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Samuel de Saboia: “Um nordestino vale por vinte pessoas em qualquer lugar do mundo”

Apontado pela crítica internacional como ‘o novo Basquiat’, o multiartista é o primeiro pernambucano confirmado no Coquetel Molotov 2025; confira a entrevista


Natural do Totó, no Curado, Samuel de Saboia é uma daquelas figuras que parecem ter 72 horas no dia. Pintor, músico, diretor criativo, performer e designer, ele construiu uma trajetória que atravessa a periferia do Recife e torna até mesmo Londres, Paris e Florença pequenas.


Comparado com o aclamado nova-iorquino Jean-Michel Basquiat, o artista se destaca por unir de forma brilhante a visceralidade artística com cores explosivas, experimentalismo, rebeldia e um ímpeto único de transformar dor em arte, ao mesmo tempo que inscreve no mundo uma identidade própria, ancorada no Nordeste e na experiência de ser uma figura migrante. 


Agora, com a estreia na carreira musical com seu primeiro álbum “As Noites Estão Cada Dia Mais Claras” (2025), Saboia retorna ao Recife para estrear no palco do Coquetel Molotov 2025, festival que acompanhou desde a adolescência e que, segundo ele, “transformava a cidade no centro do mundo”.


Imagem: Divulgação/ As Noites Estão Cada Dia Mais Claras
Imagem: Divulgação/ As Noites Estão Cada Dia Mais Claras

A Manguetown Revista conversou com Samuel sobre sua relação com o festival, as múltiplas linguagens que atravessam seu trabalho, a cena independente pernambucana e os próximos passos.


Confira a entrevista abaixo:


O Coquetel Molotov tem uma história de abrir espaço para novos sons e linguagens artísticas. O que significa pra você estar ocupando esse palco em 2025?

Minha história com o Coquetel é longa: eu comecei a frequentar o festival aos 15 anos e via como um presente ter um dia específico onde pudesse ver de perto os artistas que escutava. Sempre gostei da cena indie, era minha maneira de fazer o bairro do Totó ficar maior, minha forma de encontrar um espaço de pertencimento. Graças às muitas vezes que fui e ao carinho da equipe que considero como minha segunda família, tive a chance de conhecer e estar pertinho de muitos artistas: já vendi print nas lojinhas, fiz zines, ajudei a arranjar um vestido pra Sevdaliza, toquei em jam sessions com o pessoal do Boogarins… Pra quem já assistiu Almost Famous, o backstage do Coquetel passava a mesma energia. Em um dia da semana o Recife se tornava o centro do mundo. Esse palco já foi muitas coisas pra mim. Agora, estar nele oficialmente com meu disco e minha banda é realizar um desejo de criança.


Você transita muito bem entre música, artes visuais e moda.  Como essas áreas se encontram no seu trabalho?

Meu tempo de sono é limitado, mas meu tempo de sonho é infinito. Eu tenho muitas ideias e preciso delas vivas, minha saúde tá aí. Acho que artista ocupado morre velho, meu meio de trabalho é repleto de possibilidades e fui muito voraz e sincero com esse desejo desde muito novo. Fazer meu primeiro álbum foi fácil porque me vi fazendo todos meus trabalhos ao mesmo tempo: pintor, músico, diretor criativo, diretor de set, diretor de fotografia, produtor, designer. Práticas que tive a chance de afiar e afinar em Londres, Paris e em Florença e depois juntar tudo dentro do estúdio. Quando sonho, eu quero fazer. Quando faço, quero que o outro entenda.


Seu trabalho tem um grande alcance internacional, mas também carrega muito do Nordeste. Como você equilibra esse cosmopolitismo cultural com suas raízes locais?

Com muita risada. Um dia eu estava no set da Dior com Rafael Pavarotti e lembrava que já tinha feito campanha do Praia Limpa em Boa Viagem, ou vendido galeto com meus pais. Lembro das tardes no mangue de Maracaípe, do meu avô carroceiro, de tudo que meu pai fez pra sair de São Caetano, em Salvador. Tenho um orgulho extremo dessa força motora que carregamos quando temos um sonho. Eu sei exatamente da onde eu vim e de onde quero chegar, por isso indico calmamente que saiam da frente. Nada me para.


Quais são suas maiores inspirações?

Nas leituras, Hanif Abdurraqib e Audre Lorde ficam ali ao lado da cama que nem uns santinhos. No ouvido, Gal Costa, Marsa, Cátia de França, Naná e Chico Science. Nas artes, Wifredo Liam e Helen Frankenthaler. Na vida, muito dos meus pais e um pouquinho de todo mundo que passou.


Como você enxerga a cena independente de Pernambuco hoje? 

É foda ser artista independente nessa cidade. Falta verba e investimento público. Quando eu morava em Recife, vi muita coisa bacana acontecendo graças a pessoas apaixonadas pelo fazer artístico e pela cidade, mas a grande maioria precisou migrar. O Coquetel é brilhante por manter consistência e criar espaços de descoberta. Ana Molotov tem sido uma força incontestável, acho ela foda.


Se você pudesse definir em uma imagem o que quer que o público leve da sua apresentação no Coquetel Molotov, qual seria?

Já viu um girassol pegando fogo? Um raio rasgando uma árvore ao meio? A gente vai sair do palco tendo dado tudo, até sobrar nada. Se meus pais soltarem um “misericórdia” no meio, já valeu.


E os próximos passos depois do festival? 

O segundo álbum já começou. O próximo vem mais denso, mais dance, bem rock paulada, tiração de onda e muito gogó. Vai unir cara de pau e técnica. O primeiro single já tá na mão.


Qual conselho daria para artistas pernambucanos que estão começando?

Se joguem sem medo, porque o medo é uma gaiola. Escutem o ritmo interno, mas não tenham medo de misturar com os ruídos do mundo. Sejam fiéis ao seu delírio, porque só ele vai te salvar. E nunca esqueçam que o Nordeste é potência mundial. Somos berço de boa parte da cultura brasileira. Eu digo bem alto sem vergonha nenhuma: um Nordestino vale por vinte pessoas em qualquer lugar do mundo.


E pra quem ainda não te conhece, qual música define Samuel de Saboia?

Tem que ser três: Rei de Nada, Mainha e Meteoros de Haxixe. Uma pra cada personalidade.


Escute o álbum As Noites Estão Cada Dia Mais Claras:




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