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O Coco de roda e a resistência do batuque pernambucano

Foto do escritor: Manguetown RevistaManguetown Revista

Uma das manifestações culturais mais tradicionais de Pernambuco, o coco segue vivo e pulsante, resistindo através de grupos que mantêm suas raízes e renovam sua força.


Texto de Luíza Bispo e Maddu Lima


O Coco é um ritmo ancestral, cuja origem remonta aos engenhos, e é uma herança deixada pelos escravizados que, durante o dia, trabalhavam na lavoura e, à noite, dançavam. Chamado de "Mazuka" nos engenhos, era uma dança coletiva usada para pilar o chão de barro das senzalas. Essa manifestação cultural tradicional de Pernambuco, ao longo do tempo, ramificou-se em diferentes variações, como o Coco Trupé, o Coco Ciranda, o Coco da Beira de Praia, o Coco de Umbigada, entre outros.


O som da percussão ecoa, os versos rimados conduzem a roda, e os pés marcam o chão com energia e ritmo característicos. O coco, uma das manifestações culturais mais tradicionais de Pernambuco, segue vivo e se renova a cada ano de Carnaval. Enquanto o frevo se espalha por todo o ar e o maracatu desfila sua popularidade, o Coco de roda se agarra às beiradas, onde a cultura popular sempre soube sobreviver e resistir.


Neste especial de Carnaval da Manguetown Revista, descubra mais sobre um dos expoentes dessa continuidade: o Coco de Fulô. O grupo mescla influências da cultura popular com uma abordagem contemporânea, levando a identidade sonora da Mata Norte do Estado para o Brasil e o mundo.


Coco de Fulô


O projeto musical tem suas raízes ligadas ao Cavalo-Marinho e às sambadas tradicionais da Mata Norte de Pernambuco. O grupo, formado por músicos e brincantes amigos de música e de vida, busca preservar as tradições enquanto constrói uma identidade própria. “A cultura popular já vem com um roteiro de vivência, um traço de continuidade ao que veio lá de trás”, explica Ricco Serafim, vocalista e cabeça do projeto.


A relação com mestres de diferentes territórios também faz parte do processo de construção do grupo. Com influências que vão do maracatu à ciranda, o Coco de Fulô se apresenta como um ponto de encontro entre a ancestralidade e a modernidade. Para Ricco, ter isso em mente é muito importante para o legado do projeto, que busca apresentar ao mundo novas formas de se fazer Coco.

“Não se trata de modernizar no sentido de descaracterizar, mas de adaptar. Antigamente, a ciranda era cantada com corneta, hoje temos trompete. Os microfones ajudam a amplificar as vozes, mas a alma da música continua a mesma”, afirma.

Essa luta pela preservação e valorização da tradição, no entanto, não se dá apenas dentro dos palcos. Ela se reflete nas dificuldades cotidianas enfrentadas pelo grupo e por outros mestres e brincantes da cultura popular local. As questões burocráticas, a falta de apoio consistente e o descaso com a riqueza do legado cultural da Mata Norte e de todo o estado são desafios que se impõem durante todo o ano.


Um dos principais obstáculos enfrentados pelo Coco de Fulô é a dificuldade em integrar a cultura tradicional nas programações oficiais, especialmente durante o Carnaval. Embora o grupo seja um nome importante na cena local, o processo de inserção na agenda de festividades do Governo do Estado e das prefeituras é, muitas vezes, cheio de entraves, de acordo com Ricco. “A gente se inscreve nos editais, mas a programação oficial ainda não entra nas redes sociais, e tudo fica no campo da expectativa”, revela o vocalista.


Lamentavelmente, o problema não se limita à falta de reconhecimento, perpassando também pela disparidade nos cachês pagos aos grupos. É comum que manifestações como o Coco de Roda, a Ciranda e o Cavalo-marinho recebam valores muito abaixo do que bandas de mercado e outros estilos mais "rentáveis", como o frevo e o forró, conseguem negociar. 7


“Uma ciranda da Zona Rural recebe entre R$ 1000 e R$ 1500 para tocar no Carnaval, enquanto o trabalho e o legado de um mestre mereciam muito mais. São pessoas que não vivem de música porque não conseguem. A cultura popular não se faz a partir de um computador, mas das ruas, dos terreiros e das praças”, reflete Ricco.


Samba de Coco Raízes de Arcoverde


“Se você perguntar sobre Arcoverde as pessoas vão falar:’ É a terra do samba do coco’”, afirma mestre Assis Calixto.


