Dia do Coco de Roda: manifestação clama por maior reconhecimento enquanto ferramenta de transformação cultural
- Genivaldo Henrique
- 20 de jun.
- 4 min de leitura
Em entrevista à Manguetown Revista, comunicadora,, coquista e artista popular pernambucana Marcela Souza comenta sobre o papel do Coco de Roda na vida dos pernambucanos

O Coco de Roda, uma das mais importantes expressões culturais afro-brasileiras, é celebrado oficialmente em Pernambuco nesta sexta-feira (20). A data foi institucionalizada em agosto de 2009, após aprovação da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). De lá para cá, a necessidade de reconhecimento dessa manifestação artística que encanta por meio da música, dança e poesia, ganha ainda mais força no estado com um forte clamor por mais representatividade e conexão com as novas gerações.
Coco é território
É impossível negar que quem passa por uma roda de Coco será impactado por ela. A manifestação representa não só a oportunidade de expressar artisticamente o que tem de mais íntimo, belo e ancestral, como também uma mudança de vida, uma transformação pessoal e coletiva. Esse é o caso de Marcela Souza, comunicadora, coquista e artista popular pernambucana que há 11 anos leva o que há de melhor na arte para o estado.
Em entrevista à Manguetown Revista, ela contou que sua conexão com o Coco de Roda nasceu na comunidade de Amaro Branco, em Olinda, onde vivia, quando ainda era criança. Foi lá que aprendeu o significado do Coco de Praia, variação com a qual se identifica e finca suas raízes. Lá, conviveu com mestres e criou uma identidade a partir de muitas referências que carrega consigo até hoje.
"Quando fui crescendo, entrei cada vez mais na arte e cultura, até ter contato com a Junina Coração, uma quadrilha junina daqui do bairro. No segundo ano de apresentações com eles, em 2008, o tema foi sobre o Coco do Amaro Branco, e tivemos a oportunidade de trabalhar música por música toda baseada no CD 'Coco do Amaro Branco', com vários conquistas. Foi daí para a frente que o Coco esteve mais presente na minha vida e resolvi levar a minha carreira artística, participando de grupos. Me profissionalizei, fiz cursos, me formei em Jornalismo, e, ao longo da minha formação, o Coco e a música sempre estiveram em paralelo", afirmou.

No Nordeste, os encontros e grupos tradicionais de Coco reúnem um festival de instrumentos de percussão, dança, uso do corpo e muito improviso - um dos pontos que mais chama atenção para o espectador. A manifestação é não só lúdica, como também demonstra religiosidade e conexão com o divino, com muitos cantos entoados como pontos na jurema. A religião indígena tem forte presença na região e também se aproxima com a umbanda, religião de matriz africana.
Essa união dialoga, inclusive, com a origem do Coco de roda em Pernambuco e no Nordeste. A manifestação remonta aos engenhos, e é uma herança deixada pelos escravizados. Durante o dia, eles trabalhavam na lavoura e, à noite, dançavam "Mazuka", como era chamado à época.
Para celebrar esse diálogo entre presente e passado, ancestral e cotidiano, território e pertencimento, Marcela Souza vai lançar um EP que trará o Coco de Praia do Amaro Branco como um dos principais elementos. "Apesar de ter explorado o canto popular em si, outras vertentes e estilos culturais afro-indígenas, o meu principal foco não pode e nem vai deixar de ser o Coco de Praia", explicou.
Para Marcela, assim como para tantas e tantas pessoas que já participaram de uma sambada, o Coco representa uma ferramenta de transformação social. Ela não só está inserida na manifestação cultural: ela é um órgão vivo e ativo que atua dia após dia para disseminar o ritmo, através da sua arte, para o máximo de pessoas que conseguir alcançar. Assim como o Coco a transformou, ela mesma o transforma.
"Nem imaginava que um dia seria cantora. Além do palco, da música, o Coco representa a ancestralidade. Amaro Branco, de onde venho, é um quilombo urbano, e lá o Coco esteve presente desde os primórdios. É uma comunidade pesqueira, muitos mestres coquistas eram pescadores, então essa relação com o mar nos festejos e sambadas de Coco sempre esteve muito presente", começou.
"O Coco é o que pauta minha vida hoje. Não é só um trabalho. É muito satisfatório estar em uma sambada, carregar essa ancestralidade e levar isso adiante, respeitando a história e tradição sabendo que existe muito mais envolvido. O Coco é, de fato, um compromisso", completou.
Reconhecimento nacional
Para Marcela, um dos maiores desafios do Coco é o reconhecimento nacional no cenário cultural. Atualmente, inclusive, já existem movimentações do governo para que isso aconteça, embora o processo ainda careça de mais apelo e divulgação.
No último dia 10 de junho, por exemplo, a Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou o Projeto de Lei 2079/2023, que prevê a criação do Dia Nacional do Coco de Roda, da Ciranda e da Mazurca, a ser celebrado no dia 26 de julho. A proposta seguiu para sanção do presidente Lula (PT), e, caso não seja aprovada, retornará para mais uma votação no Plenário.
Há ainda uma forte articulação para o registro do Coco do Nordeste como patrimônio imaterial nacional. Pernambuco foi o primeiro dos nove estados da região a promover uma reunião de mobilização dos detentores dos Cocos, em outubro de 2024, com apoio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE).

Nesse processo, são coletados materiais fotográficos e audiovisuais para a elaboração de um dossiê dos Cocos da região, que vão embasar o projeto para inclusão da manifestação no Livro do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Um documentário feito a partir das peças coletadas também deve ser apresentado neste mês de junho ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (CCPC), que avaliará a possibilidade de efetuar o registro dos cocos do Nordeste como patrimônio imaterial do Brasil.
Para Marcela, ambas movimentações, caso sejam de fato concretizadas, já representariam um grande passo para o reconhecimento do Coco de Roda Brasil afora.
"É importante para a gente poder ganhar cada vez mais espaço e políticas públicas que financiem e oportunizem que a tradição do Coco de Roda seja levada adiante e que os mestres recebam financeiramente pelo trabalho de perpetuar a tradição", afirmou.
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