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Foto do escritorManguetown Revista

Mulheres no Hip Hop: a luta por espaço e reconhecimento nas batalhas de rima em Pernambuco

Machismo, insegurança e falta de incentivo são alguns dos motivos apontados pelas MCs como obstáculos para ocuparem essa cena no estado


Texto de Júlia Carla e Maria Eduarda Silva


O Hip Hop em Pernambuco tem visto um crescimento significativo da presença feminina nas batalhas de rima, mas a ausência de mulheres no Duelo Estadual de MCs destaca um desafio persistente: onde estão as mulheres nas finais? Essa questão é crucial, especialmente em um movimento ainda dominado por vozes masculinas.


Maria Dinda, organizadora da Batalha do Trombone e da Batalha da Liberdade, e as MCs N.I.X Machine e Majesgabi, em entrevista à Manguetown Revista, abordaram o panorama atual do Hip Hop  no estado. Além disso, a rapper Kaemy, vencedora do Duelo Nacional em 2023, soma-se ao debate da representatividade feminina nas batalhas de rima. 


Analisando o cenário das batalhas de rima de alguns anos atrás, é notório que era raro ver mulheres nas batalhas de rima em todo o estado. A ausência de mulheres nas batalhas se deve às dificuldades constantes enfrentadas por quem desbrava esse caminho. 


São poucos os espaços com equidade de gênero, e o cenário conta com uma estrutura misógina que se instaurou ao longo dos anos. Por mais que uma mulher seja talentosa nas rimas, ela precisa se provar três vezes mais para alcançar o mínimo de reconhecimento na cena.


Desafios Estruturais e Misoginia


Apesar dos esforços para promover inclusão e visibilidade, como os eventos da Batalha da Liberdade, as mulheres continuam a enfrentar barreiras significativas. Históricos de exclusão e uma cultura ainda permeada por estruturas misóginas dificultam a consolidação das MCs no cenário.


Imagem: Redes Sociais

A MC N.I.X Machine, de 24 anos, natural de Arcoverde, começou a se envolver com a poesia e a música há cerca de 10 anos atrás, mas só se lançou nas batalhas de rima após observar a recepção de uma mulher em um espaço dominado por homens. 


"Quando essa menina saiu por conta do machismo na batalha, percebi que era um ambiente hostil", relatou N.I.X. Com o passar dos anos, ela notou uma evolução nas regras, mas ainda sente que a opressão persiste, embora de forma mais camuflada.


A MC Majesgabi, mulher trans, de 28 anos, falou sobre os desafios que enfrenta nas batalhas de rima, especialmente a invalidação de sua identidade de gênero por parte de homens cis. "Basicamente, a gente tem que se reafirmar duas vezes, tanto na identidade de gênero quanto na mulheridade", desabafou. 


Embora tenha iniciado sua carreira como MC há pouco tempo, em 2023, ela relatou que já vivenciou diversos episódios de discriminação que já afetaram diretamente sua carreira artística. Apesar desses momentos de preconceito, Majesgabi se mantém firme no Hip Hop: "Eles têm que aceitar que a boneca tá no mesmo corre que eles, com a mesma representatividade", afirmou.


Fora de Pernambuco, a rapper goiana Kaemy, vencedora do Duelo Nacional de MCs em 2023, soma-se às pernambucanas na denúncia. “Nas batalhas ainda há um baixo número de minas e pessoas trans. Acho que falta incentivo e abrir espaço para todo mundo que quer fazer sua arte”, declara. Para o Duelo desse ano, Kaemy já tem sua torcida definida : “minha expectativa é que outra mina seja campeã e que seja uma edição mágica”, completa.


Experiências de Violência e Assédio


A violência enfrentada pelas mulheres vai além do que acontece nas batalhas. As MCs lidam constantemente com situações de agressão e assédio simplesmente por serem mulheres. Majesgabi compartilhou sua experiência, relatando que já foi agredida verbalmente e fisicamente na rua. 


Maria Dinda, organizadora da Batalha do Trombone desde 2016, destacou os obstáculos que fazem parte do cotidiano das mulheres MCs e que afetam na participação delas: “sempre foi bem difícil, sempre teve poucas meninas querendo botar a cara, até porque, como eu sempre friso, não é igual para uma mulher estar na rua, não é igual para uma mulher pegar ônibus tarde, não é igual para uma mulher botar a cara em uma batalha”.


O medo e a insegurança de voltar para casa após os eventos, especialmente à noite, é uma constante, tornando o corre das mulheres no Hip Hop ainda mais desafiador, sobretudo quando elas expõem essas vivências nas batalhas de rima e são julgadas por isso.


Os Desafios de Ser Mulher no Hip Hop


N.I.X destaca que os desafios vão além do machismo. “O ambiente não propicia que mulheres se sintam confortáveis, e muitas que começam não conseguem continuar, pois são as que estão cuidando da casa e dos filhos”. Ela também menciona suas dificuldades como mãe solo e a luta constante para equilibrar suas responsabilidades com a carreira. “Minha maior motivação é a minha filha. Quero que ela veja que não desisti dos meus sonhos”, afirma N.I.X, que já chegou à final do Duelo Estadual em 2022.


