Replay – Da Lama ao Caos: clássico de Chico Science & Nação Zumbi ganha releitura potente e atual

Com participações de novos e consagrados nomes da música brasileira, álbum revisita a obra icônica de 1994 com criatividade, respeito e urgência, mantendo vivo o legado do manguebeat

Modernizar o passado é uma evolução musical. É essa a mensagem que ecoa em "Monólogo ao Pé do Ouvido", faixa de abertura de Da Lama ao Caos, álbum icônico lançado por Chico Science & Nação Zumbi em 1994. 31 anos depois, em maio de 2025, o disco ganha uma nova leitura no projeto Replay – Da Lama ao Caos, que reúne cantores, bandas e coletivos musicais para regravar o trabalho original com inteligência, respeito e personalidade.

Na ordem, da esquerda para a direita: Louise França, Uana e Barbarize. Imagens: @oeriktorres e @ronny.colors

A proposta, inicialmente recebida com cautela por parte do público e da crítica, revelou-se uma homenagem potente e coerente. Afinal, como superar o que já é considerado uma obra-prima? O objetivo, como ficou provado, não foi competir com o original, mas dialogar com ele, preservando sua força simbólica e reafirmando sua relevância cultural.

O projeto reúne nomes de destaque da música brasileira contemporânea, oferecendo versões que respeitam a essência das faixas originais ao mesmo tempo que propõem novas camadas de significado. Entre as participações mais marcantes está a de Louise França, filha de Chico Science, que interpreta "Risoflora". Após ser criticada por sua performance no Carnaval do Recife em 2024, Louise surpreende com uma entrega intensa, delicada e cheia de personalidade, deixando sua marca em uma das faixas mais emocionantes do álbum.

Replay – Da Lama ao Caos apresenta diversos pontos altos que demonstram o cuidado e a ousadia dos artistas ao revisitar um clássico. A nova leitura de "A Cidade", interpretada por Chico Chico e Manchete Bomb, carrega força e atualidade, renovando os versos que há mais de três décadas denunciavam as contradições urbanas com intensidade e poesia.

Em "Maracatu de Tiro Certeiro", o grupo Barbarize entrega uma versão pulsante, que respeita a cadência original enquanto propõe novas camadas rítmicas e sonoras, refletindo a fusão entre tradição e experimentação. Já em "Banditismo Por Uma Questão de Classe", nas vozes e beats de Marcelo D2 e Zegon, surge uma das interpretações mais inventivas do projeto. Com versos que surpreendem até na simplicidade, a faixa resgata a crítica social afiada de Chico Science, provando que, mesmo após três décadas, a mensagem continua atual e necessária.

Nem todas as faixas, no entanto, alcançam o mesmo impacto. A versão de "Da Lama ao Caos", interpretada por Duda Beat, não se destaca. Mesmo sendo a canção que dá nome ao álbum, e uma das mais emblemáticas da discografia de Chico Science & Nação Zumbi, a releitura peca pela falta de inventividade. A interpretação soa contida, sem a força ou a ousadia esperadas para uma faixa que carrega tamanha simbologia.

A ausência de uma abordagem mais criativa ou arriscada faz com que a faixa passe despercebida em meio às demais versões, que, em sua maioria, surpreendem justamente pela originalidade. Pode ser até que muitos ouvintes, ao escutar o álbum completo, acabem pulando essa faixa, que não entrega o mesmo vigor estético e conceitual presente em outras reinterpretações do projeto.

Apesar disso, no entanto, com  uma leitura sólida e já destacada ao longo do projeto, o álbum Replay – Da Lama ao Caos consolida-se como uma obra singular. Algumas faixas seguem se sobressaindo nesse processo de reinvenção: "A Praieira", na envolvente versão de Uana, e "Salustiano Song", reinterpretada com sensibilidade por Sofia Freire, capturam com profundidade o espírito do manguebeat,  tanto em suas raízes culturais quanto em sua proposta de futuro. Essas canções ecoam os princípios dos pioneiros do movimento, reafirmando que a lama ainda é fértil para novas ideias e manifestações.

Ao final, o projeto se apresenta como uma homenagem à altura de um dos álbuns mais marcantes da música brasileira. Replay – Da Lama ao Caos merece ser amplamente escutado, compartilhado e celebrado. Em 1994, artistas gigantes criaram uma preciosidade sonora misturando ritmos, referências e realidades com ousadia e urgência. Em 2025, novos e respeitados nomes da música assumem o legado com maturidade, potência e responsabilidade, mostrando que o caos continua sendo um território fértil para a arte, a resistência e a transformação.

Escute o álbum completo: