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Revinda: Rebeca Gondim coreografa o cotidiano das periferias

A performance de dança, que nasce para denunciar o genocídio da juventude negra, convoca ao revide por meio da coletividade



Foto: Filipe Gondim
Foto: Filipe Gondim

Neste sábado (10) é a vez de Água Fria, na Zona Norte do Recife, receber “Revinda”, performance da multiartista Rebeca Gondim que tem se transportado pela cidade desde o final de abril. Na ocasião, a rapper, arte-educadora, atriz e uma das idealizadoras do Recital Boca no Trombone, Adelaide Santos, além dos MCs de batalha Hogue, Prince, Neto, Ninja, Tedy e Maju.


“Revinda”, que carrega no título o significado de regresso do ponto de onde partiu é um espetáculo que une dança, cultura popular e elementos do Hip Hop para denunciar o genocídio da população negra nas periferias do Brasil, bem como evidenciar a importância da coletividade, organização comunitária, agrupamentos e manifestações culturais como lugares de resistência ao cotidiano de violência. Originalmente, concebida em 2019, a performance ganhou outra roupagem para ocupar as ruas de diferentes bairros do Recife e, em breve, Pernambuco afora. 


A Manguetown Revista conversou com Rebeca Gondim sobre vivências,  planos para o futuro e, claro, sua performance em circulação. Mas para falar de “Revinda”, é preciso falar de “Terezinha”.



Cadê Terezinha?


Quem já assistiu “Revinda”, no Ibura ou no Morro da Conceição - por onde Rebeca e companhia já passaram desde o dia 26 de abril - certamente ouviu o brado: “cadê Terezinha?”. Pois bem, para falar de “Revinda”, é preciso falar de “Terezinha.


Tereza Maria de Jesus é mãe de Eduardo de Jesus, criança de 10 anos assassinada por um policial militar em 2015, no Complexo Alemão, no Rio de Janeiro. “É importante falar sobre isso. Não foi qualquer tiroteio, foi isso que matou Eduardo.  E isso acontece com muitos jovens negros. Essa é a denúncia”, reflete Rebeca. 


Em referência ao caso, no ano seguinte, a artista, que é nascida e criada entre os bairros periféricos de Beberibe, Alto Santa Terezinha e Água Fria,  deu à luz à “Terezinha”, uma performance de 15 minutos que colocava em evidência o genocídio institucional da juventude negra comum em várias periferias. 


“Eu tento trazer cenicamente essa  dor, que eu não consigo mensurar, mas eu tento como artista expressar  o que sinto em solidariedade a essa história, como humana mesmo. Meu irmão  podia também ter sido essa vítima. Minha mãe, eu também poderia.”

Com a dança como estratégia de combate,  Rebeca afirma que segue os ensinamentos da filósofa Suely Carneiro, que afirma que as mães, quando perdem seus filhos, transformam o luto em verbo, isto é,  em luta. “Essa luta às vezes é se juntar em em manifestações culturais,  é transformar essa dor em uma alegria, mesmo que seja  de ódio também, de revide. É uma alegria que tem muito ódio envolvido, muita sede de justiça. Ao mesmo tempo, a gente também tem que trazer esse brilho que é das nossas alegrias, das nossas lutas”, continua. 


A narrativa em “Terezinha” é marcada pela dança dos movimentos cotidianos e por agregar várias histórias em uma. “No sobe, desce das ladeiras, sobe e desce dos ônibus, as saída da periferia para para o centro, esse movimento dentro dos ônibus, do desequilibrar, um empinar de pipa. Eu trazia esses movimentos que eu vi que eu vejo como dança também. Nossa corporalidade tem muito ritmo, tem muita ginga, tem muito isso.” 


É difícil! É difícil que só!  Assim, a gente tenta de alguma forma fazer com que essa dor se transforme em arte muito para denunciar essa realidade. Porque é uma forma que eu, Rebeca, como artista, dançarina, consigo falar melhor sobre isso. Eu poderia pegar o microfone como militante também , mas como profissional da arte é a melhor forma que eu tenho de denunciar isso.


De volta para casa


Mais tarde, chega a hora de retornar. Após cerca de dois anos morando no centro da capital pernambucana, Rebeca volta para Zona Norte e, com a mudança veio a necessidade de se aquilombar. “Eu sentia muita falta. Eu me sentia perdida. Meio sem esse sentido de coletividade, de comunidade, que é ir até à venda que é ali comprar pão e todo mundo se conhecer, as pessoas lhe ajudarem. Apesar das contradições, porque é um ambiente muito violento, a periferia. Mas é um ambiente que a gente se vê, que a gente se enxerga, que a gente se fortalece. E eu estava muito perdida, eu me sentia frágil”, revela.


Foto: Juliana Amara
Foto: Juliana Amara

Em 2019, nasce “Revinda”, mas em seu ano de execução, o mundo e acometido pela pandemia de covid-19 e, mais uma vez, o sentimento de estar em casa, entre os seus,  é o grita mais alto. “ O medo de morrer, o medo de perder os meus. E como é que a gente faz para superar isso ? Se juntando da forma que dá! E também foram os movimentos sociais, os movimentos culturais que salvaram a gente da pobreza, da fome, do desemprego, de tudo, da escassez de tudo. Então veio muito essa força de a gente precisar estar junto. A gente precisa encontrar os nossos para poder sobreviver”, continua.


Como resultado, a performance hoje em circulação foi composta  por Rebeca e seus pares. A começar pelo título “Revinda”, concebido pelo seu irmão, Felipe Gondim, que também assina a comunicação visual do projeto com a amiga próxima de Rebeca, Laura Morgado. Na trilha sonora, os também amigos Léo Bulhões e DJ Phino. Na codireção, está também a namorada de Rebeca,  Maria Agrelli. Outras participações ocorrem de acordo com as apresentações. 



Revinda circula 



Foto: Filipe Gondim
Foto: Filipe Gondim

A circulação de “Revinda” teve início no dia 26 de abril, no Ibura, Zona Sul do Recife. Em maio, iniciou a itinerância pela Zona Norte, passando pelo Morro da Conceição e este sábado (10) estará em Água Fria. Ainda este mês passará pelo Alto Santa Terezinha (17/5) , Bomba do Hemetério (24/5) e Beberibe (31/05). Todas as apresentações serão gratuitas, sempre às 17h30, com acessibilidade em Libras. 


Uma novidade desse novo momento do espetáculo é que cada apresentação conta com a participação de artistas convidados que desenvolvem trabalhos reconhecidos nos seus territórios, que têm o coletivismo, a resistência cultural e a luta por direitos humanos como características. 


“ Acho que depois da pandemia, quando a gente começou a tocar a circulação do projeto, ir para os territórios e convidar as pessoas do território para fazer isso, junto com a gente, fez muito sentido para “Revinda”. Essa coisa da encruzilhada, de se fortalecer junto, da gente se unir”, declara Rebeca.


Ela conta que os encontros acontecem uma semana antes para ensaios e ajustes, mas no momento da apresentação cada um usa de seus saberes para fazer o espetáculo acontecer. 


No segundo semestre de 2025, “Revinda” segue o percurso “do litoral ao sertão”, chegando a Olinda, Camaragibe, Caruaru, Arcoverde e Triunfo, contando com a participação de nomes como Jessica Caitano, Caboc’urbano e Paloma Granjeiro.  


Para Rebeca, “Revinda” pretende despertar no público o sentimento de resistência pela união e pela festa.


“O como a gente só faz sentido junto, nessa resistência, nessa luta contra contra injustiça, contra, esse genocídio. A tristeza é um projeto também pensado,  pelos poderosos, pelos ricos, pelos que querem a gente na mágoa. E a reunião de festa também é nossa resistência. É tu comigo e a nossa experiência que se cruza que a gente vai conseguir ter ideia para contra-atacar, para revidar. É isso que a gente quer falar um pouco”. 

