top of page

Dia Mundial da Poesia: versos que resistem, inspiram e celebram a arte da palavra

“Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.”


Nos versos de Manuel Bandeira, extraídos do célebre poema "O Último Poema", a poesia se revela como sentimento puro, um sussurro de beleza e despedida. O poeta recifense, um dos grandes nomes da literatura brasileira, tinha o dom de transformar a simplicidade do cotidiano em emoção profunda, criando versos que atravessam gerações.


A poesia é um reflexo da condição humana, uma expressão que transcende o tempo e o espaço, registrando sentimentos, inquietações e sonhos. Nesta sexta-feira (21), é celebrado o Dia Mundial da Poesia, essa arte que colore a existência com palavras e sentimentos.



Poema “Lixo, Luxo”, um dos clássicos da poesia concreta, composto por Augusto de Campos em 1966.
Poema “Lixo, Luxo”, um dos clássicos da poesia concreta, composto por Augusto de Campos em 1966.

Instituída pela UNESCO em 1999, essa data busca resgatar e reafirmar a importância da poesia na construção da sensibilidade e do pensamento crítico. Em um mundo caótico e cada vez mais digital, a poesia se ergue como um refúgio, um espaço onde as palavras adquirem uma musicalidade própria e nos fazem ressignificar o cotidiano. Ela está presente nas páginas dos livros, nas canções, no teatro, nas ruas e na voz de quem a declama. É tanto arte quanto resistência, tanto memória quanto transformação.


“E agora, José?

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,

e agora, José?”

O questionamento imortalizado por Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, ecoa como um chamado à reflexão sobre a vida, o tempo e a existência.


A literatura brasileira é rica em poesia, ocupando um lugar de destaque na tradição cultural do país. Dos versos satíricos de Gregório de Matos à indignação libertária de Castro Alves, da musicalidade sensível de Cecília Meireles ao modernismo denso de Carlos Drummond de Andrade, passando pelo lirismo melancólico e cotidiano de Manuel Bandeira, a poesia nacional é um mosaico de estilos e temáticas. Mais recentemente, vozes como Conceição Evaristo, Odailta Alves, Sérgio Vaz e Bruna Mitrano demonstram que a poesia continua sendo uma ferramenta poderosa para dar voz aos marginalizados, denunciar injustiças e provocar mudanças.


“A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida.


A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.


A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.


A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.”

Trecho do potente poema “Vozes-mulheres” de Conceição Evaristo, que fala sobre histórias de sofrimento e opressão vividas por gerações de mulheres pertencentes à mesma familia.


A poesia está nos livros, mas também nas ruas e na oralidade dos povos. No cordel nordestino, por exemplo, os versos narram histórias de amor, bravura e denúncia social. Na poesia concreta, a disposição gráfica das palavras no papel cria novos sentidos e diálogos visuais. Nos slams, batalhas poéticas marcadas pela urgência das questões contemporâneas, a voz do poeta ganha força política e performática. A poesia é múltipla, assim como a experiência humana.


"Palavra em Cantoria": um espetáculo de poesia e música



Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Entre as celebrações deste Dia Mundial da Poesia, destaca-se o espetáculo "Palavra em Cantoria", que reúne três gigantes da cultura nordestina: Jessier Quirino, Xangai e Maciel Melo. O evento acontece no Teatro Guararapes, em Olinda, na próxima sexta-feira (28), e promete um encontro memorável de vozes, histórias e poesia. 


No palco, o trio vai compartilhar não apenas músicas e declamações, mas também vivências e sentimentos que traduzem a essência do Nordeste. Jessier Quirino, conhecido por seu olhar atento ao sertão, traz sua poesia carregada de humor e lirismo. Maciel Melo, com sua voz inconfundível, revive clássicos que marcaram gerações e emocionaram o público com suas composições. Já Xangai, mestre da tradição oral, dá vida a narrativas que fazem o espectador viajar pelas paisagens e emoções da cultura popular. Juntos, eles oferecem uma experiência única, em que a poesia se entrelaça à música e transforma a noite em uma verdadeira celebração da arte e da identidade nordestina.


Seja no lirismo romântico, na crítica social ou na poesia marginal, o essencial é permitir-se tocar pelas palavras e reconhecer que a poesia nos ensina a renascer, a reinventar e a seguir adiante, sempre inteiros, apesar das dificuldades da vida. Porque, no fim, a poesia é mais do que um gênero literário: é uma maneira de enxergar e transformar o mundo.



Comentários


bottom of page