Dia Mundial da Poesia: versos que resistem, inspiram e celebram a arte da palavra
- Thales Martins
- 21 de mar.
- 3 min de leitura
“Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.”
Nos versos de Manuel Bandeira, extraídos do célebre poema "O Último Poema", a poesia se revela como sentimento puro, um sussurro de beleza e despedida. O poeta recifense, um dos grandes nomes da literatura brasileira, tinha o dom de transformar a simplicidade do cotidiano em emoção profunda, criando versos que atravessam gerações.
A poesia é um reflexo da condição humana, uma expressão que transcende o tempo e o espaço, registrando sentimentos, inquietações e sonhos. Nesta sexta-feira (21), é celebrado o Dia Mundial da Poesia, essa arte que colore a existência com palavras e sentimentos.

Instituída pela UNESCO em 1999, essa data busca resgatar e reafirmar a importância da poesia na construção da sensibilidade e do pensamento crítico. Em um mundo caótico e cada vez mais digital, a poesia se ergue como um refúgio, um espaço onde as palavras adquirem uma musicalidade própria e nos fazem ressignificar o cotidiano. Ela está presente nas páginas dos livros, nas canções, no teatro, nas ruas e na voz de quem a declama. É tanto arte quanto resistência, tanto memória quanto transformação.
“E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora, José?”
O questionamento imortalizado por Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, ecoa como um chamado à reflexão sobre a vida, o tempo e a existência.
A literatura brasileira é rica em poesia, ocupando um lugar de destaque na tradição cultural do país. Dos versos satíricos de Gregório de Matos à indignação libertária de Castro Alves, da musicalidade sensível de Cecília Meireles ao modernismo denso de Carlos Drummond de Andrade, passando pelo lirismo melancólico e cotidiano de Manuel Bandeira, a poesia nacional é um mosaico de estilos e temáticas. Mais recentemente, vozes como Conceição Evaristo, Odailta Alves, Sérgio Vaz e Bruna Mitrano demonstram que a poesia continua sendo uma ferramenta poderosa para dar voz aos marginalizados, denunciar injustiças e provocar mudanças.
“A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.”
Trecho do potente poema “Vozes-mulheres” de Conceição Evaristo, que fala sobre histórias de sofrimento e opressão vividas por gerações de mulheres pertencentes à mesma familia.
A poesia está nos livros, mas também nas ruas e na oralidade dos povos. No cordel nordestino, por exemplo, os versos narram histórias de amor, bravura e denúncia social. Na poesia concreta, a disposição gráfica das palavras no papel cria novos sentidos e diálogos visuais. Nos slams, batalhas poéticas marcadas pela urgência das questões contemporâneas, a voz do poeta ganha força política e performática. A poesia é múltipla, assim como a experiência humana.
"Palavra em Cantoria": um espetáculo de poesia e música

Entre as celebrações deste Dia Mundial da Poesia, destaca-se o espetáculo "Palavra em Cantoria", que reúne três gigantes da cultura nordestina: Jessier Quirino, Xangai e Maciel Melo. O evento acontece no Teatro Guararapes, em Olinda, na próxima sexta-feira (28), e promete um encontro memorável de vozes, histórias e poesia.
No palco, o trio vai compartilhar não apenas músicas e declamações, mas também vivências e sentimentos que traduzem a essência do Nordeste. Jessier Quirino, conhecido por seu olhar atento ao sertão, traz sua poesia carregada de humor e lirismo. Maciel Melo, com sua voz inconfundível, revive clássicos que marcaram gerações e emocionaram o público com suas composições. Já Xangai, mestre da tradição oral, dá vida a narrativas que fazem o espectador viajar pelas paisagens e emoções da cultura popular. Juntos, eles oferecem uma experiência única, em que a poesia se entrelaça à música e transforma a noite em uma verdadeira celebração da arte e da identidade nordestina.
Seja no lirismo romântico, na crítica social ou na poesia marginal, o essencial é permitir-se tocar pelas palavras e reconhecer que a poesia nos ensina a renascer, a reinventar e a seguir adiante, sempre inteiros, apesar das dificuldades da vida. Porque, no fim, a poesia é mais do que um gênero literário: é uma maneira de enxergar e transformar o mundo.
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