Do amargo ao doce, banda Jambre traduz afetos no EP de estreia “Eu Quero Amar de Novo”
- Beatriz Santana

- 13 de set.
- 6 min de leitura
O que faz a banda pernambucana que mistura rock setentista com latinidades ser a banda mais amorosa do Estado?

Dispostos a provar que uma dose de amor injetada direto nas veias musicais faz qualquer coração descompassar, a banda pernambucana Jambre lançou o primeiro EP intitulado "Eu Quero Amar de Novo", em agosto. A faixa homônima marca o início sem muitas expectativas e dá forma a um presente repleto de perspectivas do grupo, cada vez mais capaz de comprovar que música é uma boa alternativa para recobrar os estímulos.
Para os fãs da banda, o primeiro EP composto por seis faixas, sendo duas delas instrumentais, é a possibilidade de escutar as músicas cantadas no ao vivo a hora que quiser; e para os novos ouvintes, mais uma comprovação de que a cena independente de Pernambuco continua efervescente. Aquecida por referências regionais e latinas a globais, Jambre faz borbulhar um caldeirão musical que transborda em cada faixa.
Em uma entrevista exclusiva para a Manguetown Revista, os cinco integrantes compartilharam o processo criativo que resultou em 12 composições, seis delas estando em "Eu Quero Amar de Novo". Além disso, como a conexão para além da música e a forma semelhante de enxergar as múltiplas possibilidades a partir dela, fez de amigos uma banda e os levou até o palco.
“Cada um vem de uma vertente diferente, mas conseguimos nos priorizar”
A afirmação acima é do baterista Saw e funciona como uma conclusão. Pois, antes de "Jambre" não passar do nome de um fruto, e de ter Henrique Falcão na percussão, Luiz de Aquino no baixo, Saw Lima na bateria e Ciro Gonçalves no baixo, oito das 12 faixas que fazem parte do repertório da banda eram assinadas pelo projeto solo do atual vocalista e guitarrista da banda, Antônio (Tonho) Nolasco.
"Por nós estarmos tendo uma dinâmica diferente, eu percebi que já não era meu projeto solo e sim uma banda com identidade própria em que todos têm responsabilidade sobre o som que estamos fazendo", afirma Nolasco. O convite para alguns amigos ajudarem na gravação, tornou um trabalho individual em uma produção coletiva.
A liberdade de experimentar com o rock setentista
O ano é 2021 e, a partir de então, passam a se reunir remota e semanalmente para dialogar e definir a estética e estilo do grupo. Em seguida, os encontros virtuais ficam em segundo plano para enfim começar os ensaios, momento que Ciro descreve com uma metáfora: "Foi o período de gestação. A gente teve o bebê, ele tá no mundo, às vezes temos que deixar livre, só que, ao mesmo tempo, nunca vai se perder o amor". O desejo comum de recriar com o rock setentista, emblemático pela experimentação e psicodélia, revelou-se tão fundamental.
O nome “Jambre” nasce dessa intenção. A palavra é curta, mas repleta de significado. Possui o potencial de resgatar a memória de um território que tem a fruta, também chamada de jambo, como característica, para uma banda que tem as raízes como base. Dessa forma, mesclam influências que vão desde o baterista britânico Yussef Dayes à cúmbias, levadas de frevo e baque solto para construir a própria identidade. A territorialidade é destacada por Henrique.
"Falando da minha experiência pessoal, eu nasci em uma família de terreiro. Para mim, tocar é questão de espiritualidade, e consigo ver isso na Jambre também, por mais que a gente não fale necessariamente sobre religião em nossas músicas. Saw cresceu em Olinda, Luiz cresceu em água fria, um território que respira candomblé, samba e afoxé. Então a relação com o território vão estar ligadas as referências e são impossíveis de dissociar com racialidade e espiritualidade", aponta.
"Não foi de garagem, mas uma banda de quarto"
Sem garagem, o quartinho virou sala de ensaio, estúdio e laboratório. A consciência de que não ter estrutura era, paradoxalmente, uma força. Criar as próprias condições para tocar, gravar e lançar o que acreditavam, diante das adversidades que envolve ser uma banda independente, passa a ser uma missão.
"A força maior vem justamente do não ter. na verdade a gente ainda tem muito, porque conhecemos muita gente que não teve muito suporte para gravar coisas que a gente conseguiu gravar. acho que foi isso que deu essa liga e nos fez querer ir e mostrar potência", diz Luiz. Com o apoio familiar e de amigos, músicos ou não, o grupo estava pronto para buscar a afeição dos fãs.
“É Jambre! A gente só é o que a gente é!”

