Vá de carona no caminhão da radialista Gabriele Alves pelas estradas do programa de rádio “BR-101.5”
- Beatriz Santana
- 2 de out.
- 6 min de leitura
Em uma entrevista exclusiva, a radialista revela o que faz do programa da Frei Caneca FM um ponto de encontros entre a cena cultural recifense

Certamente, um pernambucano ou pernambucana que mora ou já passou pela Região Metropolitana do Recife (RMR) atravessa ocasionalmente a BR-101. A estrada transcontinental que liga o norte ao sul do país também conecta diversos pontos da cidade, mas é no acostamento que uma radialista a faz virar metáfora e tomar outro rumo.
Adicionado um cinco, a rodovia passa a ser frequência de rádio e a agora “BR-101.5” se transforma no programa da rádio pública do Recife, Frei Caneca FM, que interliga paisagens e pessoas através das estradas da cultura.
De segunda à sexta, a estrada é ponto de partida da apresentadora Gabriele Alves, que transforma o estúdio de rádio na boleia de um caminhão. A radialista manobra enquanto as pessoas no banco de carona e os ouvintes sintonizados na conversa apontam o destino da viagem pela cena cultural e, principalmente, local pernambucana.

Música, teatro, cinema, artes visuais e o que mais couber no baú desse caminhão tocam e ecoam nos ouvidos da cidade de 9h às 11h. Nesse misto de conteúdos, unem-se conhecimento, risadas e muito afeto ao programa que se torna uma síntese do que a comunicação radiofônica se propõe a ser: democrática e diversa.
São os encontros que fazem o BR-101.5
Em plena pandemia, Gabi Alves é convidada a inovar. O resultado foi um programa que abriu as manhãs da Frei Caneca para o público e trouxe o contato direto com os ouvintes como parte fundamental da experiência. Diante de um desgoverno empenhado em tentar enfraquecer a cena cultural e da luta individual de fazer arte em pleno lockdown, o “BR-101.5” surge com o propósito de restaurar os ânimos, manter a sanidade dos artistas e aproximar a sociedade da classe artística.
Pela primeira vez no presencial, intensifica ainda mais o calor humano que já era muito bem trabalhado no virtual. À medida que conta a história do programa por meio de lembranças carinhosas de cada artista que já entrevistou, tem mais certeza de uma conclusão: “o BR é feito de encontros”.
O grupo Forró Casamarela, a multiartista Bruna Alimonda, Cannibal (vocalista da banda Devotos), Renato L junto a Fred Zero Quatro, a jornalista e também radialista Patrícia Palumbo são alguns dos muitos nomes que já passaram pelo estúdio da Frei Caneca FM, seguiram o rumo do BR com a radialista e sintonizarem com os ouvintes. É a espontaneidade e os olhos que sorriem da radialista, ainda que na sintonia não seja possível de ver, são ferramentas para tranquilizar os entrevistados.
Cannibal e Buhr, Bruna Alimonda, Forró Casamarela e Renato L junto a Fred Zero Quatro [Imagens: Reprodução/Luiz Rodolfo]
Gabriele Alves vibra na frequência do rádio
Para quem cresceu como ouvinte de rádio, estar do outro lado demanda muita responsabilidade. Em tempos de streaming, Gabi é um dos nomes que assume a missão de provar que o rádio não tem chance de perder a relevância. Acessível e o mais descomplicado que puder, o rádio cria vínculos e crava sua importância. No comando do BR-101.5, ela mostra que não há algoritmo capaz de substituir a escuta atenta, a curadoria humana e o encontro.
Em março de 2026, completam cinco anos que Gabriele Alves convida os ouvintes para conhecer novas paisagens culturais da vista panorâmica do caminhão do BR-101.5 e reforça o quanto isso é político. Nesse percurso, o programa se consolidou como estrada de afeto, memória e resistência, reafirmando que o rádio não só segue vivo como continua capaz de ligar pessoas, histórias e territórios em uma mesma frequência sonora. Sem esquecer que na travessia não pode faltar muita música brasileira e latina.
BR-101.5 em edições externas. Imagens: Reprodução/Equipe Frei Caneca FM
Confira a entrevista com Gabriele Alves:
MGTW: Como foi a transição de sair do virtual para sentir esse calor humano de perto?
Gabriele: Apesar do programa sempre ter transmitido calor humano, a gente começou a construir na pandemia. Era um programa cultural que estava estreando quando todos estavam em casa e os trabalhadores da cultura não podiam trabalhar. Não era só a crise em saúde, mas uma crise no setor da cultura, por isso a gente tinha muita noção da localização política e social do programa.
MGTW: Que tipo de pauta cabe no baú desse caminhão? Gabriele: É o mundo inteiro dentro de um programa que vai ao ar cinco dias da semana por duas horas. Pode ser um festival de gastronomia, um espetáculo de teatro. Quem são essas pessoas que estão envolvidas? Elas estão ativamente dentro da cena? O espetáculo tá abordando pautas que são importantes para que a sociedade chegue junto?