Essas barreiras são sentidas de forma coletiva. A MC relatou que, em um dos eventos em que participou, havia apenas duas mulheres entre vários homens, refletindo a disparidade no apoio e na representação feminina no Hip Hop.


Caminhos para a Inclusão


A falta de apoio por parte de algumas organizações em relação à participação feminina nas batalhas de rima em Pernambuco também é evidente. Eventos organizados por mulheres, como o recente encontro da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop em Pernambuco, não recebem o mesmo suporte que os promovidos por homens. Embora o regulamento de algumas batalhas preveja uma porcentagem de representatividade feminina, na prática, segundo a experiência de Majesgabi, essa inclusão não é cumprida. A desigualdade em relação às oportunidades oferecidas às mulheres na cena hip hop ainda persiste.


Imagem: Redes Sociais

Majesgabi critica a falta de aplicação do regulamento nas seletivas de algumas batalhas, o que desestabiliza e afasta a presença feminina: "Quando a gente vê as seletivas individualmente nas batalhas, a gente não vê ser cumprido o regulamento que deveria, sabe? [...] Mesmo com mulheres merecedoras, o máximo que elas conseguem chegar é nas quartas de final ou semifinal”.


A ausência da participação feminina em batalhas de rima em Pernambuco é uma questão recorrente, apesar do crescimento de mulheres que rimam muitas não ganham visibilidade por mais talentosas que sejam. Segundo Maria Dinda, esse problema reflete na falta de planejamento e comprometimento de eventos em incluir mulheres. "Era para uma equipe fazer isso, não é a menina que tem que se esforçar, é o evento que tem que planejar para incluir [...] Acho que falta essa visão, essa vontade de abraçar a causa e fazer acontecer", desabafou.


Para N.I.X, atrair mais mulheres para as batalhas envolve criar um ambiente acolhedor e garantir oportunidades. “Acredito que seria importante fazer batalhas apenas com mulheres, criando um espaço onde elas possam se conectar e se sentir confortáveis”, sugere. Além disso, eventos que garantam uma remuneração justa aos participantes poderiam incentivar a presença feminina.


Ela também aconselha aquelas que têm receio de entrar no meio: “só entrar. Você pode ser a primeira mulher a inspirar outras”. Essa é uma mensagem importante, reforçando que a visibilidade e a representatividade são essenciais para a construção de um cenário mais inclusivo.


A importância de ter uma batalha feminina


Kaemy começou a batalhar em 2015 e foi percebendo o próprio talento a partir das frequentes vitórias. Para ela, o palco da rima é sem dúvidas o seu lugar.  “Sinto que eu tô no meu lugar, lutei muito, passei altas coisas para conseguir me tornar a Kaemy. Então, me sinto realizada em sentir que eu consegui”, afirma. 


Imagem: Redes Sociais

Em Pernambuco, a Batalha da Liberdade surgiu como uma resposta direta à necessidade de dar visibilidade às mulheres MCs. Idealizada e organizada por Maria Dinda, o evento surgiu para acolher e incentivar a participação feminina nesse meio. Em setembro, ocorreu a primeira edição do evento, que contou com a participação de oito mulheres da Região Metropolitana de Recife. "Sinto que está no momento de virada de chave, as meninas estão botando mais a cara, e eu estou muito nessa do incentivo", comentou a organizado ra.


A batalha da liberdade pode ser vista como o início um novo passo na luta das mulheres por espaço no movimento Hip Hop pernambucano. Diferente de outras batalhas que ocorrem por todo o estado, a Batalha da Liberdade engaja a luta das mulheres e as convida diretamente a rimar. “São poucas as batalhas que fazem isso e que têm noção de que não é igual mesmo e que têm que chamar as meninas para rimar”, afirma Maria Dinda.


Reflexões e futuro do Hip Hop feminino


A luta pela inclusão das mulheres nas batalhas de rima é um reflexo de uma batalha maior por equidade e respeito no Hip Hop e na sociedade como um todo. As vozes femininas estão se fazendo ouvir, e, apesar dos desafios, a persistência e o talento dessas artistas prometem transformar o cenário. A representatividade feminina nas batalhas de rima é uma questão de justiça e de celebração da diversidade que enriquece a cultura Hip Hop.


O futuro do Hip Hop pernambucano depende da inclusão de todas as vozes, e a luta das MCs é uma parte vital dessa narrativa. Como N.I.X lembrou em sua experiência na seletiva do estadual, “estando em um ambiente onde era a única mulher, você se sente solitária, mas isso também é uma oportunidade de mostrar que estamos aqui”.


A cena feminina pernambucana tem grande potencial para trazer transformações nas batalhas. A presença de mulheres rimando enriquecem o movimento Hip Hop com novas vivências e perspectivas. Para Maria Dinda, a forma única como as mulheres atacam e se defendem nas rimas, frequentemente trazendo à tona suas realidades e lutas, é crucial para que o movimento avance de forma mais inclusiva e consciente, e isso faz da batalha um espaço educativo, "é educativo ter mulheres nas batalhas, eu acho educativo pra caramba para a transformação social que o Hip Hop defende, e é necessário ter mulher rimando."


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