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Em “O Último Azul”, Gabriel Mascaro explora o poder revolucionário do envelhecimento

Centrado em um mundo onde o etarismo é a norma, último longa de Gabriel Mascaro tem estreia nacional marcada para 28 de agosto; pré estreia acontece na sexta-feira (22).


O cinema de Gabriel Mascaro costuma se inspirar nas fissuras do cotidiano para revelar tensões sociais com delicadeza e precisão. Em “Boi Neon” (2015), o diretor já explorava os dilemas e contradições da masculinidade sertaneja; em “Divino Amor” (2019), antecipava um Brasil distópico marcado pelo fervor religioso. Agora, com “O Último Azul” (2025), Mascaro retorna à ficção para tocar uma ferida ainda mais íngreme: a forma como a velhice é tratada e esvaziada de sentido no cenário político contemporâneo.


O mundo catastrófico que ele constrói é simples, quase minimalista, mas assustadoramente crível. Situado no interior do Amazonas, o longa não precisa de tecnologia futurista para se firmar como uma distopia convincente: caminhonetes adaptadas em gaiolas, os “caça-velhos”, percorrem as ruas recolhendo idosos considerados velhos demais para produzir ou existir em sociedade, levando-os para uma colônia. É nesse cenário que conhecemos Tereza, interpretada brilhantemente por Denise Weinberg, funcionária de um matadouro de jacarés, demitida aos 77 anos por ordem do Estado e entregue à custódia da filha. O gesto seco e burocrático, conduzido por uma direção igualmente precisa, traduz ao espectador o decreto de sua morte social, justificada pela “inutilidade” de sua idade. A frieza dessa cena, quase clínica, reverbera uma tensão silenciosa e deixa um gosto amargo de que aquilo que vemos na tela poderia acontecer fora dela a qualquer momento.


Imagem: Reprodução/ “O Último Azul”
Imagem: Reprodução/ “O Último Azul”

Da insatisfação inicial surge a travessia, tanto física quanto simbólica. Inconformada com seu futuro, Tereza se lança ao rio atrás de um desejo que até então parecia impossível, o sonho de voar. Pelo caminho, cruza com Cadu (Rodrigo Santoro), barqueiro que a ensina a conduzir seu próprio destino, e Ludemir (Adanilo), um jovem piloto clandestino que promete o céu. Com interpretações bastante emblemáticas, ambos os personagens aparecem como guias passageiros, abrindo brechas de autonomia e descoberta para a protagonista, mas desaparecem rapidamente, deixando a sensação que a vida oscila entre liberdade, esperança e perda, e o espectador sente o peso dessa incerteza.


Imagem: Reprodução/ Tereza (Denise Weinberg) e Cadu (Rodrigo Santoro) em “O Último Azul”
Imagem: Reprodução/ Tereza (Denise Weinberg) e Cadu (Rodrigo Santoro) em “O Último Azul”

A fotografia imersiva de Guillermo Garza aprofunda ainda mais essa experiência. O cenário amazônico, com a imensidão de sua fauna e flora, molda o tempo todo as escolhas e o destino da protagonista. Ao trocar a paisagem urbana pelos rios e florestas, o filme transita da denúncia social para uma obra que também expõe de forma muito eloquente e sutil reflexões sobre liberdade e temporalidade a partir da conexão com o ambiente. Em entrevista para a Revista Continente, o diretor deixou claro a intenção de retratar a Amazônia como um palco de disputas de poder, saindo da normativa midiática de retratá-la enquanto cartão-postal do Brasil, e a câmera, sempre atenta, cumpre essa função com a sensibilidade necessária para a trama.


Daí em diante, rumos inusitados são tomados e escolhas que pareciam impossíveis se concretizam, como a descoberta do caracol de baba azul que provoca um efeito alucinógeno e o relacionamento sugestivo de Tereza com Roberta (Miriam Socarrás), uma falsa missionária que ilumina seu caminho. Assim como Cadu e Ludemir, a personagem de Miriam Socarrás deixa a sensação de que poderia ter sido mais aprofundada e explorada. Apesar dessa limitação, no entanto, a personagem cumpre seu papel na metamorfose da protagonista enquanto desbravadora anti-heroica.


Entre metáforas que ora funcionam, ora se tornam óbvias, “O Último Azul” reafirma a potência do cinema pernambucano. Provocador e sutil, o longa comove não somente pelo que exibe, mas pelo que escancara: um futuro em que a vida só tem valor enquanto produz. Ao colocar no centro uma idosa que insiste em sonhar, Mascaro nos lembra que resistir é reivindicar o direito de continuar desejando, mesmo quando o mundo parece ter decretado que já não podemos mais.


Imagem: Reprodução/ Tereza (Denise Weinberg) em “O Último Azul”
Imagem: Reprodução/ Tereza (Denise Weinberg) em “O Último Azul”

Confira agora o trailer: 




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