MGTW: “Me dê dois dois dias para eu pesquisar e mostrar o quanto estou curiosa sobre o tema que determinada pessoa estuda”, certo?
Gabriele: É valorizar a fonte que está na frente da gente, sabe? Quando eu estava na faculdade tinha a necessidade de construir perguntas com cinco linhas de cumprimento, mas aprendi que essa tecnologia do deixar o outro à vontade para que aquele encontro seja leve, me permite acessar um tipo de conhecimento que não tem pesquisa que eu faça que vá substituir uma conversa com alguém que tá vivendo aquilo de verdade.
MGTW: Aproveito para ser incisiva: existe BR-101.5 sem a interação dos ouvintes?
Gabriele: Eu tenho um respeito gigantesco por todos os artistas e produtores culturais que passam por aqui, mas também tenho um respeito gigantesco por quem ouve o programa. Porque se não tiver a parte que ouve, não tem sentido nenhuma a conversa que eu for colocar no ar. O mesmo cuidado e a mesma atenção que eu dou para as pautas que chegam, eu preciso dar para quem tá ouvindo o programa e que para o momento do dia para mandar uma mensagem.
MGTW: Como o pessoal dedica um momento para pedir música no programa, tu quer dedicar um momento dessa entrevista para agradecer essas pessoas?
Gabriele: Essas pessoas me levaram a momentos, encontros e lugares que eu não imaginava chegar, sabe? É entender que os ciclos acontecem e o que importa são as pessoas que estão na na trajetória. Já teve ouvinte que mandou: “às vezes eu boto o BR para tocar e ter coragem de sair de casa”. Tem gente que não imagina, mas tem dia que chego sem energia e são os ouvintes que me colocam de volta no lugar da energia. Eu dou muito de mim, mas eu sei que quem tá ouvindo e quem se dispõe a vir para uma entrevista também tá dando muito de si.
MGTW: É possível pensar uma relação entre a missão do BR-101.5 e o aumento no número de ouvintes de rádio? [A edição de 2025 do estudo“Inside Áudio”, realizado pela Kantar IBOPE Media reveça que o rádio é consumido por 79% da população] Gabriele: É tão importante quando a gente fala em números, porque desde que surgiu a televisão, a gente ouve que o rádio vai morrer. [Vale] pensar que o rádio continua sendo um dos meios mais acessíveis que existe. Para você ter um celular e entrar numa plataforma de streaming precisa de dinheiro investido. Enquanto que com qualquer R$ 5, R$ 10 você compra um radinho de pilha para se informar de fato e ter uma diversidade de canais. [Além disso], quando tudo fica sem área, as pessoas recorrem ao rádio para se informar de novo.
MGTW: Vamos falar dessa estética “caminheira”. De onde surgiu essa ideia?
Gabriele: Não deixa de brincar com a minha herança, que sou filha de um caminhoneiro. Que pai meu é quase um caixeiro viajante também, então foi um cara que me ensinou muito a conversar. Mas também ao fato de eu ser uma caminhoneira, não literal, do subjetivo mesmo, por eu ser uma mulher lésbica. Quantos radialistas LGBTQIAPN+ a gente conhece? Que falam abertamente sobre isso enquanto o microfone tá aberto? Eu não me coloco em um lugar de pioneirismo. Eu tenho a sorte de já terem vindo várias outras atrás de mim, que falaram isso várias vezes e que hoje me permite fazer isso.
MGTW: Ouve-se que você e o rádio tem a mesma frequência e que quando as coisas desandam na transmissão, você também sente”. O que isso quer dizer?
Gabriele: Vou realmente rasgar meu coração. Eu já passei por uns momentos de outros amigos radialistas dizerem assim: "Gabi, não se põe tanto, não fala tanto de tu, porque tem uma pessoa ou outra que vai ficar acompanhando essas informações”, mas a verdade é que eu não consigo, porque é isso de vibrar na mesma frequência mesmo do rádio.
Em conclusão: não há texto que traduza com exatidão o sentimento que a radialista nutre pelo rádio e comunicação pública. São as palavras de Gabriele Alves que causam a sensação mais próxima do que apenas o ao vivo consegue. Ao longo da conversa, revela-se mais do que uma comunicadora, é, sobretudo, uma amante da cultura, particularmente da música, e uma entusiasta de pessoas. As duas indicações tanto em 2022 e 2024 ao Woman's Music Event Awards, premiação dedicada às mulheres da música no Brasil, e a humildade ao falar do próprio trabalho comprovam isso.
Conheça mais da radialista pelas redes sociais: @gabrielealvesst e, o principal, sintonize na frequência FM 101.5 da Frei Caneca, de segunda a sexta, das 9h às 11h da manhã para ouvir o “bom dia, muito bom dia” da apresentadora. As entrevistas ficam salvas no canal do YouTube da Frei Caneca FM.
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