Da mesma forma como criaram a própria estrutura de ensaio e gravação, também desenvolveram uma estética própria, que inclui o jeito de se vestir, traduzindo no corpo o mesmo experimentalismo que aparece nas faixas. Saw reforça que “para além do som, essa época setentista influencia nossos figurinos. A maneira que a gente se apresenta sempre foi um atrativo do show”.
Não somente, somam toda a estética do jambo, roxo avermelhado, ao estilo setentista da identidade visual. O projeto gráfico e visual também reflete essa construção coletiva: a designer Natália Amorim, que participou das primeiras experiências da banda, desenvolveu a identidade visual, o logotipo e a capa do EP, com colaboração da fotógrafa Feane Monteiro e roteiro do percussionista Henrique Falcão.
Tudo isso é possível de ver no material físico que veio junto ao lançamento do EP “Eu Quero Amar de Novo”. Um CD com as faixas foi rapidamente esgotado. O fato foi muito positivo e comprova que Luiz estava certo quando afirmou que o público deseja “ter alguma coisa que simbolize o quanto você gosta do projeto e deseja lembrar”. Sem contar coisas como créditos e ficha técnica que acabam perdidas ou escanteadas no digital.
Fita Cassete do EP "Eu Quero Amar de Novo". Foto: Acervo Pessoal/Beatriz Santana
EP - Eu Quero Amar de Novo
UMA ROUPA SEM ESTILO: Marcado por um solo de guitarra inicial, a primeira música rapidamente exemplifica a habilidade da banda com os instrumentos que embalam bem o que a composição tem a refletir. Na busca por um desapego saudável, chegar a conclusão de que “as coisas são de um jeito e nem tudo é perfeito” contribui com o processo de dar outro significado à diferentes experiências.
MR. DAYES: Lançada em 2024, o primeiro single da banda é inteiramente dedicado ao instrumental. A suavidade das baquetas dão lugar ao som da bateria que se destaca e faz referência ao baterista britânico Yussef Dayes. Ao fundo, a percussão funciona como um guia para a melodia que alcança o clímax perto do fim.
AS RESPOSTAS: A faixa que se apresenta como uma balada traz uma mistura interessante da vulnerabilidade com a lucidez prática, de alguém que não demorou por descuido ou frieza e sim porque “foi aquilo que deu”. Apesar disso, oferece a possibilidade de reencontro: “se quiser me esperar, logo, logo sou seu”. Não se trata de uma competição, o eu-lírico faz questão de reafirmar.
VENENO E CACHAÇA: A faixa funciona como um interlúdio que permite a mudança de tom das três primeiras faixas para as três últimas, de algo mais suave para outro mais intenso. Quem cumpre essa demanda é o poema autoral de Luiz de Aquino. O verso “um punhado de jambre na boca que amarga” relembra que uma fruta majoritariamente doce também pode ser amarga. Do mesmo jeito, a vida tem sabores difíceis de engolir. A essa altura do EP, a guitarra assume o protagonismo porque uma cúmbia é envenenada pelo peso do rock.
EU QUERO AMAR DE NOVO: O single traz o diálogo primeiro da percussão com a bateria. Repleta de personalidade, é um exemplo nítido das referências do rock ao funk dos anos 70. Os versos “Faz tempo que eu não amo ninguém, que eu não dou pra ninguém, que eu não como ninguém” repetidos inúmeras vezes ao longo da composição é o tipo de verso que fica na cabeça após a música acabar, além disso, expande o discurso sobre o amor que não se resume a cisheteronormatividade, afinal, todos querem amar.
SYZYGIUM: A segunda faixa totalmente instrumental mistura o rock com os ritmos pernambucanos, fazendo referência ao Maracatu de Baque Solto e Cavalo Marinho para fechar o EP. O fato do single ter sido produzido por todos os integrantes sela oficialmente a colaboração de cinco artistas com trajetórias musicais distintas, que escolheram fundir os repertórios particulares e criar um som autêntico e original.
O EP não deixa dúvidas de um consenso: Jambre é a banda mais amorosa do Estado. Não somente, apresenta-se como a primeira safra de um processo que ainda promete novos frutos. Do quarto improvisado a diversos palcos, firmam o nome "Jambre" entre as bandas que movimentam a cena independente de Pernambuco. “Demorou, teve vários percalços, mas agora tá no mundo”, conclui Ciro.
Já Nolasco reforça que, para além do amor Eros - romântico e sensual, marcado pelo desejo e pela atração física, que atravessa o álbum; também há um espaço para o amor Philia, ligado à amizade e à coletividade. A inspiração nasceu de um momento político muito específico: “Estávamos vivendo um desgoverno, então essa vontade de querer amar de novo parte do sentimento de amar da própria pessoa. Por haver tantos desestímulos, a pessoa sente falta de um sentimento, de sentir amor que está ligado à esperança”, relembra.
Show de lançamento
No dia 19 de setembro, a banda Jambre faz o show de lançamento do EP “Eu Quero Amar de Novo” na Casa do Cachorro Preto, localizado no bairro do Carmo, em Olinda, a partir das 18h. A apresentação conta com abertura dos artistas Drão e Do Jarro, e os ingressos já podem ser adquiridos pelo Sympla. Conheça mais da banda e confira mais detalhes do show pelo Instagram: @jambreoficial.



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