Idealizado por Lula Calixto e, pelas famílias Gomes e pelas irmãs Lopes, o grupo existe e resiste desde 1992, preservando e resgatando o legado de Ivo Lopes, o primeiro coquista de Arcoverde. Em 1999, com o falecimento de Lula Calixto, aos 57 anos, seus irmãos, Damião e Assis Calixto, assumiram a missão de manter viva a tradição familiar.


“É a herança que ele deixou pra gente e pediu pra mim e pro Damião não deixarmos morrer, envolver sempre a família. Hoje, minhas sobrinhas e filhos todos dançam e tocam no Samba de Coco”, conta o Mestre.


grupo samba coco raízes de arcoverde posando pra foto de roupas coloridas predominante vermelhas
Grupo Samba Coco Raízes de Arcoverde: - Foto José De Holanda

Localizada no Sertão de Pernambuco, Arcoverde, conhecida como a "Capital do Samba de Coco" ou "Terra do Samba de Coco", abriga pelo menos sete grupos de coco espalhados. É dessa maneira que  mantém viva essa tradição e preserva suas raízes.


O estilo de Coco conhecido como trupé criado por Lula Calixto, é uma marca do  grupo Samba de Coco Raízes de Arcoverde. A principal característica é a batida rápida e forte dos pés no chão, utilizando tamancos de madeira como instrumentos de percussão. Inicialmente, Lula criou os tamancos para se apresentar em escolas, preocupado com a possibilidade de o som dos sapatos comuns não ser suficientemente audível. Hoje, os tamancos seguem sendo confeccionados por Mestre Assis.


“Eu trabalho com madeira de pinho, a gente compra tábua bruta, serra, lixa. Depois que lixa prega o couro. É muito fácil a fabricação, porque ele criou de uma maneira de ser uma percussão”, completa Mestre Assis.



mestre Aassis Calixto de chapeu olhando para foto
Mestre Assis Calixto: - Foto: José de Holanda

Além do trupé, o samba e os folguedos de roda também estão presentes na dança e na música do grupo, enriquecidos pelo som do triângulo, pandeiro, surdo e ganzá, que dão força e identidade ao ritmo.


As letras das canções se destacam pela originalidade, transmitindo mensagens positivas, energéticas, autênticas e envolventes. Por meio dessa manifestação, as raízes do ritmo seguem, mais do que nunca, vivas,  fugindo dos padrões estilizados que muitas vezes moldam a música nordestina contemporânea.


O grupo conta com quatro CDs e um EP lançados ao longo de sua trajetória. O primeiro, intitulado "O Primeiro Samba de Coco Raízes de Arcoverde", foi lançado em 2000 e possui 12 faixas. Em 2003, veio o segundo álbum, "Godê Pavão", com 15 faixas. Já "A Caravana Não Morreu", lançado em 2012 com apoio do Prêmio Circuito Funarte de Música Popular, do Ministério da Cultura, traz 12 faixas e reforça a trajetória de resistência e celebração da cultura. Em seguida, o álbum "Maga Bo Apresenta Samba de Coco Raízes de Arcoverde" foi lançado com 14 faixas. O mais recente trabalho do grupo é o EP "Cantando Coco", lançado em 2026, com seis faixas.


Resistência 


Para o Mestre Assis, o  Coco ainda não ocupa  todos os espaços culturais que deveria. Apesar de sua importância e tradição, ainda carece de visibilidade e de apoio. A resistência se manifesta por meio da preservação do ritmo, da sua permanência  e da continuidade da cultura através das gerações.“A resistência do grupo em Arcoverde se dá pelo nosso trabalho, né? Estamos sempre ensaiando dia a dia, nos apresentando aqui, em Recife, e outros lugares.” conta Mestre Assis.


Um dos maiores desafios enfrentados pelo grupo é a falta de apoio necessário para alcançar novos espaços e manter-se cada vez mais vivo na cultura pernambucana. Em 2005, o Festival Lula Calixto teve sua primeira edição. Com o tempo, o evento ganhou repercussão e se transformou em um marco cultural importante na cidade, com oficinas, palestras, palcos para apresentações de grupos e artistas de várias regiões, garantindo ao menos no Festival o apoio de órgãos competentes para realização.


Foi através da resistência do Samba Coco Raízes de Arcoverde, que o respeito aumentou e se estendeu também a outros grupos da cidade. “Antes, não tinha esse respeito, essa procura pelo grupo. Hoje a gente tem o movimento, isso é melhor para todos os grupos de Arcoverde, não só para o Raízes, mas para todos os grupos, melhorou muito, né? Tudo isso através da resistência dos próprios grupos”, ressalta..


Mesmo diante dos desafios, a cultura do Coco segue viva e pulsante. O Samba de Coco Raízes de Arcoverde continua abrindo caminhos e inspirando novas gerações, trazendo a importância da tradição e da cultura na identidade pernambucana. 



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