obra. Há ainda: o Museu do Forró Luiz Gonzaga, no município de Caruaru, Agreste de Pernambuco, com homenagens a outros artistas que fizeram seu nome no forró; Museu de Gonzagão, no berço de Gonzaga - a cidade de Exu, no Sertão - onde a maior parte de sua obra está preservada. Lá, os visitantes têm um vislumbre do passado ao entrar na réplica da casa onde nasceu o eterno músico pernambucano.


Recife de museus - que nem sempre guardam a memória

Recife é uma cidade de museus. Percorra-o e você os encontrará. Desde o Museu da Cidade do Recife, no histórico Forte das Cinco Pontas, que guarda as suas faces urbanas em fotografias, livros, cartografias e peças artísticas, até ao Museu da Abolição, na rua Benfica, que expõe uma coleção de artistas afro-brasileiros. Ainda assim, os espaços de memória da literatura pernambucana são escassos em comparação às figuras históricas e contemporâneas que a constroem. 


Algumas estão espalhadas pelo Circuito da Poesia - Miró juntando-se a elas recentemente -, lembrando que uma vez passaram pelas mesmas ruas e pontes que nós. Outros são mencionados aqui e acolá, e por consequência caem no esquecimento popular. As poesias marginal e visual, os tempos de engenho de João Cabral, a crítica de Josué de Castro e os versos de Francisca Izidora, para citar poucos, não estão presentes nas ruas do estado. Esse esquecimento não é apenas sobre o artista, mas todo o seu impacto na história daquele lugar que não abriga mais a sua memória e desvaloriza sua arte. Por que não pensar, então, num museu da literatura pernambucana?

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