Em “A fruta que tá vindo”, Bruxos de Nadí eletrizam o underground recifense
- Luíza Bispo

- há 1 hora
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Confira a crítica faixa a faixa do primeiro EP da banda independente
Tem coisas na vida que chegam como uma deliciosa surpresa: é o caso de conhecer um novo café favorito, ler um livro sem saber a sinopse e acabar se apaixonando ou o momento que você percebe que o filme que está vendo pela primeira vez vai acabar te transformando por dentro. Outra delas é dar play em um álbum por mera casualidade e se surpreender positivamente ao ponto de repetir por dias. Foi o que me aconteceu com A fruta tá vindo, projeto autoral da banda independente Bruxos de Nadí.

O curioso é que nosso caso, porém, não começa agora. Egresso do Centro de Artes e Comunicação da UFPE – o famoso CAC –, lembro de, entre pausas pra cigarros, aulas e cafés, ter presenciado algumas apresentações da banda no hall do centro, lá em meados de 2023. Dessa lembrança, também me recordo de um momento específico que nunca desgrudou da minha cabeça, quando chamavam atenção pelo desempenho durante a performance de “Dê um rolê” à lá Gal-Fatal. Dois anos depois, ao esbarrar no álbum recém-lançado da banda, percebo que aquela presença de palco era o prenúncio de um projeto que agora ganha corpo e se expande no ar.
Em “A fruta que tá vindo”, as inspirações da era tropicalista da cantora baiana são ainda mais claras, ressoada por amplificadores que aguçam uma guitarra potente, um baixo muito bem colocado (o que torna tudo muito mais instigante) e uma bateria provocadora, embalados pela voz firme e doce de Nadí (vocalista).
Faixa 1: Samba do futuro
Abrindo o disco, "Samba do futuro" soa como um manifesto estético do álbum. A faixa se apoia principalmente no violão, que conduz a música com delicadeza, enquanto os demais vão se encaixando de forma progressiva, criando uma atmosfera que remete a continuidade das vivências tropicalistas, situadas hoje num cenário pós-moderno. O coro que surge ao fundo é um detalhe surpreendente feliz, ampliando o sentimento coletivo da canção na medida certa. Quando Nadí canta “A fruta mais doce desse pé é a que ainda tá vindo”, parece anunciar o horizonte da própria banda.
“Com a cabeça de um homem e os olhos de um menino, olhei para o passado”.
“A fruta mais doce desse pé é a que ainda tá vindo, é que as coisas mudam tanto no caminho”
Faixa 2: Conselho
Na segunda música, o grupo desacelera para investir na força da voz. A interpretação de Nadí é um dos grandes destaques do disco, evocando a subalternidade de intérpretes setentistas, mas com um tom que também lembra a intimidade elegante de Marisa Monte em seus momentos mais interessantes. Esse protagonismo é também compartilhado com um instrumental preciso: o baixo de Daniel Pérez entra no ponto exato, a guitarra solo de Guilherme Rosa aparece precisa e a bateria de Caetano Bruxo quebra tudo com segurança e intensidade. Para um projeto independente gravado dentro do quarto, a produção impressiona pelo cuidado e pelo acerto nas escolhas, tudo reforçado por versos que clamam o desejo, a ausência e a incapacidade de sentir.
“Quem não consegue sonhar
quem não consegue dar
quem não consegue gozar
quem não consegue sentir
saudade
basta sofrer”
Faixa 3: Você Não Se Importa Comigo
Mais direta e visceral, a terceira faixa do projeto aposta em uma sonoridade mais quente e cromática, evocando musicalidade em tons de vermelho. Aqui, novamente, guitarra solo, baixo, bateria e produção se destacam, criando uma base sólida para uma letra que é ao mesmo tempo simples e cortante. O timbre moderno da guitarra refresca o disco e impede qualquer sensação de repetição, enquanto letras como “Eu vou fazer o que você quiser/ eu posso ver no seu olho/ que você não se importa comigo” condensam um tipo de confissão muito honesta.
“Nunca fiz mal pra você
nem pra ninguém
só pra mim”
Faixa 4: Cabeça, não
Em "Cabeça, não", o baixista Daniel Pérez assume o centro da faixa, conduzindo a música com embalo. É também nesse momento que as habilidades vocais de Nadí se revelam com mais nitidez em uma interpretação que cresce entre nuances com muita naturalidade. Aqui, a letra trabalha imagens de deslocamento, medo e desejo contido, mostrando uma atenção conjunta aos conflitos internos.
“Como se fosse o medo de se deslumbrar na explosão,
Como se as viagens fossem muito curtas para voltar”
Faixa 5: Pássaros & Drones
Encerrando o álbum, "Pássaros & Drones" é uma das faixas mais instigantes em termos de letra. Ao colocar lado a lado natureza e tecnologia, a banda propõe uma reflexão simples, mas contundente, sobre automatização e mecanização da vida. Musicalmente, todos os elementos se destacam, em uma faixa que soa coesa, madura e com clara vocação para single. O encerramento funciona como síntese do disco: autoconsciente e seguro do que está dizendo.
“Acima de você há pássaros e drones, impossíveis de diferenciar”
No fim, "A fruta tá vindo" me parece a confirmação de algo que já estava ali, germinando entre corredores e apresentações repentinas no CAC. Como anunciam na faixa inicial, o tempo dos Bruxos de Nadí não é o da pressa, mas sim o da maturação.
Escute abaixo:



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