“Ninguém fala sem melodia”: Vinícius Barros tem a música como meio de se comunicar
- Guilherme dos Santos

- 30 de ago.
- 6 min de leitura
Em entrevista para a Manguetown Revista, artista fala sobre o papel da música, a trajetória como músico e o novo álbum “Cidadela”

As ruas do bairro da Mustardinha, na Zona Oeste da capital pernambucana, são linhas onde parte da vida de um certo cantautor é escrita: foi de lá que, com olhar da infância, Vinícius Barros primeiro viu as engrenagens do mundo acontecer. Dos jogos de futebol com os amigos aos primeiros acordes no violão, as vivências no bairro e na cidade são uma das bases do novo trabalho do músico, o álbum intitulado “Cidadela” (2025). Com participação de Martins, Zé Manoel e Orquestra Malassombro, o disco e o lugar poético construído nele são mais um exemplo da maneira que o artista, a partir da ótica recifense, conta histórias que fazem sentido em outras partes do mundo.
Nascido e criado no Recife (PE), Vinícius sempre foi cercado pela música. Fosse pelo rádio do pai, sempre ecoando as ondas dentro de casa, ou pela presença dos tios músicos, as referências da profissão que um dia seguiria estiveram bastante presentes no dia a dia dele. Com os primos, o ofício do artista se desenrolou como um passatempo de criança, quando eles se juntavam para “brincar de bola e de banda”, diz. Quando um dia entendeu que as pessoas precisam trabalhar para viver, não pensou em exercer alguma atividade que não fosse a música. “Nunca quis outra coisa da minha vida. A música exerce uma força gravitacional em mim”, conclui.
Na igreja em que fez a primeira comunhão foi onde também começou a desenvolver-se ainda mais como músico. Aquilo que aprendia com as seis cordas do violão tornava-se, cada vez mais, um sacramento necessário e indispensável para Vinícius. Em paralelo a isso, costumava acompanhar os tios nos bares e botecos nas noites em que eles tocavam. Como era criança e, portanto, não podia consumir bebidas alcoólicas, os tira gostos faziam companhia enquanto o menino absorvia aquilo que os grandes clássicos da música brasileira, como João Gilberto, Chico Buarque e Djavan, tinham a dizer. “Aos 12 anos, eu já era um menino boêmio”, brinca. Entre o sagrado e o profano, Vinicius constrói dessa maneira a sua formação.
Para garantir que o filho focasse nas outras atividades da vida, Marcos, pai de Vinícius, desafinava e escondia o violão para que o garoto só pudesse praticar no instrumento depois de concluir as obrigações. “Às vezes não fazia tudo, e dava uma enrolada”, conta Vinícius, que lembra da euforia para voltar a mergulhar nas possibilidades de cada nota musical. Foi aprendendo assim, afinando e comparando o som com músicas que já havia estudado, a dominar os conjuntos de notas musicais.
Com forte inspiração na música brasileira, os ritmos em volta do músico foram matérias para a construção do estilo eclético dele. Ouvia de Capiba a João Bosco, em uma loucura de informações que ajudaram a formar o repertório e a proximidade, sobretudo, nacional. “Enquanto o Grunge estava se instaurando na minha escola e todo mundo estava gostando de Pearl Jean e Nirvana, eu tava fixado por Cordel do Fogo Encantado”, comenta. “O manguebeat foi o que impulsionou a ter curiosidade pelo o que é de fora. Mas, para mim, o que era mais natural, mais imediato, era Lenine, era Luiz Gonzaga…”.
“Minha mãe adora frevo, música folclórica, cultura popular. Meu pai é apaixonado por beatles. Então eu ouvia de capiba a beatles, a João Bosco, e tudo isso com o violão, tentando tocar tudo. Eram referências que se misturavam ali. Coisas que sintetizam em uma formação própria musical.”
-Vinícius Barros
Vinícius Barros seguiu com essa bagagem mista quando passou a trabalhar profissionalmente como músico. Tocou em todo tipo de “pedreira”, como ele chama as possibilidades reservadas pela noite. Forró, raggae, pagode, qualquer que fosse o gênero ou estilo, lá estava ele pronto para fazer o trabalho. “No Brasil, e principalmente em Pernambuco, o músico tem que saber tocar de tudo. É aquele músico de baile, né? Aquele músico que você só diz para ele vestir uma camisa preta e vim com o instrumento, porque ele não sabe o que vai acontecer lá”, explica.
Apesar da versatilidade, ele evidencia que há ainda muito a aprender: “Acho que eu não tô maduro ainda não, acho que depois de maduro só evolui pra podre, né? Então é melhor você estar sempre tendo mais a amadurecer”, diz.
O primeiro trabalho autoral de Vinícius Barros nasceu em 2015, quando lançou o EP “Universo”. Tem esse nome pelo conceito amplo e por ter “um pouco de tudo”, como ele caracteriza. Com seis faixas, o cantor tornou pública a lírica e poesia que são marcas fortes daquilo que produz. As letras arranjadas e baseadas nas vivências do artista passeiam por temas diversos, como cidade e memória, negritude, identidade e afetividade. Para ele, o momento de compor parte da análise social que faz daquilo que o cerca.
