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O poeta do povo: Solano Trindade e a força de Recife em sua obra

Flup PE homenageia o poeta com projeto “Nós que somos Solano Trindade” em escolas e espaços educativos do Recife


“Tem gente com fome, tem gente com fome...”

O trem que Solano Trindade transformou em poema parecia ecoar também os caminhos de sua própria vida. Nascido em Recife, em 24 de julho de 1908, Solano cresceu entre as ruas estreitas da cidade, absorvendo a cadência do povo, o som dos tambores, os cantos de trabalho e a fé que brotava dos terreiros. Foi nessa Recife marcada pela desigualdade, mas também rica em manifestações culturais, que o menino de origem humilde começou a se perceber poeta.


Solano Trindade é homenageado pela FLUP. Imagem: Reprodução/Arquivo UH
Solano Trindade é homenageado pela FLUP. Imagem: Reprodução/Arquivo UH

Filho de sapateiro e costureira, Solano encontrou desde cedo na cultura popular uma forma de enxergar o mundo. Frequentava maracatus, rodas de coco e festejos de rua, onde as vozes negras da cidade resistiam ao apagamento. Recife, para ele, não era apenas o cenário da infância, mas a base de uma estética que mais tarde faria dele um dos nomes fundamentais da literatura e do teatro popular no Brasil.


Ainda jovem, engajou-se em movimentos artísticos e sociais, usando sua poesia como arma contra o racismo e a pobreza. O Recife da primeira metade do século XX,  cidade portuária, pulsante e desigual, moldou a indignação e a sensibilidade de Solano. Foi lá que ele aprendeu a olhar para os invisíveis, aqueles que a cidade ignorava, e a transformar essa dor coletiva em versos de resistência.


Em 1936, fundou o Centro Cultural Afro-Brasileiro, no Recife, espaço pioneiro de valorização da arte negra. A iniciativa não só reunia artistas, como também projetava um pensamento que atravessaria toda a sua vida: a arte como instrumento de emancipação social.


Poeta, teatrólogo, pintor e ativista, Solano carregava consigo a herança da cidade que o formou. Recife nunca deixou de ser sua matriz cultural. Dos becos do centro às ladeiras de Olinda, dos batuques do carnaval aos cânticos de terreiro, tudo se transformava em poesia e militância.


Hoje, lembrar de Solano Trindade é também revisitar esse Recife múltiplo e contraditório, um lugar de injustiças profundas, mas igualmente fértil na criação de resistências culturais que ele ajudou a eternizar em versos. E é também reconhecer como sua obra continua a gerar frutos.


A memória em movimento


Até sexta (12), sua história retorna ao Recife por meio do projeto “Nós que somos Solano Trindade”, organizado pelos multiartistas Liberto Solano Trindade e Nilu Strange, filho e nora do poeta e da coreógrafa Margarida Trindade. A ação integra a Festa Literária das Periferias (Flup PE) e leva para escolas públicas e espaços educativos encontros que misturam memória, literatura e transmissão de saberes.


Solano Trindade. Imagem: Coletivo Pretaria/ Reprodução
Solano Trindade. Imagem: Coletivo Pretaria/ Reprodução

Liberto revisita memórias pessoais de sua família, conectando-as ao contexto social e político em que se inscrevem. Já Nilu apresenta um cordel dedicado à trajetória de Margarida, evidenciando o papel feminino no fazer cultural e a herança deixada pela artista.

As atividades acontecem em escolas municipais e nos Compaz do Recife, trazendo reflexões sobre cultura afro-brasileira, racismo e a potência das mulheres nas artes. Exclusivo para estudantes e projetos sociais, o projeto reforça como o legado de Solano e Margarida permanece vivo e inspirador, especialmente em territórios periféricos da cidade onde nasceram.


A Flup PE, que estreia em Pernambuco neste ano, terá programação aberta ao público a partir desta quarta-feira (10) até domingo (14), no Compaz Governador Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha, Zona Norte do Recife. Com o tema “Saberes conectados: negritude em todos os espaços”, a festa reúne lançamentos de livros e mesas sobre ancestralidade, arte, religiosidade, juventude, feminismos, política e direitos.




Mais de cem anos após o nascimento do “poeta do povo”, Recife ainda escuta sua voz. Seja no ritmo dos trens, no batuque dos maracatus ou no riso das escolas públicas que agora recebem o projeto, Solano Trindade continua dizendo, alto e em coro, que a arte é caminho de luta e libertação.




 
 
 

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