E isso, regado à muita cultura popular e arte periférica que atravessa a trajetória pessoal e profissional da artista, como podemos conferir nesse trecho da entrevista:


Letícia(MR): A maior parte da itinerância passa por bairros da Zona Norte. Por que a escolha deles para o "Revinda"?


Rebeca: Beberibe é o território que eu sou uma criada, e fui transitando por todos esses territórios: Água Fria, Bomba do Hemetério, Alto Santa Terezinha. Entendi o mundo dentro da Zona Norte. Eu queria começar em casa, porque eu queria falar sobre a volta para um lugar do qual se partiu. Eu queria voltar para casa, voltar para esses lugares que eu tenho extrema referência, que eu me inspiro.


 E o Ibura é um lugar de muita admiração pelas pessoas que eu já cruzei na vida, assim, pessoas que são referências, que tenho muita admiração, artistas que na minha vida toda foram professores meus mestres, artistas que compartilhei a cena.  Sempre admirei pelo celeiro de resistência, luta mesmo e de resistência cultural que é luta também. Assim como, na Zona Norte.


Letícia (MR): O que vem desses territórios que impactam no teu fazer artístico?


Rebeca: Cultura popular! Eu sou cria da cultura popular. Eu aprendi tudo com a cultura popular. Eu sou cria do frevo. Minha alfabetização de mundo foi a partir  dos princípios, dos ensinamentos do frevo. E aí do frevo se abriu um leque para a cultura popular como um todo. Tive contato com o maracatu, com o caboclinho, o coco.


E também a cultura periférica contemporânea, o brega funk também, o funk de galera, que eu sempre ouvi meu irmão escutando dentro de casa, o brega romântico.


Letícia (MR): Em uma entrevista para a Rádio Paulo Freire, você conta que cresceu ouvindo pessoas ao seu redor dizendo que não sabiam dançar, ao mesmo tempo que para você elas sempre estavam dançando. Por que você discordava dessas pessoas?


Rebeca:   E é muito real isso. Eu ainda escuto, é menos, mas ainda escuto muito. É muito contraditório, porque a periferia é muito dançante. A gente o tempo todo está escutando música, é muito crítico. A gente é muito produtor, criador de música, de dança o tempo inteiro. Então, essa coisa de não saber dançar para mim não existe muito, porque acho que é inerente, humanamente falando, a arte é inerente. É só e praticar, é só olhar e ver que está fazendo aquilo,  pois, às vezes, a gente não consegue enxergar que faz aquilo.


Tem muita potência, acho que a cultura periférica, que é muito negra, ela é dançante, é ritmo, é música. A gente tem centros culturais, a gente tem maracatu, caboclinhos, escolas de frevo. Então, a gente está dançando o tempo todo. Às vezes a gente só não sabe que está dançando, mas a gente dança e toca e canta e recita o tempo inteiro.


Letícia (MR): Você considera que "Revinda" cabe em um espaço fechado como um teatro, por exemplo, ou ela já carrega essa proposta de ir até o público?


Rebeca: Acho que cabe tudo, mas  a ideia de revenda principal é a gente está na rua , praça pública, comunicando para quem está passando, trocando para quem está sentado, trabalhando ou está tomando a sua cerveja, sabe? Ou ainda a criança que está brincando no parque que se atraiu pela luz e vai lá brincar com a fumaça, como aconteceu aqui no Morro. Enfim, essa é o lugar mesmo da nossa festa, na rua. É só troca. 



"Revinda" tem financiamento do Fundo de Incentivo à Cultura do Governo

de Pernambuco (Funcultura) e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNABRecife)


Serviço

 Revinda (circulação do espetáculo)

Data/hora: 10 de abril – SÁBADO, às 17h30, Água Fria

(Sábados de maio Bomba do Hemetério, Alto Santa Terezinha e Beberibe no mesmo horário)

Acessibilidade em Libras

Classificação Etária: Livre

Mais informações: @rebecagondim__








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