“Eu tenho muita preocupação em falar do que eu vivo, do que está ao meu alcance. É uma forma de comunicar e dizer o que eu estou compreendendo do mundo. Fico aguardando ouvir outras coisas de outros artistas também. É a minha forma de conversar com as pessoas”, diz.
Banzo (2018), primeiro álbum de Vinícius, amplia o alicerce poético estabelecido em “Universo”, e traz 11 canções autorais em um trabalho que se aproxima de um disco de banda. Já “Cidadela” (2025), último trabalho do artista, que tem produção de Juliano Holanda e direção vocal de Almério, segue o mesmo estilo lírico, mas parte de um conceito já estabelecido. É que o disco constrói a história de um lugar que, na verdade, pode ser qualquer um, já que são retratados fatos corriqueiros na vida de qualquer que seja a pessoa ouvinte. “Eu trouxe esse nome, que já era uma recorrência minha de falar sobre urbanidade. A cidadela é uma organização, então quis fazer das memórias a estrutura pra montar desse ambiente poético”, conta.
Agora, prestes a compartilhar com o público o repertório em que constrói a Cidadela, Vinícius se prepara para as apresentações em que revela os caminhos que as letras percorrem. A apresentação será no dia 30 de agosto, na Casa de Alzira, no Muafro, localizado no Bairro do Recife, área central da capital.Semelhante ao percurso que fazia quando era criança, não esquece de mencionar a etapa de deixar o instrumento afinado. “Tá tudo encaminhado. Tenho que trocar as cordas do violão, botar as cordas novas e fazer o show”.
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Guilherme: Vinícius, como foi compor as canções do disco?
Vinícius: Foi um processo em que eu parti do título pra fazer. Foi trabalhoso, porque não foi uma composição livre, mas também foi interessante essa coisa de ter uma provocação. Tiveram músicas que já haviam sido compostas antes, como Reverb, que fiz com Martin. Mas foi um processo meio desafiador de ter um tema e ter que montar a história que se conta ao longo do disco.
G: Quais as diferenças com o álbum anterior?
V: Banzo é um disco de banda, todas as músicas têm os mesmos músicos tocando. Já Cidadela era pra ser um disco de um artista. Em Banzo, por exemplo, a banda assina a produção junto comigo.
G: E as semelhanças?
V:Os dois seguem uma linha. Continuo falando de urbanidade, de negritude, das minhas vivências. Talvez seja meio autobiográfico as duas obras. E as duas obras têm esse mesmo link: talvez não sejam o mesmo momento da minha vida, mas é o mesmo ponto, só que um pouco mais pra frente.
G: Você já fez shows com o repertório de “Cidadela” antes?
V: Já fiz alguns shows. No sesc Santo Amaro e também na Fenearte deste ano. Esse vai ser o terceiro show, e vai ser voz e violão. A proposta é diferente em relação às outras apresentações. Vai ser mais intimista, pra gente conversar sobre as letras e contar as histórias por trás delas. É um show para compreender o que quis dizer naquele texto. No repertório, além do disco na íntegra, também vou trazer coisas que venho ouvindo e canções dos outros álbuns.
G: E o que não pode faltar na música que Vinícius Barros faz?
V: Não pode faltar vontade, não pode faltar alguma surpresa, alguma esquisitice, alguma estranheza. E não pode faltar identidade, né? Tem que parecer comigo.
G: O que te motiva?
V: O que me motiva é minha necessidade de me comunicar com o mundo. Eu não consegui desenvolver essa comunicação de outra forma. Eu já tentei muito fazer outras coisas da vida. Já tentei muito não ser artista. Mas a música exerce uma força gravitacional em mim.
Eu faço isso porque é uma questão de saúde. Eu necessito mesmo disso. A música chega na minha vida por eu ser uma pessoa muito tímida. Quando eu tava com o violão, eu tava com um companheiro com o qual eu passava o tempo, eu interagia, e ficava ali. Eu fui criando um universo ao redor dessa energia que é a energia da canção.
O que me motiva talvez seja por que aprendi a me comunicar com o mundo a partir da música. Então quando eu não estou com a música, eu não consigo exprimir aquilo que está dentro. Eu vou vivendo de uma forma mais automática. Então se eu não fizer música, eu fico muito pra dentro, e acabo calcificando muitos sentimentos que estão aí que eu não consigo exprimir de outra forma.
G: Então o que é música pra você?
V: É essa energia que o homem tentou domesticar, mas acabou se tornando bem maior que o homem. É um espírito. Nosso corpo é compassado. O coração bate num ritmo, você anda num ritmo. Então a música é necessária para o funcionamento orgânico. E quando você fala, existe uma melodia no falar. Ninguém fala sem melodia.
Confira álbum completo:



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